domingo, 31 de outubro de 2010

A Farsa de Tarantino

Kill BillQuem assiste a um filme costuma se sentir autorizado a fazer uma crítica baseada em seus gostos. Seu julgamento é orientado por um pensamento de identidade, de modo que é através dele que o sujeito busca sua diferenciação. Quando o repertório é pequeno, não gostar de Faustão parece ser suficiente, mas quando se depara com a possibilidade de acesso a praticamente qualquer tipo de conteúdo, o jogo se torna mais complicado. A meninada precisa correr atrás da especificidade máxima: cineasta polonês que gosta de metáfora, versão restaurada de filme cult , mensagem sublinear em filme infantil ... Daí nasce a crença em que o cinema de nicho é melhor que o cinema de massa, a crença em que Tarantino é muito diferente de Procurando Nemo. E não é.

Porque, em última instância, estão reproduzidas as mesmas estruturas de dramaturgia clássica. Não a dramaturgia de Aristóteles, mas a de Diderot e Campbell. A dramaturgia repensada à serviço da lógica de mercado e da ideologia burguesa. A dramaturgia que aliena enquanto forma estética. É a jornada do herói individual capaz de resolver os problemas que o mundo lhe apresenta. É a curva dramática e a valorização da subjetividade, que forçam uma ligação afetiva através da identificação com o herói. É o diálogo como garantia da intersubjetividade, que preserva as autonomias e as individualidades. A mudança é conjuntural, não estrutural. Ora é o mafioso blasé sem saber como lidar com a esposa do chefe, ora é a menina-ninja buscando a vingança sobre a morte de seu bebê, ora é o peixe-palhaço procurando seu filho pelo oceano.

O problema desse cinema cult moderno, no qual se enquadra o Tarantino, é a pretensão intelectual que ele carrega. Como se realmente existisse algum tipo de reflexão crítica por de trás de uns personagens perturbadinhos e uma história meio surreal, alguma experiência estética por de trás de uma montagem moderninha. Porque uma coisa é você assumir o aspecto comercial e fazer uma obra esteticamente orgânica, ainda que não-crítica; outra é você fingir que é imune às estruturas de mercado e se propor uma grande obra de arte quando não diz nada com nada. E pra maquiar essa falta do que dizer carrega na estética moderninha. Dos artifícios de Tarantino, dois se destacam: o fascínio estético e a estrutura referencial.

A sensualidade enquanto elemento valorativo não é de uso exclusivo de Tarantino, muito pelo contrário, é parte integrante da linguagem da mercadoria. E o estímulo sensual é conhecido de longa data pelo sujeito moderno, das cidades futuristas, dos filmes 3D e das explosões de carro. Mas a forma com que Tarantino o faz é particularmente agressiva. É a roupa de couro amarela, os rios de sangue banhando a tela, a velocidade com que as imagens se sobrepõe. A delícia do design sonoro do corte de uma lâmina é capaz de anestesiar completamente o senso crítico, de modo que o sujeito entra em uma espécie de percepção orbital para com o filme. E em momento nenhum surge espaço para o questionamento moral da banalização da morte. Também não existe espaço para a discussão da hegemonia da amoralidade, como alguns propõe. A violência se vale por si só. É o modo pelo qual se exerce fascínio estético.

Aliado a isso, é criado toda uma estrutura referencial, uma espécie de pastiche. Seus filmes são invadidos por referências à cultura pop e a ele mesmo. Quanto mais obscuras, mais particulares, melhor. É como se ele reproduzisse no próprio filme o pensamento de identidade que orienta o gosto. Cria uma espécie de jogo de adivinhação que exige um repertório muito particular, como se compartilhar de suas referências fizesse a individuação do espectador, demarcasse a diferença entre eles e os outros. É um jogo de afirmação de identidade, de preservação de autonomias. Garante a autonomia do filme, a autonomia dos objetos a que faz referência e a autonomia do espectador que as caça. A associação de elementos díspares dentro do universo ficcional se torna um elemento valorativo, se torna parte da estética moderninha. Ora preserva a autonomia de suas referências, ora as imbui no próprio conceito do filme. A estrutura referencial se emancipa, e passa a se valer por si só.

O cinema de Tarantino é tipicamente moderno – do preenchimento das lacunas dramáticas à estética da fascinação à estrutura referencial – e a modernidade se torna valor de troca, se confunde com qualidade. A pretensão intelectual que ele carrega só intensifica seus efeitos. Contribui para a alienação dos jovens fascinados, incentiva a crítica cultural e se vale do pensamento de identidade. Mas os que acham que o cinema de nicho é imune às estruturas de mercado surpreendem-se ao ver o poder de persuasão de Tarantino. Ele se vale de uma estrutura dramática massificada, mas através de seu preenchimento fantasioso e de sua realização estética moderna é capaz de fingir uma obra de arte. Por de trás de um péssimo cineasta há um grande vendedor.

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Liberté & Nanquim

No fim de Agosto, já antecedendo esse clima agradável de eleições, o STF suspendeu um artigo de lei que proibia rádios e canais de Tv de “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Em outras palavras, usar o humor. Coincidência ou não, um mês depois dessa bem-vinda dose de bom senso foi inaugurada em São Paulo uma exposição do trabalho do cartunista, escultor e jornalista Jean Plantureux, o Plantu.


