quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Relembrando 2010

Queridos amigos, o Pop To The People gostaria de apresentar a vocês (rufam os tambores...) as nossas listas de final de ano. Não que isso seja grande coisa, mas nós achamos que seria interessante indicar para vocês 10 canções nacionais e 10 internacionais que merecem ser ouvidas. Bons motivos para você fazer isso?

  • Quando a sua tia quarentona quiser ver o Show da Virada ou colocar aquele CD de natal da Simone, voce tem uma opção.
  • Em pouco menos de uma hora e meia, você terá um apanhado geral do que nós achamos que foi o melhor feito aqui e lá fora em termos de música.
  • Dá pra ouvir tanto online (pelo grooveshark) ou baixar para ouvir em qualquer lugar que você quiser ouvir.
  • E as listas são ecléticas. Tem tanto folk lo-fi e pop feliz até a medula quanto jazz e hip hop. A receita pode parecer indigesta, mas caro leitor, confie: as melhores comidas vem dos botecos mais pé-sujos que você já viu.

Internacional

Nacional


Lista feita por Federowski

Lista feita por Bruno Capelas

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É isso. Ano que vem tem mais, pessoal.
Boas festas (e blábláblá)


Equipe PTTP


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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ser ou não ser verde e amarelo?

É raro ouvir um disco de jazz brasileiro. Afinal, o jazz nasceu nos Estados Unidos, e que brasileiro teria a audácia de desafiar um americano em sua arte nativa? Mas é claro, na música nada nunca é uma simples questão de “quem é melhor” ou “quem é pior”. Em seu mais novo disco, Entre Marés, o Patavinas Jazz Club faz um tipo de jazz fusion extremamente brasileiro – nem chega perto de tentar copiar o modelo estadunidense. E assim conseguem rivalizar os americanos de igual para igual. Mas, mais uma vez, a questão é um pouco mais complicada.

Mais ou menos há uns 30 anos, a expressão “jazz fusion” deixou de ser um modo de descrever aquilo que todos os músicos de jazz descolado e cool deveria tocar para se tornar um palavrão. Isso por vários motivos: o primeiro e mais óbvio é a onda de puristas que formam a elite do mundo jazzístico e para quem a história do jazz acaba nos anos 60, se não antes; outro é o fato de que “fazer jazz fusion” passou a ser uma desculpa para gravar uma versão diluída e comercializada da grande arte americana que saía das prateleiras mais rápido do que sonharia qualquer Louis Armstrong ou Duke Ellington – afinal, foi lá pra essa época que algum gênio criou a teoria de que elevadores precisam de trilha-sonora. Mas a verdade é que essa expressão nunca foi exatamente adequada.

Jazz fusion, em tese, significa fundir jazz com outros gêneros musicais – seja o jazz-rock de Miles Davis em 1970 ou o hip-hop jazzístico de Maurice Brown em 2010. Mas essa idéia, em si, já carrega alguns pressupostos errados. O jazz já é uma mistura de vários elementos avulsos: uma pitada de swing, um pouco de blues, e, mais importante, uma imensa fatia do universo do músico que decide tocá-lo. Afinal, mais do que qualquer outro estilo, o jazz se embasa na expressão pessoal, e isso significa que alguém que passou a infância ouvindo rock and roll no rádio não conseguirá esconder essa influência em sua música. E também que o jazz de um grupo brasileiro nunca será o mesmo jazz de um grupo americano.

O Patavinas Jazz Club, nesse sentido, não é um grupo revolucionário, mas faz jazz tão bem quanto qualquer grupo norte-americano que se preze. Assim como o fizeram Moacir Santos e Victor Assis Brasil, e assim como o faz o grupo Delicatessen, mas, claro, à sua própria maneira. Seus músicos são excelentes, seus arranjos são de primeira, e sua pegada entre funk e samba-rock é simplesmente deliciosa. O que só mostra que prender-se a um nacionalismo exagerado americanofóbico faz com que percamos oportunidades infinitas.

