terça-feira, 20 de julho de 2010

Férias!

Queridos leitores, devido a problemas internos - e também às nossas férias acadêmicas - gostaríamos de informar que o Pop To The People está oficialmente em período de férias! É, infelizmente nós não poderemos ser uma atração para as tardes cinzentas de Julho. Mas voltaremos com carga total - ou algo parecido - logo que o mês do cachorro louco começar.

Um grande abraço!

Equipe do Pop To The People
(Bruno Capelas, Cris Ambrosio, Federowski, Aninha, Renata, Dinha, Arthur Bernardo, Tati Rosset e Alcir Del' Guy)

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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Modernização Bluesy

Hoje em dia, o Blues, ou o que restou dele, não diz muito para a maioria das pessoas. Chega a ser difícil imaginar, numa época repleta de artistas vazios, que esse tipo de música já foi de grande repercussão. É interessante, no entanto, observar que, apesar de escasso, o Blues é um estilo de simples execução. Não quer dizer que seja fácil: ser simples, muitas vezes, é mais difícil do que ser complexo. Não uma simplicidade vazia, mas com alma. Diferentemente do que muitos pensam, esse afastamento do Blues, que tem virado quase peça de museu, pode ser até benéfico para o estilo e, talvez, seja mesmo uma característica. Para se entender o estado atual, três realizações cinematográficas são importantes por ilustrarem a pretensa renovação e uma volta às raízes. Os dois primeiros são os famosos filmes da série The Blues Brothers e a outra é The Blues, documentário composto por sete filmes feitos por diretores clássicos do cinema norte-americano, organizado por Martin Scorsese.

The Blues Brothers mostra de maneira precisa a retomada do Blues e, ao mesmo tempo, seu afastamento. Se o primeiro deles, lançado em 1980, traz várias estrelas, como Ray Charles e James “I feel good” Brown, e celebra a retomada do estilo, feita principalmente por pessoas do cacife de Stevie Ray Vaughan, aclamado como um dos melhores guitarristas que já existiu, o segundo, de 1998, já mostrava a entrada do estilo no ostracismo, com a morte de SRV em 1990 e a diminuição de sua popularidade. Se a qualidade do filme cai, ou praticamente desaparece de um para o outro, é importante que se entenda algo que ocorre nos dois: a celebração do clássico.

Em 1980 os Blues Brothers homenageavam os clássicos do Blues, que fizeram sucesso nas décadas de 30, 40, 50 e 60, e ,em 1998, os Blues Brothers... homenageavam os clássicos do Blues novamente. O que isso quer dizer? Pode-se dizer que não houve uma renovação, ou melhor, que o Blues não é um estilo afeito à renovação. Nada mais falso. A seqüência, no entanto, nos induz à resposta errônea, pois faz uma opção equivocada ao confundir a não modernização com uma falta de renovação, com a ausência de novos artistas. A escolha pelo clássico é aceitável, ao passo que o Blues possui nomes que precisam ser festejados, porém, escolher artistas consagrados para fazer a continuação mostra a repetição da fórmula. Para aqueles que pensam que o estilo não apresenta nada de novo, Joe Bonamassa, Kenny Wayne Shepherd e Sean Costello, só para citar alguns, estão aí para provar o contrário.

A não modernização do Blues, esse sim um fenômeno verdadeiro e que não tem nenhuma ligação com a renovação do estilo, é o principal responsável pelo seu afastamento. Esse fato, que reflete uma música que teima em se apegar às raízes, sem revoluções drásticas, é o que proporciona uma unidade dentro do estilo, o que é notável quando se depara com o fato de que não existem inúmeras vertentes de Blues, como existem no Jazz ou no Rock. Pode-se até fazer uma grande distinção entre o Blues rural, pré-guerra, e o Blues urbano, pós-guerra, mas a forma, diferente do que ocorre no Jazz, é a mesma sempre, os acordes característicos e o modo de cantar, até mesmo as letras, não fogem de certo padrão, ou seja, em um sentido musical de modernização, como a influência de outros estilos, o Blues pode até trazer outros formatos, mas sua base é sólida.