A exposição está legal. Pequena e se não fosse o ar condicionado, meio claustrofóbica, mas boa para conhecer um pouco desse artista que publica no Le Monde há longos 38 anos - na primeira página – com comentários cáusticos sobre política, sociedade e costumes, não só sobre a França, com um traço bem classudo. Além de Plantu, ganharam espaço também os nossos Loredano, Chico Caruso e o divo Angeli, pela similaridade de temas e veículos; daí o diálogo que deu nome à exposição (mais abaixo).


Ir a essa exposição vale a pena porque ela aborda a face ameaçadora do humor. O humor expõe o ridículo, o risível e o absurdo de modo grotesco, irônico ou sutil, numa linguagem de fácil apreensão, a visual. Isso tem muita força. Claro que às vezes charges e cartuns podem vir a ofender alguém mais sensível ou alguém que já estava a fim de brigar desde o começo. E aí entra aquela doença que é o politicamente correto.

Agora pausa para o editorial da edição 1 de Chiclete com Banana, Outubro de 1985:

O ser humano é meio panaca mesmo. Alguns engolem fogo, outros escalam o monte Everest, outros ainda deitam em cama de prego; e nós resolvemos fazer um gibi – ou seria uma revista? – de galhofa para galhofeiros. Dois pontos, entre outros, são difíceis nesta façanha editorial: primeiro, concorrer com um pato idiota aí de cima [tinha um desenho Donald]; e segundo, fazer galhofa num país onde ultimamente todo mundo se leva muito a sério. Não! Não vamos encher seu saco narrando as desventuras do desenhista nacional contra um bando de patos afeminados e não assumidos, pois você não comprou essa revista – ou seria gibi? – para ouvir lamúrias, e nem vamos derrubar o governo da Cisjordânia, se é que lá tem governo. Queremos com esse gibi – ou seria revista? – apenas beliscar a bunda do ser humano pra ver se a besta acorda.

Angeli

Ou seja, o mundo estava chato em 85 e não melhorou muito desde então. Anda difícil fazer um comentário jocoso sem algum infeliz vir carimbar um “ismo” na sua testa, o que também é conseqüência de alguns se levarem a sério demais. Há necessidade de filtrar o que se diz, escreve e faz para que ninguém se ofenda, processe ou coisa pior; na exposição do Plantu, as referências ao caso das charges de Maomé são apenas uma fração do quadro todo. A tentativa da proibição do humor político citada acima idem. Esse tipo de coisa limita as formas de expressão e portanto provoca um empobrecimento cultural generalizado.

Não conheço a fundo o trabalho de Plantu, porém pude notar que um personagem recorrente nos seus desenhos é uma bela caneta tinteiro, atuando como um instrumento de defesa e ataque. Uma forma elegante e sutil de constatar a importância e o poder da palavra escrita, do conhecimento e da liberdade de expressão. Não que precise de elegância para isso; beliscando a bunda do ser humano já está ótimo.


E sim, “the pen is mightier than the sword”.




Exposição Diálogos com Jean Plantu
Sesc Consolação – Rua Dr. Vila Nova, 245 – São Paulo. (Travessa da R. Maria Antonia)

Vai até dia 30/10, Sábado


E caso isso esteja te incomodando, a pronúncia é algo como "plántchu".



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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Uma Mentira Conveniente

O SWU acabou faz quase duas semanas, mas deixou muitas reflexões pendentes de todo o burburinho - e lixo - gerado. O mega-evento produzido por Eduardo Fischer, que originalmente deveria se chamar Woodstock, abraçou o conceito de sustentabilidade e se autoproclamou “o maior movimento de conscientização em prol da sustentabilidade já criado no Brasil”. Contudo, shows dessa proporção são por definição insustentáveis - decibéis e decibéis de som não são exatamente benéficos para a natureza - e nenhuma grande mudança de paradigmas foi perceptível até agora. A impressão que fica é a já saturada mensagem ecochata. E sem grandes mudanças estruturais, a nova tentativa de associação do rock n’ roll à natureza foi hipócrita. É válido tentar retomar o ideal de música e vida natural, ou propostas mais sinceras como a do Rock In Rio, saudando o Rock pelo Rock, prevalecerão?

Comecemos pelo conceito de sustentável. A forma que conhecemos hoje foi oficializada pela Conferência de Estocolmo - que ocorreu três anos após o Woodstock original - e ratificada pela Carta da Terra no ano 2000. A mensagem inicial do movimento consistia em que uma pequena mudança nas atitudes individuais e cotidianas geraria uma grande mudança na sustentabilidade. Com alguns poucos flash mobs e dicas de atitudes sustentáveis, o pretensioso movimento já demonstrava concentrar-se no evento, o que aumentou as expectativas e responsabilidades ao levantar tal bandeira. Com o anúncio das bandas tentava-se conservar o conceito, porém, notava-se poucos artistas efetivamente engajados.