Mas ser brasileiro, americano ou inglês é uma coisa um pouco complicada. De vez em quando, espera-se que um artista paute sua obra num caráter nacional. De vez em quando, não. É só lembrar, por exemplo, do exemplo tão queridinho à FUVEST: “Noventa milhões em ação, avante Brasil, salve a seleção!”. Na música popular, a coisa é um pouco diferente. Com a hegemonia das culturas americana e britânica, criou-se a necessidade de que todo o resto do mundo se defina por suas diferenças em relação a elas. Lennon & McCartney não tiveram de gravar uma versão de “Greensleaves” para serem aceitos com honra no panteão dos artistas ingleses. Ao contrário, a tradição britânica expandiu-se para incluir suas supostas inovações. Agora, se uma banda brasileira qualquer não inclui em seu disco de estréia um berimbau, um pandeiro e referências a Zumbi, ao Capitão Nascimento e a um ou dois elementos da cultura nacional que tenham importância cult no momento, logo é crucificada por ser anti-brasileira. Afinal, eles só estão fazendo o que milhões de americanos fazem a cada dia.

Isso porque, na música, existem basicamente dois tipos de nacionalismo: o primeiro é um nacionalismo ufanista e xenófobo, que nasce em geral por motivos que pouco ou nada têm a ver com a música em si – motivos políticos ou sociais, na maioria das vezes – e que acaba, em geral, gerando músicas tão exageradamente brasileiras que soam falsas; o outro é o nacionalismo verdadeiro, que nasce por um motivo muito simples: crescer no Brasil é completamente diferente de crescer nos Estados Unidos. As músicas que tocam no rádio, os filmes que passam no cinema, e os livros que se lêem nas escolas, é claro, são outros. Mas são tempos de globalização, e isso talvez tenha mudado um pouco. O que não mudou foi que a maneira de aproveitar tudo isso é unicamente nossa: um brasileiro que lê Dom Casmurro o faz de uma maneira muito diferente do que um americano o faria. Da mesma maneira, um brasileiro ouvindo rock o faz de uma maneira completamente sua: quer seja Led Zeppelin ou Legião Urbana.

O Patavinas não se força a ser brasileiro e duvido também que se force a ser jazz. Mas, apesar disso, eles são tão jazzistas quanto Miles Davis e tão brasileiros quanto Tom Jobim. A música parece sair tão naturalmente que essa escolha parece nem ter sido uma escolha. E é só assim que é possível fazer música tupiniquim: sem um pingo de artificialidade. Seja jazz ou seja samba, seja rock ou seja bossa, o que importa é ser verdadeiro. E críticos superficiais podem tachar Entre Marés de anti-brasileiro, mas será difícil encontrar um disco mais verdadeiro do que esse.

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domingo, 28 de novembro de 2010

A sorte e o azar de ver um Beatle em 2010

Não é só de menininhas ficando com menininhos que vivem os filmes com finais óbvios. Uns vão na linha “banda que precisa fazer show”, e às vezes “encontre o seu ídolo”. Outros são os dois ao mesmo tempo. Normalmente esses filmes são bem divertidos, afinal, das duas uma: ou você se identifica, ou olha com um desprezo meio curioso para aquelas pessoas que dormem em filas, saem correndo em debandada, choram, se descabelam, assim por diante; a trilha também costuma ser boa. Rock 'n' Roll High School é um. Como o nome sugere, é sobre uma adolescente em um colégio chato correndo atrás dos Ramones, num clima de non sense delicioso. O filme é ótimo, mas não foi um Ramone que tocou pra 64 mil pessoas no Morumbi exatamente uma semana atrás.

Como o pôster de lançamento é meio traumático, isso acima é um screencap de I Wanna Hold Your Hand de 1978, aqui Febre de Juventude, estréia de Robert Zemeckis (De Volta Para o Futuro, Forrest Gump). O filme aborda a histórica apresentação dos Beatles no Ed Sullivan Show, em Fevereiro de 1964, do ponto de vista de um grupo de adolescentes que vai de New Jersey pra NYC - sem ingressos -, cada um com seu motivo. Uma aspirante a jornalista quer tirar fotos, outra quer loucamente ver o Paul, outra fã de folk quer protestar e por aí vai.