O estilo se beneficia com o afastamento pois sua afirmação como gênero histórico, e não moderno, é fundamental para que ele se conserve. O documentário trata de mostrar esse sentido histórico, mostrar que o estilo possui um passado que precisa ser urgentemente revisitado, sem o qual não é possível formar um projeto de futuro. Esse passado está mais longe do que se imagina. Essa posição pode ser entendida no sentido que, ao invés de seguir uma linearidade, faz uma volta à África, em busca dos escravos que teriam levado o Blues aos EUA. Esse afastamento natural que o Blues faz também é importante para distanciar as pessoas que não se identificam, ou não entendem, essas raízes. The Blues, feito em 2003, funciona com o princípio oposto ao de The Blues Brothers, em especial o segundo: se não há modernização, vamos festejar o que já temos e tivemos, mas preocupando-se em não apenas se divertir, mas apontar os caminhos para o futuro.

O documentário mostra o estilo como um fenômeno que não quer ser incomodado, somente apreciado. Ele já se fixou como a peça de museu. Esse desencantamento com o mundo, essa nostalgia e melancolia, fez com que o Blues não entrasse em um ritmo acelerado, que predomina na sociedade atual. Alimentando-se de si mesmo, vide o fato que a maior revolução, os anos 80, trouxe várias versões dos clássicos, O Blues funciona como um mundo fechado, mas que deixa a porta aberta para aqueles que tiveram vontade e sentimento suficiente para entrar. Esse mundo funciona sozinho e não precisa de muitas análises. Como alguém já disse: não teorize demais sobre o Blues.

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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Nicolau faz 50 anos: c'est drôlement chouette!

Sei que sou nova para usar a palavra ‘nostalgia’. Mas não existe palavra melhor para descrever a emoção que foi assistir ao longa O Pequeno Nicolau. Baseado em uma das principais séries francesas de livros infanto-juvenis que completou 50 anos em 2009, o resultado é simplesmente encantador do começo ao fim – desde a animação com as ilustrações inconfundíveis de Jean-Jacques Sempé, até a clássica foto de turma, da história que abre o primeiro livro.

Como os livros são organizados em pequenas histórias, havia a dúvida de como amarrá-las em um filme. A solução bolada pelos roteiristas foi uma trama principal, mas com alguns episódios de histórias que se entrelaçam: quem leu os livros vai reconhecer diversas histórias ao longo do filme, como o exame médico e a entrega dos boletins. A narrativa dominante fala sobre o desespero em que Nicolau (Maxime Godart, em perfeita sincronia com a narrativa) se encontra: ele leva uma vida feliz como filho único, quando um de seus amigos surge com a notícia de que agora ele tem um irmão mais novo. Ao ouvir uma conversa dos pais, Nicolau tem certeza de que o mesmo está acontecendo com ele, e que um desagradável irmãozinho está a caminho para disputar a atenção dos seus pais. Mais do que apenas o desejo de continuar reinando o lar como sempre fez, essa negação do caçula representa também a sua vontade de continuar sendo criança, sem se tornar mais velho – idéia reforçada quando ele diz que não sabe o que quer ser quando crescer porque é feliz com a sua vida do jeito que está.

O filme, lançado na França em 2009, estreou por aqui esse mês, e segue a mesma linha tomada pelo escritor René Goscinny (criador do personagem Astérix, também homenageado no roteiro) de narrar a história sob o ponto de vista de uma criança – o que poderia soar artificial, mas aqui funciona perfeitamente, porque, paralelamente, existe a narrativa dos “adultos”: vê-se a discussão dos pais, a insatisfação do pai em relação ao trabalho, a professora que não quer passar vergonha na frente do ministro. O diretor Laurent Tirard (de As Aventuras de Molière) capta bem o ponto de vista infantil explorado por Goscinny, o que faz com que o filme agrade tanto adultos quanto o público infantil – as cópias dubladas foram outro acerto da distribuidora Imovision, responsável pela adaptação dos nomes dos personagens para o português.

O Pequeno Nicolau é um grande clichê. A própria época que ele retrata (os anos 50) é uma das causas disso. Mas não digo aqui um clichê com a conotação negativa que costumamos dar à expressão – muito pelo contrário. Os personagens caricaturados (com destaque especial para o elenco infantil encantador), a imagem de família perfeita, os cenários muito bem montados, tudo ajuda na construção de uma atmosfera agradável, familiar, até. E é por isso que quem leu os livros vai sentir um carinho especial pelo longa. O Nicolau daqui é o mesmo Nicolau de Goscinny, com o mesmo ar curioso, observador, sem perder nunca a inocência. Afinal, não existe símbolo melhor para a inocência do que a infância e as interpretações de uma criança acerca do mundo, independentemente da sua opinião a respeito dessa áurea de perfeição e delicadeza que é criada sobre a infância. Se isso resultar em clichê, que seja. O intuito aqui é, claramente, mais uma homenagem do que uma tentativa de sensibilizar as pessoas.