Mais uns três meses se passaram, as expectativas aumentaram e o show começou. Logo de início, a sustentabilidade ficou literalmente na porta. A iniciativa mais criativa e válida foi cobrar caro pelo estacionamento (e mais ainda quanto menor fosse o número de pessoas no carro). Se mais formas
de desrespeito ambiental fossem taxadas, já seria o suficiente. Porém, ocorreu justamente o contrário. Sem entrar no mérito da pista especial, o evento começou com uma falta de nexo tremenda: barrar alimentos na entrada. A atitude, apesar de comum, gerou incontável volume de lixo nos três dias, e, sendo a maior parte composta de alimentos, foi estimulado o consumo e conseqüentemente a geração de mais lixo.

A incoerência continuou: a cerveja inicialmente foi vendida necessariamente no copo; as opções do cardápio não se diferenciavam em nada a não ser por uma batata com acompanhamentos vegetarianos; não foram recolhidos separadamente os produtos recicláveis; foram cobrados preços abusivos (a opção mais barata era um espetinho de carne por R$6,00); e um ponto importante a ser ressaltado é a venda de garrafas de plástico d'água. A própria existência da água vendida desta forma (como mostra o vídeo) já causa transtornos irreversíveis. A retenção das garrafinhas na porta só tornou mais hipócrita. Porém, quem acha que a Nestlé - que foi uma das principais patrocinadoras - abriria mão da venda de seu principal produto?

A responsabilidade social dos stakeholders foi discutida com figurões internacionais da causa no Fórum Internacional, mas a presença do público se restringiu a menos de 1% dos presentes. Com a ressalva de uma tentativa de discurso por um ativista desconhecido no dia 10, antes da última atração, com um tom pastoril que só resultou em vaias. Percebe-se que o discurso permaneceu em segundo plano. Sim, havia exemplos de aplicação de energia renovável - mas não para os gastos principais -, obras de arte (clichês) feitas de lixo, disponibilidade para conhecer ONGs ativas como a Um Teto Para Meu País ou até trocadores, mas nada disso foi colocado de forma a chamar muita atenção. Além das filas longas, revistas mal-feitas, problemas de som (também conseqüência dos problemas de gerenciamento). Que fiquem registrados os meus parabéns à equipe do Limpa Brasil por ter organizado toda a coleta e triagem de lixo durante os três dias.

Se de fato se sonha em produzir um projeto que proporcione a mudança de consciência, é necessária a construção coletiva desse projeto. O SWU usou e abusou do Twitter durante os seis meses que o precederam, mas de forma unilateral. O Woodstock original ocorreu em uma época onde as utopias estavam no auge, porém o que se percebeu de relação entre discurso e prática foi justamente o contrário. Muitas bandas que lá tocaram não sabiam da proporção daquilo, não imaginavam lidar com tanto “paz e amor”. Mas acertos dos organizadores na época - como liberar a entrada a todos ou consentir com todo tipo de manifestação - permitiram que o maior evento de música até os dias de hoje ocorresse. O que resta ao SWU é terminar o seu plano de ações oficial plantando o equivalente perdido e tentar se adaptar aos próximos eventos: mudando ou o discurso ou a prática.

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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O PTTP vai a Itu - SWU Music and Arts Festival

O Pop To The People não podia deixar de falar do evento que aconteceu nos dias 9, 10 e 11 de Outubro, no interior de São Paulo: o SWU - Music and Arts Festival. No texto de hoje, nossos repórteres especiais enviados a Itu - Bruno Capelas e Dinha - e os colaboradores João Carlos Saran e Guilherme Bruniera trazem aqui comentários sobre os principais shows dos três dias de festival. Em breve também virá um texto sobre o festival como um todo - e até onde são levadas a sério suas propostas para o futuro (sustentabilidade, música e "um novo jeito de pensar e agir"). Boa leitura!

Os Mutantes – 09/10

A banda é lendária e influenciou gerações do rock nacional, mas o que deve ter passado pela cabeça de muita gente que foi ao interior de São Paulo sonhando com um Woodstock Brasileiro durante o show dos Mutantes foi certa amargura nostálgica. Primeiro: da formação original, só Sérgio Dias está no palco. Segundo: as roupas psicodélicas, os cortes de cabelo, os gritos de guerra, nada parecia emplacar. Em alguns momentos, porém, como nos clássicos “Baby” e “Balada do Louco”, a banda passou de simples documento histórico e conseguiu empolgar a platéia e fazê-la cantar junto. Prevalece o saudosismo: as canções do grupo paulistano cantam utopias de outro tempo. Antes o tom era de “vamos vencer”, hoje é de “parece que algo se perdeu”. O fim do show, com “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”, evocou essa época – e deixou-me com dúvidas sobre o que era o famigerado SWU. Com certeza, entretanto, consigo dizer, que não era Woodstock. (João Carlos Saran)