Não deve ser esperada grande coisa desse filme, ele foi feito para ser leve, engraçado. O que acaba sendo comentado, como a polêmica dos meninos de cabelo “comprido” (três anos depois eles iam ver só), é feito também nesse clima leve, quase sutil. Nada sutil mesmo é a beatlemania; gritinhos histéricos, correria e loucura aos montes; por isso há quem se irrite com ele. E quando você toma o fenômeno da beatlemania como personagem principal, o filme fica mais interessante.

Dois dias antes do show do Paul aqui em SP, Lou Reed fez uma sessão de autógrafos em uma livraria, para 250 pessoas contadas que estavam lá há pelo menos três horas, enfileiradas de pé e abraçadas nos seus LPs do Velvet. Ao lado, outras se reuniam para ver o filme novo do Harry Potter, usando casacos pesados e cachecóis num calor de 28 °C. Enquanto, é claro, pessoas também faziam fila no estádio do Morumbi. Enfim, fanatismo.

Poderiam ter escolhido qualquer outra música para o título, que combinaria: tantas juras de amor eterno em músicas dos Beatles. Mas “I wanna hold your hand” é diferente. Ela é uma das maiores representações do amor pueril, inocente; o gesto mais besta vale a pena. Exatamente o mesmo amor dos fãs: esperar horas, gastar rios de dinheiro, fazer papel de bobo, só para poder ficar uns minutos perto, agradecer ou mostrar que é importante pra você – por mais piegas que isso possa soar.

É evidente que mesmo o gesto isolado parecendo inocente, o todo tem lá seus dissabores. Como queimar seu filme, incomodar seu objeto de adoração e se decepcionar com ele. Todos minúsculos e nulos, perto do que aconteceu com John Lennon: símbolo desse amor exagerado e vítima da sua fama e do fascínio que gerava. (Aliás, seu aniversário de morte já é semana que vem.) Mostrando assim que os Beatles são únicos não só pela música, mas pela influência no comportamento de tantos, chegando aos extremos.

A beatlemania é vergonha alheia completa. I Wanna Hold Your Hand não tenta dourar a pílula; o ridículo da coisa toda é bem enfatizado em todos os momentos. Porém, é sim justificado. Tenho certeza de que muitos dos estavam gritando por Paul McCartney semana passada gostariam de ter estado lá com o bando de histéricas dos anos 60, acompanhando os lançamentos e correndo, chorando, vendo de perto e tudo mais. Porque se mesmo o restinho que sobrou – assistir a um show 40 anos depois de a banda acabar - emociona tanto, imagine só the real thing.



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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Hell - Paulista 1313

“Se tudo isso incomodar vocês, ainda bem, porque a intenção é essa” - Andrea, único personagem masculino da peça

Essa não é, mas bem que poderia ser, a fala inicial do espetáculo Hell, em cartaz no Teatro Sesi. A peça estrelada por Bárbara Paz e Ricardo Tozzi é homônima ao livro lançado em 2003 na França, sobre os jovens da elite parisiense e seus abusos de consumo, drogas e luxúria. E são exatamente esses excessos que incomodam o expectador. A trama é curta e ocorre toda nos mais requisitados pontos de Paris com um ritmo desenfreado através de uma narração em 1ª pessoa. Sua adaptação para os palcos foi na forma de um (quase) monólogo, sem mudanças de cenário e com duração de 75 minutos. A trilha sonora e a iluminação complementam o andamento não linear.

A adaptação é fiel ao romance, muitas das falas são transcritas do texto original, e um elemento fundamental que foi transposto com sucesso é a ironia. Lolita Pille, a autora, possui um senso de humor fino, porém sarcástico que interpretou na última novela das oito, Viver a Vida foi a alcoólatra Renata, conseguiu captar e associar ao óbvio drama também contido na personagem. Aliás, somada ao preço e à localização (detalhados no final), a escolha da atriz da protagonista foi um fator responsável pela popularização da peça. Em plena quinta-feira, a platéia estava lotada e pelo que se percebia - e não foi comentado pelos grandes meios de comunicação por se tratarem de sessões distintas - o público ali presente não estava acostumado com esse tipo de espetáculo.

Palmas em excesso, celulares tocando e assobios; hábitos não comuns ao teatro eram perceptíveis e a realidade totalmente estranha retratada causava ora sensação de inveja, ora de pena. Uma das próprias falas de Hell é “Tenho nojo de mim”. Mas apesar de todo o contexto em que é inserida a peça, trata-se de uma história de amor, ou melhor, da incapacidade de amar. O que se percebe é que o status social das personagens não repele as fragilidades humanas, acentua-as.

Hell é uma garota de 26 anos, dotada de lucidez para decodificar o seu mundo mediocre. Andrea, seu amor, já o decodificicou e é daí que surge a atração de ambos. Destaque para a associação com a ópera La Traviata e ao intercalamento de cenas com um figurino simples e adequado. Outro fator que colabora para o boca-boca - mas para outros nichos - é o diretor. Hector Babenco, argentino, responsável por excelentes filmes nacionais, comanda em um tema que apesar de não ser familiar, tem a mesma temática dos seus maiores filmes, Pixote e Carandiru: a desigualdade social.

Exibido em uma época onde a Era Gucci é tida como morta e onde os maiores bilionários do mundo doam metade de suas fortunas, coloca em dúvida uma das melhores falas do livro: “Minha espécie irá perdurar”. Diferentemente do filme, trata-se além disso, de uma reflexão individual sobre a vida e de seu significado. Intenso e sem lição de moral, prende a atenção do leitor, seja pela quase nudez - tornando-a recomendada para maiores de 16 anos - e estética ou pelo conteúdo contestador que muitas vezes perde evidência no cotidiano.

Temporada até 19/12/2010
Às 20h, Teatro do SESI – São Paulo (Av. Paulista, 1313 – Metrô Trianon-Masp).
Quintas e sextas: entrada franca.
Sábados e domingos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Nos dias gratuitos, a distribuição dos ingressos tem início a partir da abertura da bilheteria no mesmo dia do evento.
Horário de funcionamento da bilheteria: de quarta-feira a sábado, das 12h às 20h30; domingo, das 11h às 19h30.
Informações: (11) 3146-7405

Livro Hell - Paris 75016
Preço sugerido: R$34,00
Editora Intrínseca

Crédito das fotos na ordem: João Caldas, Claudio Augusto, lolitapille.com

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domingo, 21 de novembro de 2010

As duas metades de Norah Jones

São tempos difíceis no cortiço de Catfish Row em Charleston, na Carolina do Sul, mas seus moradores, todos negros, fazem o máximo para tornar seu tempo lá agradável. Em um canto, os homens jogam dados e berram apostas que ecoam por toda a mansão. Do outro lado, Jasbo Brown entretém seus companheiros com um velho piano desafinado. No meio de toda a algazarra, Clara, uma jovem mãe, tenta inutilmente fazer seu bebê dormir. A um passo de desistir, ela começa a cantar uma canção de ninar, e de seus lábios deslizam os versos eternos: “Summertime/and the livin’ is easy/fish are jumpin’/and the cotton is high” . Naquele momento, sua voz é o que de mais materno se poderia imaginar, carinhosa, singela, acolhedora. Mas, ao mesmo tempo, ela carrega toda a tradição que a música negra carregava: uma música sensual, cantada nos prostíbulos de Nova Orleans e nos bares ruins do Harlem. A voz de Clara é também voz de femme fatale.