Los Hermanos – 09/10

Não posso negar: em algum momento entre os 12 e os 15 anos, me tornei um fã dos Los Hermanos, com certa devoção cega. Era uma admiração que passava ao largo de qualquer mérito musical - era identificação mesmo: tanto com eles, quanto com o público que deles gostava. Dito isso, vamos ao show. Posando de "críticos da competitividade" de hoje em dia, acabaram por conquistar mais que fãs: fiéis de uma religião. E é difícil não recorrer a essa analogia batida quando se vê que, na Fazenda Maeda, Camelo e Amarante hipnotizaram seu público com recentes clássicos - como "Cara Estranho", "O Vencedor" e "Sentimental" - tal como encantadores de serpentes - levando público e artista a uma total sinergia. Ao fim de tudo, houve um tom de retorno, embora a banda continue a dizer que nada é definitivo. Adeptos da melhor tradição religiosa, insistem em ressurreições periódicas. (JCS)

Rage Against the Machine – 09/10

O que esperar de um show de uma das bandas mais polêmicas do mundo? Polêmicas, ora essa! A primeira passagem do RATM pelo Brasil foi marcada por tumultos, suspensão de transmissões, falhas no som e muito empurra-empurra, que levou a alguns desmaios e medo por parte dos fãs de ataques a sua integridade física. Ainda assim, a banda conseguiu superar os imprevistos e deixou os fãs brasileiros satisfeitíssimos. No que já vem sendo chamada de "Batalha de Itu", o conjunto de Zack de la Rocha e Tom Morello desfilou clássicos e mais clássicos, como "Killing in the Name", "Bulls on Parade" e "Testify" suplantando até a sensação de coito interrompido da platéia com as sucessivas interrupções. Mais do que isso: foi o primeiro sinal de que o preço dos ingressos não fazia jus às estruturas técnica e física do festival. (Guilherme Bruniera)

Sublime With Rome - 10/10


Sobe a fumaça! Assim que Bud Gaugh (43), Eric Wilson (41) e Rome Ramirez (22) entraram em cena, percebe-se a euforia - natural ou não - do público. Tocando em um horário não muito cotado, a banda de ska/reggae foi vista por muita gente como principal atração e, diga-se de passagem, realmente foi. Em ambas as pistas notava-se a empolgação geral dos que permaneceram para assistir, até porque, por doze anos, seu público teve certeza de que não conseguiria ver uma performance, devido à morte do vocalista original antes do sucesso no Brasil. Em um show breve e faltando apenas duas músicas para completar o álbum Greatest Hits, a banda surpreendeu os que se dispuseram a conhecê-la. (Dinha)

Kings of Leon - 10/10

Em sua segunda visita ao Brasil, a última atração do segundo - e eclético - dia de festival, fez bonito. Já o seu público, nem tanto. Com um álbum recém lançado, o KoL preferiu dar ênfase ao terceiro e quarto discos, justamente os lançados após a primeira apresentação deles por aqui. Com a típica presença de palco de uma banda indie, a iluminação tradicional se destacou das demais compensando a falta de movimento. Porém, a interação do público foi pequena, com a saída de muitas pessoas antes do bis, e empolgação notável somente em três ou quatro hits. A causa pode ter sido justamente a grande heterogeneidade da audiência, pois o público que os recebeu superou a mega-atração do dia anterior, Rage Against The Machine. Seria portanto, mais uma prova da falha na distribuição das atrações pelos três dias. (Dinha)

Yo La Tengo - 11/10

Os dedos do meio levantados pelo público e o orgasmo guitarrístico que Ira Kaplan, líder e vocalista do trio Yo La Tengo, proposto à platéia ao final do show, servem como resumo da apresentação. Em um show curto - pouco menos de uma hora de duração - a banda explicou porque é tida como uma das baluartes do rock alternativo americano, especialmente no encerramento apoteótico - e barulhento - de "Pass the Hatchet, I Think I'm Goodkind", com direito a quebra voluntária das cordas da guitarra. O público, ávido pelo heavy metal que viria a seguir, clamando por "rock'n roll", não entendeu o show. Uma pena - pra um show que faria muito mais sentido em um lugar fechado, esfumaçado, e sem ficar espremido entre shows de headbangers de plantão, de preferência. (Bruno Capelas)

Queens of the Stone Age - 11/10

Porrada. Se uma palavra fosse suficiente pra descrever um show, essa seria a história da passagem da banda de Josh Homme por Itu. A platéia, espremida - ainda mais com o inadmissível atraso de quase uma hora - pulou ensandecida assim que soaram as primeiras notas da dobradinha "Feel Good Hit of the Summer"/"The Lost Art of Keeping a Secret", do disco Rated R. Daí pra frente, foi só tijolada atrás de tijolada, cortesia de uma banda MUITO bem ajustada na cozinha e de um dos grandes guitarristas da década. Em meio a rodinhas de pogo e "sing alongs para o público" ("In My Head"), até o final apoteótico com o trio "Go With the Flow"/"No One Knows"/"A Song for the Dead", Josh Homme esbanjou simpatia e virtuosismo. Seria o melhor show da melhor noite do festival. Seria se não fosse... um casal de gordinhos. (BC)

Pixies – 11/10

Soa no mínimo improvável dizer que o melhor show do festival foi liderado por um gordo vestido de agasalho esportivo e capuz. Mais: por uma banda que teve seu auge criativo há vinte anos atrás – e que não tocava junta há uns três. Mas é a verdade. Na segunda passagem pelo Brasil, os Pixies levaram o público como ninguém: hit atrás de hit, em um repertório que privilegiou o seminal disco “Doolittle”, de 89 – 11 de suas 15 músicas foram tocadas na Fazenda Maeda – mas também deu destaque a pérolas esquecidas do conjunto, como “Dig For Fire”, “U-Mass” e “Planet Of Sound”. Kim Deal, a baixista, estava em noite inspirada: brincou com o público, ironizou o Linkin Park (“I’ll be sleeping right after my show”) e brilhou na sua “Gigantic”. Até o baterista David Lovering teve seu momento, com a romântica “La La Love You”. A alegre “Here Comes Your Man” fez o público dançar – mas foi a apocalíptica (vide “Clube da Luta”) “Where’s My Mind?” que levou o show para a estratosfera. Não sei onde estava a cabeça de Frank Black naquele naquele momento – mas a minha, com certeza, estava perto de um paraíso selvagem, sublime. (BC).

Crédito das Fotos: Liliane Callegari (Mutantes, Los Hermanos, RATM, QOTSA e Pixies), Bruno Capelas (Yo La Tengo), Fabrício Vianna (Kings of Leon) e Marina Coelho (Sublime With Rome)


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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A estrada de Chaplin

Alguns dizem que Carlitos era um personagem imoral, outros, amoral. Discordo dos dois. Os chutes e pontapé e socos e tapas e meninices do vagabundo nos filmes eram brincadeiras mesmo, eram a parte da risada, pois, do outro lado, e esse sim era imoral, estava a sociedade, que nos dava pontapés bem piores. Era a menina injustiçada do circo, era a fábrica que engolia os trabalhadores, o nazismo. Todas as brincadeiras de Chaplin pareciam extremamente civilizadas perto disso. Muitos não percebem essa seriedade dos filmes de Chaplin, que, mesmo fazendo sorrir, levava à reflexão de algumas parcelas obscuras da vida. Por isso diz-se que Keaton era melhor comediante. Podia ser mesmo, mas Chaplin era um artista completo. Suas gags tinham um lado muito verdadeiro, que não deixavam a piada acabar em si mesma, era o próprio Carlitos, extremamente ingênuo, que, através do humor, fazia aparecer as discrepâncias e contradições do mundo.

Contudo, essa idéia de gerar outras sensações à parte da diversão não se convertia em um estímulo à luta por uma ideologia. Consigo enxergar, assim como muitos, doses expressivas de marxismo em Tempos Modernos. Mas realmente acho que estamos condicionados a fazê-lo. É muito icônica a cena em que, tentando devolver uma bandeira que alguém deixou cair no chão, Carlitos é tomado por líder de uma revolta popular. É esse o problema, Chaplin pensa que, antes da ação massificada, é preciso o ser humano em um gesto individual, e que, naqueles tempos modernos e estranhos, que não mudaram muito, qualquer boa intenção pode, sem querer, ser confundida com algo do tipo pertence a tal ou tal partido ou tal classe política. Chaplin tinha a consciência, antes de qualquer escolha política, que as decisões eram feitas pelas pessoas, e não por um sistema todo estruturado que ajudava a destruir os sujeitos, por isso o valor do gesto. Quando os filmes terminam ficamos com vontade de fazer o bem, e é isso que importa, antes de qualquer baboseira muito teórica. É essa percepção exata daquilo que nos faz iguais, a humanidade, que deixa Chaplin à frente de muitos cineastas. Os filmes tocam, simultaneamente, o coração e a cabeça. São de uma empatia calculada e impressionante e também tem seu lado intelectual. Nesse sentido, despertar o que existe em cada um de nós, Chaplin aproxima-se bastante de outros de seu tempo, como Gandhi, que teve grande prazer em conhecer.

Após a primeira guerra, Chaplin parecia colocar-se como uma alternativa entre o eterno duelo capitalistas vs. comunistas. Essa terceira via era o humano, o humanismo. Era retornar ao básico, a essência e, assim, conseguir enxergar o Homem. Em sua chegada de volta à Inglaterra, seu país de origem, viagem que seria somente um passeio, mas acabou virando um exílio por suas supostas posições “esquerdistas” e sua presença na lista negra de Hollywood, uma enxurrada de repórteres perguntaram sobre suas convicções políticas, ao que respondeu: “Não penso que se deva dividir as pessoas em categorias segundo suas opiniões. Isto conduz ao fascismo. Por minha parte, não pertenço a nenhum partido político. A vida tornou-se realmente demasiado técnica e cada um de nós deveria andar sempre com um guia das regras de etiqueta no bolso. Porque agora basta descer um passeio com o pé esquerdo para ser tido por comunista...”. Enxergar no ser humano aquilo que parece óbvio, sua humanidade intrínseca, é algo genial e que poucos conseguiram, por isso Chaplin continuará falando com todas as gerações que se prestarem a assistir seus filmes, porque aposta em sentimentos universais.