SETLIST:

- "I Wouldn't Need You"
- "Tell Yer Mama"
- "Light as a Feather"
- "Even Though"
- "Young Blood"
- "It's Gonna Be"
- "Chasing Pirates"
- "Come Away with Me"
- "The Long Way Home" (cover de Tom Waits)
- "Broken"
- "Cry Cry Cry" (cover de Johnny Cash)
- "Waiting"
- "Back to Manhattan"
- "Sinkin' Soon"
- "Carnival Town"
- "Don't Know Why" (com Jesse Harris)
- "Stuck"
- "Lonestar"

BIS ACÚSTICO:
- "Sunrise"
- "Creepin' In"
- "How Many Times Have You Broken My Heart"

A cena da ópera Porgy and Bess, de George Gershwin, tornou-se icônica. Apesar de ter recebido uma fria recepção inicial pelos críticos nova-iorquinos, a obra cresceu para ser reconhecida como uma das visões mais pungentes da vida dos negros americanos no início do século. Em “Summertime”, Gershwin – que não era negro, mas sim branco e judeu – conseguiu reproduzir a dicotomia que toda grande cantora de jazz carrega, essa instabilidade entre canção de ninar e canção de cabaret, entre gospel e blues, de Bessie Smith e Billie Holiday a Madeleine Peyroux. E em pouco tempo a música se tornou, nas palavras do crítico americano Alex Ross, “uma das melodias preferidas do século XX”.

A cantora Norah Jones tampouco é negra. Filha do famoso tocador de cítara Ravi Shankar, Jones se graduou em piano jazzístico pela University of North Texas e, em 2002, impressionou o mundo com seu álbum de estréia Come Away With Me, que transcende categorização numa mistura de jazz, country, soul e pop ligados por uma imensa camada inocência. O disco foi coberto de elogios por todos os lados: o prestigioso site Popmatters comparou-o ao poeta romano Horácio, a canção “Don’t Know Why” ganhou 3 prêmios Grammy e até mesmo músicos do cenário do jazz tradicional (Joe Lovano, por exemplo) expressaram publicamente sua admiração pelo álbum. Oito anos mais tarde, a pianista e cantora se apresentou em São Paulo, no Parque da Independência, em frente ao museu do Ipiranga, para um público de 18 mil paulistanos. E muita coisa mudou, aparentemente.

A turnê que o show integra tem como propósito divulgar o último disco de Jones, The Fall, de 2009, que recebeu duras críticas por se afastar do caráter jazzístico de seus trabalhos iniciais em favor de um estilo mais ligado ao rock alternativo e à música pop. Jacquire King, por exemplo, o produtor do álbum, havia trabalhado antes com Tom Waits e com as bandas Kings of Leon e Modest Mouse. Acabadas estavam a sutileza e a suavidade de Come Away With Me para dar lugar a guitarras distorcidas, sintetizadores e batidas hipnóticas e sensuais. Era de se esperar, portanto, que o show fosse claramente dividido em duas metades distintas: de um lado, apresentando suas canções clássicas, a Norah Jones de começo de carreira; do outro, com as músicas do novo disco, a Norah Jones crescidinha.

A verdade é que a cantora não sofreu uma transformação súbita entre 2002 e 2008. O show mostrou que a Norah Jones do passado e a Norah Jones do presente são só duas facetas da mesma Norah Jones que sempre estiveram presentes em sua voz, mas que foram diferentemente acentuadas em cada um de seus trabalhos. Mas ao ouvi-la cantar uma canção como “The Long Way Home”, de Tom Waits, a platéia do Parque da Independência, assim como a platéia de Porgy and Bess, há 70 anos atrás, deparou-se – não sem um toque de surpresa, é bom notar – tanto com a segurança de uma figura materna quanto com a sensualidade de uma cantora de cabaré. A Norah Jones que se apresentou em São Paulo, a Norah Jones verdadeira, que porta, sim, essas duas facetas e muito, muito mais, é uma grande cantora, na tradição de Bessie Smith, Billie Holiday e de Madeleine Peyroux. E, claro, da Clara de George Gershwin.