No fim das contas, a moral de Carlitos é uma própria, e ingênua, parecida com a das crianças. Chaplin ensina a seus espectadores que não adianta crescer, ficar chato e conformado com o mundo; somente sem perder o espírito de criança é que podemos desvelar a hipocrisia. E, para que isto aconteça, não se pode desisitir no meio, ficar resignado. A maioria dos finais “open roads” dá essa impressão de que deve-se continuar a construir o próprio caminho, apesar das dificuldades da vida. É assim em O Circo, Tempos Modernos e outros. O final quase nunca é bom pra Carlitos, mas sempre acreditamos que ele vai se dar bem, que o final depois do final é feliz, que, se o fim não é aquele momento idealizado em que tudo dá certo, pelo menos a experiência valeu. E essa experiência da vida é feita de tudo: derrotas, vitórias, problemas, trabalho, amores, mas que, acima de qualquer decepção, a estrada sempre estará aberta para quem quiser seguir em frente e ajudar os outros.


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domingo, 10 de outubro de 2010

Por que não é assim tão fácil ser Frank Sinatra

É de praxe que, quando um cantor ex-voz da juventude decide se transformar numa figura experiente de meia-idade que aprecia a boa música e um bom vinho do porto, ele grave um CD composto dos clássicos do jazz, os famosos American standards. Rod Stewart o fez, Caetano Veloso o fez, Michael Bublé pulou a fase da juventude e começou logo como um cantor velho já com 20 anos. Não é surpresa, então, que Brian Wilson, ex-Beach Boy, que há muito se encaixa perfeitamente nessa categoria, tenha decidido oficializar a transição com o obrigatório disco de standards. Eis que surge Brian Wilson Reimagines Gershwin.

O que leva à pergunta: por que cargas d’água tantos cantores com mais de vinte anos de estrada decidem subitamente posar de Sinatra?

A resposta é, à primeira vista, simples: o público que ouvia surf rock nos anos 60 hoje está em seus 50 anos e, portanto, abandonou o bom e velho rock and roll em favor de estilos mais clássicos. Imagine então sua reação quando seus ídolos da juventude começarem a gravar material mais “sério”! Um argumento perfeito, exceto pelo fato de que por essa lógica, o público do futuro se deliciará ao som da versão da Lady Gaga de “Garota de Ipanema”. A verdade é um pouco mais complicada.

O problema é que certos estilos de música só fazem sentido em certos contextos. Continuando o processo de crucificação de Brian Wilson, vamos usá-lo novamente como exemplo: uma música como “Surfin’”, ou “Surfin’ Safari”, ou “Surfin’ U.S.A.”, ou qualquer um dos outros trilhões de hits dos Beach Boys com “surfin’” no nome, harmonias vocais e jeitinho de rockabilly. Pois bem, quando essas gravações foram lançadas, o rock and roll já tinha uma década de idade, e esses elementos representavam a interpretação californiana de tudo que tinha ocorrido nesses dez anos; não só refletiam perfeitamente o seu tempo, como eram inéditos – e tiravam sua força disso. Ouvir surf rock era quase uma escolha ideológica: era assumir-se como surfista do sul da California no auge de sua juventude.

Mas eis que se passaram quarenta anos e, nesse meio tempo, Tarantino adotou o surf rock como trilha sonora de cenas violentas e cheias de estilo, os Black Eyed Peas adotaram o surf rock como background de um de seus maiores hits e a série Family Guy adotou o surf rock como o cerne de uma das piadas mais repetidas do novo milênio. Ouvir aquelas canções hoje, depois de todo esse caminho trilhado, é algo completamente diferente do que era ouvi-las originalmente: ou tentamos nos colocar na pele daqueles ouvintes (que só podemos imaginar a partir das histórias de nossos pais e dos filmes de Hollywood) virgens de Tarantino, de Black Eyed Peas e de Family Guy; ou nos resignamos a ouvi-las com ouvidos do século XXI, para quem os títulos com “surfin’”, as harmonias vocais e o jeitinho de rockabilly se desgastaram.

Por isso Brian Wilson não pode gravar um disco à la Beach Boys hoje e esperar uma recepção idêntica. E, sabendo disso, ele se refugia naquilo que, aparentemente, venceu com mais facilidade o teste do tempo: os standards. Acontece que nada é assim tão simples. Em suas Cartas a um jovem poeta, Rilke aconselhou que seu interlocutor não escrevesse poemas de amor, pois é quase impossível escrever algo que já não tenha sido escrito em um dos inúmeros poemas já publicados sobre o assunto e ainda por cima expressá-lo melhor do que Shakespeare ou Camões. Da mesma maneira, é impossível ouvir “I Loves You Porgy” e não ser remetido à famosa versão de Nina Simone ou, ainda, ouvir “Summertime” e não compará-la com uma das inúmeras versões do clássico de Gershwin, seja a de Billie Holiday, a de Sidney Bechet ou a de Janis Joplin. Para que a nova gravação seja minimamente bem-sucedida, é preciso que ela não só seja notadamente diferente das que a precedem como também que as iguale ou supere em expressividade. E Brian Wilson Reinterprets Gershwin, por mais que tenha se esforçado para satisfazer a primeira condição, falha terrivelmente na segunda.

Mas canções de surf rock puro não foram a única coisa que Brian Wilson gravou em sua vida. Ouvir uma música como “God Only Knows” (que, surpresa!, não tem “surfin’” no nome), por exemplo, é uma experiência diferente. Não que ela não tenha tido um significado único por ter sido gravada em tal época e em tal lugar – é impossível fugir disso. Mas ela ganha força por motivos muito mais simples: principalmente pela beleza simples e honesta de sua melodia. E é bom lembrar, agora, que por mais vezes que a teoria musical tenha se revolucionado e expandido, melodias de Bach, de Cole Porter e de Paul McCartney são hoje tão belas quanto eram quando foram escritas. Como também são os standards cantados por Frank Sinatra.

Que é o que os sósias de Sinatra parecem não perceber quando escolhem temas consagrados como clássicos. Não basta simplesmente gravar “They Can’t Take That Away from Me” acompanhado de uma batida de surf rock: é preciso tornar a canção, mais uma vez, clássica no momento da gravação, o que pode ser feito tanto por um artista de trinta anos de estrada quanto por um jovem de 15 anos. E, principalmente, não reduzir sua platéia a uma equação previsível. Nós merecemos mais do que isso.

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sungas, Palmeiras e Sabiás

"Sunga", do Holger, é o melhor disco estrangeiro feito no Brasil do ano. O álbum de estréia da banda paulistana de neo-folk, synth-rock moderno, afro-pop-da Rua Augusta ou qualquer outra denominação inventada nos últimos cinco minutos por críticos da Pitchfork e pelo Lúcio Ribeiro que pode e deve ser desprezada, pode surpreender a ouvidos incautos que cruzarem com seu caminho. Mas, ao mesmo tempo, pode deixar um tanto insatisfeitos aqueles que acreditam que a música pode e deve refletir, um pouco que seja, a realidade do lugar em que ela é feita.

Trata-se de um disco, que, logo na primeira escutada, pode-se acreditar ter sido feito em qualquer buraco do Brooklyn ou numa viela enevoada de Londres: a sonoridade da banda formada por Pedro, Arthur, Tché, Marcelo e Bernardo (que se revezam nos instrumentos durante os shows) está perfeitamente alinhada com sons que dominam as paradas (indies) e as listas de melhores discos e shows do ano lá fora. "Caribbean Nights", por exemplo, poderia ser muito bem o single de destaque que faltou no último disco dos novaiorquinos do Vampire Weekend. "No Brakes", por sua vez, não faria feio no repertório do Tokyo Police Club - e "She Dances", a música fofa do álbum, teria tudo pra brilhar na mão de uma banda como o Phoenix.

Mas, olhando pelo ponto de vista oposto, até mesmo um ouvinte atento teria dificuldade de acreditar que se trata de um punhado de canções gravadas na terra da garoa. Ainda que algumas canções contenham certa ginga e balanço, não é nada que não possa ser visto em festivais como o Lollapalooza ou o de Reading. O principal motivo para tal desconexão entre a pátria-mãe e a obra dos jovens do Holger é que todas as canções do disco são cantadas em inglês – o que é sempre um entrave para a comunicação direta com o ouvinte lusófono. Como diria Renato Russo: "Quando você canta em português dá pra você ter a certeza de que as pessoas estão entendendo tudo o que você está falando. Aí, quando você canta em inglês, parece que você está cantando sozinho."

É claro que cantar em inglês hoje é mais uma opção estética - ainda mais para uma banda que antes de lançar seu primeiro disco já excursionou pelos Estados Unidos - do que exatamente uma vontade de ser udigrúdi ou aquela idéia (antiquadíssima) de que “rock não funciona em português”. Vale lembrar também que o surgimento da Internet possibilitou certa independência do artista quanto a essa tal opção estética - ele pode simplesmente mandar seu som para qualquer lado do mundo e assim, conquistar um público cativo que pode nem chegar a assisti-lo ao vivo um dia, já que vive do outro lado do mundo. E fala outro idioma - o que pode mudar muita coisa.

Cada idioma tem seu próprio conjunto de falantes e de palavras, e para cada falante de uma língua, determinadas palavras remetem a situações específicas. É algo mais do que uma simples acepção do pai dos burros: , como a “saudade” na língua portuguesa, o termo “bliss” no inglês ou o conflito entre pássaro e oiseau na poesia de Manoel de Barros.

Ao não cantar em seu idioma nativo, um artista acaba por optar por deixar de lado boa parte de suas lembranças, de sua trajetória. É importante ressaltar que, tendo crescido no ambiente recente da globalização, no qual a influência de outras línguas no cotidiano se faz presente, esses artistas também possam ter sido marcados por vocábulos ou expressões de outros idiomas (como aqui, no caso, o inglês). Mas esse universo de estrangeirismos não soa suficiente para gerar um panorama de referências para a criação de uma obra mais empática, por assim dizer.

Por isso, quando canta em português, o compositor brasileiro acaba por atingir mais facilmente os corações e as mentes de seus compatriotas – porque estabelece com seu público uma relação de cumplicidade: ambos, de certa maneira, acabam por entender os significados intrínsecos que uma palavra simples como “tijolo” ou “mexerica” pode ter. Assim, de alguma maneira, a comunicação torna-se facilitada – e os objetivos artísticos, a compreensão do artista por parte do público é mais ampla do que seria, em tese, de outro jeito.