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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Colcha de Retalhos

Certa vez, o poeta Manuel Bandeira se declarou um "poeta menor", por tratar de assuntos que seriam ligados ao detalhamento, ao humilde, às coisas banais do cotidiano. Em oposição, ele estabelecia que poetas maiores seriam Camões, Gonçalves Dias, Drummond, que tinham como projeto poético engrandecer a pátria, a nação, fazer versos engajados politicamente. Entretanto, valorizando essa sua característica mais íntima, Bandeira acabou por construir uma obra "universal", de força e atemporalidade muito maior que seus dois colegas de modernismo, Mário e Oswald de Andrade. A menção a Bandeira aqui se faz necessária para se chamar a atenção para uma característica interessante reavivada nos últimos anos no cenário musical brasileiro: a da valorização de visões peculiares e individuais do mundo. É uma tendência que, apesar de não ser nova, ganha força a cada ano que passa - e pode ser muito interessante como marca artística da geração "anos 00".

É óbvio que essa tendência poética não é nova, ainda mais na música brasileira. Só pra ficar em alguns exemplos, cantores como Ângela Rô Rô, Belchior, Luís Melodia e Jards Macalé se destacam por esse tipo de composição. Entretanto, é uma vertente que nunca teve muito espaço - talvez, por algum tipo de especificidade mercadológica, as gravadoras rejeitam cantores que trabalham com um grau de individualidade tamanho. A Internet, porém, acabou oferecendo a um grupo incipiente de compositores essa lacuna para poder expor seu trabalho e conquistar, pouco a pouco, um número razoável de admiradores - seja utilizando serviços como o myspace e o TramaVirtual ou as tão faladas redes sociais (especialmente o Twitter, que permite uma comunicação interessante com o público).

Alguns caracteres são comuns à obra desses artistas. Um deles é a maneira de cantar sua cidade: no lugar de um tom grandiloqüente, pequenas histórias e idiossincrasias servem como mapa das ruas e avenidas. É o que se ouve em "Às Vezes", de Tulipa Ruiz, com o sabor delicioso do pop que Rita Lee fazia nos anos 70, ou "Curitiba, se você sorrir, lhe darei um doce", do cantor Giancarlo Rufatto, com toque folk na medida certa. O amor e a sexualidade também são temas frequentes, seja na carta melancólica de "Assinado Eu", de Tiê, ou no pensamento andarilho de "Nightwalker", de Thiago Pethit (com direito a toques de vaudeville).

A princípio, outro ponto de encontro desses cantores é que eles trabalham com sonoridades simples, calcadas no caráter acústico e letras que mais se parecem com histórias cantadas. Entretanto, o rol de influências deles é um tanto quanto diverso: pode ir desde o indie rock do Yo La Tengo e do Pavement (como o caso da banda Pullovers, veículo das composições do paulistano Luiz Venâncio) até o samba de Paulinho da Viola e Toquinho (perceptível nas canções de Rodrigo Maranhão e Tiê).

Seja diferindo ou convergindo, esses artistas têm algo a dizer. Por serem tão individuais, cabe aqui não se estender mais nas críticas como um todo - até porque eles não constituem em si um movimento organizado (à exceção talvez da reunião dos Novos Paulistas, que conta com Tiê, Tulipa Ruiz e Thiago Pethit, e se apresentará no festival Planeta Terra nos próximos dias). Vale mais comentar um pouco de sua obra individualmente, levando em consideração seus discos - quase todos eles, seus primeiros trabalhos. Claro que esse pequeno universo não se resume aqui aos artistas citados abaixo. A cada dia, mais e mais personagens aparecem com seus acordes e crônicas. Suas canções são como retalhos, que quando juntas, formam uma colcha que mostra melhor do que qualquer proposta ambiciosa, um pouco do cotidiano e das peculiaridades da vida contemporânea.

Tulipa Ruiz – Efêmera - 2010

De primeira vista, Tulipa pode soar como mais uma cantora do cenário atual da "nova MPB", marcado pela descartabilidade. Ledo engano. Transitando com leveza entre atrasos ao cinema ("Pontual") e amigos libertinos ("Pedrinho"), Tulipa brinca com referências pop e passarinhos ("A Ordem das Árvores") e constrói um bailado moderno em "Só Sei Dançar Com Você". Por vezes, seu trabalho lembra a graça de canções tropicalistas como "Baby". Na faixa título, a cantora tece um clima de tarde preguiçosa, cuja idéia de efemeridade serviria até como metáfora de sua carreira. Mas, a julgar por esse começo, essa é uma flor que desabrocha e só fenece depois de muito tempo.