Essa questão – sobre a língua em que a obra é feita – é apenas parte de um grande debate sobre identidade nacional – que já deu pano pra muita manga . Hoje, em tempos globalizados, tal discussão pode soar um tanto quanto antiquada à primeira vista: mais do que ser simplesmente uma banda de São Paulo ou de Glasgow, seja importante para um grupo veicular uma mensagem universal, que todo o mundo receba - a diferença entre ser “local” e ser “global”.

Mas é justamente no ambiente globalizado em que a diversidade também pode fazer a diferença: o pastiche de música de linguagem “universal” pode acabar simplesmente sendo ignorado face a uma música original, como a brasileira. Casos não faltam: de Mutantes a Tom Jobim, passando pela lambada e pelo Sepultura (!) até chegar em Egberto Gismonti, todos fizeram a cabeça dos gringos, sem precisar fazer concessões que deturpasse o sentido original de sua arte. A questão que aqui fica, caro leitor, é: o que lhe agrada mais?: ver os sabiás da rua Augusta, da praia de Ipanema ou da Avenida Oswaldo Aranha cantando as palmeiras de cá ou vê-los se transformar em águias reais que querem declamar as belezas dos pinheiros da zona temperada setentrional.

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domingo, 3 de outubro de 2010

"The Spirit Carries On"?

Um fenômeno recentemente me chamou a atenção, embora tenha estado sempre presente e tenha sempre marcado a música: a existência de personagens cujas identidades se mesclam às das bandas às quais pertencem. Exemplos são o que não faltam: Nirvana e Kurt Cobain, Iron Maiden e Bruce Dickinson, Rolling Stones e Mick Jagger, Rainbow e Ronnie James Dio, só para citar alguns.

No mês passado, uma notícia chocou os fãs do metal progressivo: Mike Portnoy, baterista e frontman do Dream Theater, anunciou que estava deixando a banda que ajudou a fundar, depois de 25 anos. O assunto virou um dos trending topics do twitter, com comentários surpresos e até mesmo rumores de que a banda deixaria de existir.

O que é interessante, no entanto, é que o Dream Theater está longe de ser uma banda mediana com um excelente baterista. É literalmente uma banda de virtuoses, cada qual em sua função. Nesse aspecto, sinto-me na obrigação de defender o para sempre injustiçado LaBrie: tirando uma época em que teve problemas de saúde, foi – e continua sendo – um vocalista com habilidades ímpares, ao contrário do que muitos dizem quando o chamam de “limitado” por ser ofuscado pelos outros integrantes. Além disso, embora algumas pessoas possam discordar, arrisco dizer que Jordan Rudess é melhor tecladista do que Mike Portnoy é baterista (embora praticamente tudo do que se cria seja uma constante interação de todos). Quanto às composições - especificamente as letras -, embora Portnoy fosse responsável por boa parte delas, muitas das favoritas não são de sua autoria, e sim dos outros membros da banda, até mesmo do baixista recatado John Myung.

Portanto, não é uma mera questão de quem vai assumir as baquetas do DT. Apesar de extremamente abalados com a notícia, os fãs andam discutindo nomes possíveis, ou que eles simplesmente gostariam de ver na banda, sendo alguns deles Thomas Lang, Virgil Donati, Gavin Harrison e Mike Mangini. Mas, além da técnica, serão eles capazes de preencher esse espaço que Portnoy ocupava, de figura carismática, e que por vezes se confundia com a própria imagem do Dream Theater? Isso sem considerar as diversas outras tarefas desempenhadas por Mike, desde o processo criativo até o planejamento das turnês, que os outros membros terão que se desdobrar para cumprir.

Portnoy continuará com seus projetos paralelos, que inclui o Transatlantic e Avanged Sevenfold, como sempre fez – Mr. Bluebeard parece não conseguir ficar parado -, o que condiz com a explicação que deu aos fãs perplexos sobre a sua saída. Ele alegou que desde o ano passado, durante a turnê pela Europa, sentia certo distanciamento dos membros, e sugeriu a todos uma pausa da banda para que pudessem respirar um pouco, e voltar devidamente descansados e inspirados para continuarem seu trabalho. No entanto, o restante da banda não concordou, tendo em mente a gravação de um disco novo no começo de 2011.

Independentemente do baterista que vai participar dessas gravações, há certa expectativa em relação ao novo disco, e esperanças de que, com a participação maior de cada um dos membros, seja criado algo interessante (os últimos discos, Systematic Chaos e Black Clouds & Silver Linings, mas em especial o último, foi recebido com apatia, visto por grande parte dos fãs como um disco fraco, sem a “magia” do DT). Resta esperar pelo ano que vem, e ficar de olho em Mike, que deu a entender que voltaria para a banda após algum tempo caso os outros o aceitassem de volta, pois como ele mesmo disse, "seria uma tragédia se eu nunca mais voltasse a subir num palco com o Dream Theater."



Move on, be brave
Don't weep at my grave
Because I am no longer here
But please never let
Your memory of me disappear

- The Spirit Carries On

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