Rodrigo Maranhão – Passageiro - 2010

"Quando penso no futuro, não me esqueço do passado". A frase de Paulinho da Viola cairia muito bem para descrever o que é a obra do carioca Rodrigo Maranhão: um compositor que parte de tradições da música brasileira para estabelecer seu próprio lugar, um pouco nostálgico, mas coerente e moderno. Em "Passageiro", seu mais recente disco, essa dualidade fica clara na irônica "Samba Quadrado" - cujo arranjo faria Rogério Duprat sorrir de orgulho - e na poesia sertaneja de "Passageiro", na fantasia de "Valsa Lisérgica" e na bela homenagem à música portuguesa de "Quase Um Fado", com participação do cantor Antonio Zambujo.

Pullovers – Tudo o Que Eu Sempre Sonhei - 2009

Se você mora em São Paulo, tem um pouquinho de sonhador e de frustrado e gosta de guitarras à moda do indie rock, você tem tudo pra sentir que as canções do Pullovers foram escritas por um cara como você. Luiz Venâncio, vocalista e principal compositor da banda, faz bonito quando canta seu amor pela cidade (“Todas as Canções São de Amor”, “O Amor Verdadeiro Não Tem Vista Para o Mar”) e marca um gol de placa com a beleza nerd de “Futebol de Óculos”. Em outras horas, deixa a primeira pessoa de lado para contar a história agridoce de “Marinês”. Ainda que às vezes seja pessimista e até um pouco apocalíptico (na faixa-título e em “Marcelo (Eu Traí o Rock)”), é difícil não estar com um sorriso no rosto ao final desse disco.

Giancarlo Rufatto – Machismo - 2010

Se Rob Fleming, o herói do livro/filme Alta Fidelidade escrevesse canções, muito provavelmente elas soariam como o trabalho de Giancarlo Rufatto. (clique para download) Contando histórias sobre esse novo tipo de personagem contemporâneo - o homem sensível com um pé na adolescência e outro na imaginação, fã de cultura pop e um tanto quanto imaturo - o cantor curitibano pode não realizar um trabalho sociológico definitivo, mas encanta por seu charme. Envolvido em uma atmosfera lo-fi folk, Rufatto trafega entre a crueldade ("Meu Terrorismo"), a sinceridade extrema ("Coração Cheio") e o caminho até a reconciliação e aceitação próxima ("Desfaça as malas (e aceite meu café)").

Tiê – Sweet Jardim - 2009

Com pose de modelo (atividade que aliás, já exerceu) e voz de passarinho, Tiê faz uma sonoridade delicada, próxima talvez aos trabalhos de Carla Bruni e - guardadas as devidas proporções - Carole King e Joni Mitchell. Antes de gravar esse Sweet Jardim, Tiê era cantora de apoio de Toquinho (que toca violão na faixa-título). Suas canções aparecem como se fossem o diário de uma garota perdida numa grande cidade e suas pequenas coisas: o "Chá Verde", o trabalho como garçonete ("Aula de Francês"), metáforas sonhadoras ("A Bailarina e o Astronauta"), declarações ("Dois") e desilusões amorosas ("Assinado Eu").

Thiago Pethit - Berlim, Texas - 2009

O título do CD faz referência ao teatro vaudeville dos saloons do texas e aos cabarés alemães durante a Belle Èpoque. Misture isso com folk, tango, e uma tristeza digna da linhagem de cantores como Jeff e Tim Buckley, Elliot Smith e Neil Young, e um rosto com pinta de galã e você terá Thiago Pethit. Ele por vezes soa também como a versão masculina de Tiê (a própria cantora concorda). Os grandes destaques do álbum são "Mapa Múndi" e "Nightwalker" - essa última, uma curiosa faixa na qual as palmas, em vez de guiar o ouvinte no ritmo da canção, acabam por criar toda uma atmosfera envolvente.

Marcelo Jeneci - Feito Pra Acabar - 2010

Marcelo Jeneci não é um simples principiante. Há mais de dez anos ele vem acompanhando músicos do calibre de Arnaldo Antunes, Dominguinhos e Vanessa da Mata. A estréia solo se justifica por uma necessidade de esmerar mais e mais seu trabalho. Valeu a pena esperar, se é que pode se dizer esse tipo de coisa. Suas músicas partem por uma sonoridade mais crua: guitarra, baixo, violão, sanfona, bateria. Tematicamente, Jeneci é um peculiar escritor de canções de amor ("Longe", na qual a participação da cantora Laura Lavieri tem todo um sabor especial, e "Dar-te-ei"), mas também se dá bem quando brinca com a metalinguagem, como é o caso de "Borboleta".
Bônus: ouça aqui a parceria entre Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz, "Dia a Dia, Lado a Lado". Cortesia do grande Maurício Valladares e seu Ronca Ronca.

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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

The name is Crass, not Clash

Crass é uma daquelas bandas que, só pela sua história, deveriam estar nessas listas de “Esse Você Precisa Ouvir”, ou “Bandas Influentes do Século Passado”, ou algo do gênero, mas não estão. Se isso é uma tremenda injustiça ou não, não cabe a mim aqui julgar. O fato é que eles foram uma banda que tinha algo a dizer ao mundo: there is no authority but yourself.

Deixando de lado rótulos de punks ou anarquistas, o que se percebe logo de cara é que eles não são apenas uma voz enfurecida entre tantas outras. O grito de revolta está lá, mas, ao mesmo tempo, há um apelo para que se faça algo sobre a situação sobre a qual reclamavam. Pode parecer estranho, pois estamos acostumados a colocar do mesmo lado todos os revoltados contra o sistema, mas há muita maturidade em how does it feel to be the mother of a thousand dead?, muito mais do que “I get pissed, destroy”. Não estou tentando desmerecer os Sex Pistols, mas os motivos pelos quais eles são reconhecidos são outros além da sua hipocrisia.

Ao contrário de bandas comerciais numa época marcada pela irreverência, o Crass se destaca por viver o que dizia. Em uma entrevista para o documentário “There Is No Authority But Yourself” (2006), Penny Rimbaud, baterista e um dos fundadores da banda, diz que eles viviam (e ainda vivem) pobres, apesar do lucro gerado. “Quando saíamos em turnê, nunca ficávamos em hotéis, simplesmente pedíamos às pessoas se tinham algum lugar onde poderíamos dormir. Pegávamos o suficiente para a gasolina e para comer e o restante ia direto para alguma organização local, ou uma banda que precisasse de um amplificador, ou algo parecido.”

Apesar dos seus esforços em serem fiéis às suas idéias e à mensagem que divulgavam, isso não evitou que o símbolo do Crass fosse parar em camisetas de celebridades como David Beckham e Angelina Jolie. Além de ser completamente contraditório, não há nada que possa ser feito contra a comoditização do Crass. Como o próprio Rimbaud disse, essas pessoas são ricas, enquanto eles são pobres. Elas podem pagar por advogados, eles não. Mas deixa bem claro que eles nunca produziram mercadorias como camisetas relacionadas à sua imagem; em vez disso, incentivavam que cada um fizesse seu próprio estêncil, o que condiz com a cultura DIY.

Embora a banda tenha acabado há mais de 20 anos, eles ainda continuam ativos individualmente. Recentemente, foram lançados álbuns remasterizados – The Feeding Of The Five Thousand e Stations Of The Crass – para a coleção The Crassical Collections; e o terceiro da lista, Penis Envy, está previsto para sair ainda no mês de novembro. O relançamento causou polêmica, e Pete Wright, ex-baixista da banda, ameaçou levar o caso à justiça (o que, convenhamos, teria sido a maior ironia da história do Crass, que nunca foram, digamos, simpatizantes da realeza). Independentemente de querelas ideológicas, é uma ótima oportunidade para ouvir essa banda um tanto quanto esquecida apesar da atualidade da sua mensagem e da influência que exerceu no cenário anarcopunk.

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