O diretor Laurent Tirard pretende filmar também Astérix, em breve. Esperemos que essa versão faça jus a Goscinny, ao contrário do que se tem feito até agora com o personagem gaulês.

Por isso, talvez ele não faça tanto sentido para aqueles que nem sequer tinham ouvido falar desse tal de Nicolau. A história se trata do amadurecimento em uma fase da vida que nos é muito cara de uma forma divertida, e esse efeito é alcançado porque nos identificamos com certas situações. Mas essa identificação perde metade da graça e significa muito menos se não estamos familiarizados com a história.

Portanto, é bem provável que o filme não cause tanto impacto aqui quanto na França, onde foi a maior bilheteria nacional em 2009. Todo francês leu O Pequeno Nicolau em algum momento da sua infância, fazendo com que o filme tenha esse ar nostálgico, de uma época passada que foi perdida. Fica a dúvida se esse tipo de narrativa tem apelo para o público brasileiro, ou se ela se torna simplesmente uma “historinha bonitinha”. De uma forma ou de outra, vale a pena assistir pelos noventa minutos de inocência, refúgio que muitas vezes nos faz falta.

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Sem Mais Recifes ou Seattles

Um artigo de maio passado publicado no site Pitchfork a respeito de um novo estilo de música começava com uma declaração de um dos artistas desse estilo mais ou menos assim: "Eu sinto que muito da música feita hoje em dia é feita online. As cenas locais não são mais importantes". Não é mistério para ninguém que a internet virou ferramenta indispensável para qualquer banda hoje em dia: parafraseando Chacrinha, “quem não se conecta se trumbica”. Mas será que essa é uma onda tão forte que passaram a ignorar quem faz o seu som na rua do lado, no quarteirão de trás? Será que as bandas não se juntam mais pra organizar movimentos locais? Nunca mais teremos uma outra Seattle, uma outra Los Angeles do Verão do Amor, uma Recife do Manguebeat, ou coisa que o valha?

O calendário não me deixa mentir: estamos chegando ao fim da primeira década do século XXI. Mas o que isso afinal significa? Significa que há pelo menos dez anos, com o surgimento do Napster, primeiro grande compartilhador (P2P) de músicas via internet, em 1999, ouvimos música de graça sem grandes acessos de culpa por isso. Significa que a indústria fonográfica, que batia recordes atrás de recordes de vendas e de faturamento, teve grandes crises nos últimos anos e a cada dia busca novas maneiras de ganhar dinheiro. Mas também que muitas bandas novas que buscavam espaço, ou veteranas insatisfeitas descobriram novos jeitos de se mostrar ao mundo – e nesse processo o álbum perdeu valor em relação à canção. Significa ainda que um novo nicho de eletrônicos - desde os iQualquercoisa de Steve Jobs até os pendrives que também tocam música comprados na 25 de Março - alterou também a forma como ouvimos música: o modo randômico agora reina, e em um segundo, os chips malucos podem fazer você escutar João Gilberto, Sepultura e ABBA em seqüência sem achar estranho.

Para quem nasceu há 30, 40 anos, todas essas mudanças ainda podem trazer um bocado de nostalgia dos velhos tempos do CD - isso sem falar nos saudosistas do vinil. Mas os artistas que começam a produzir o som da nova década, de certa maneira, já cresceram acostumados com todas essas noções. São pessoas que acham normal ter amigos que só conheceram pela internet, ou exibir seus momentos constrangedores em vídeos no YouTube, ou escrever sobre a sua vida em blogs, ou gravar suas músicas iniciantes e colocar na TramaVirtual. Há três ou quatro anos, o Lúcio Ribeiro expôs essa realidade de uma maneira muito feliz numa entrevista com mais uma das suas "melhores bandas de todos os tempos da última semana": a cantora Stephanie Toth, quando perguntada sobre um parceiro seu, Pedro F. respondeu: "Eu nunca vi ele ao vivo. Eu faço as músicas, mando pra ele, que mora em BH, ele adiciona um violão, mixa num programinha e me manda de volta". Isso sem contar nos milhares de discos compostos, gravados e mixados transoceanicamente - de Gnarls Barkley a Fiery Furnaces.

A partir disso, é natural que bandas que compartilham características e influências, mas não sotaques e avenidas, se tornem amigas e até trabalhem juntas, desenvolvendo parcerias, enviando letras e melodias por quilômetros distantes através de uma simples conexão à rede. Entretanto, será que o mundo virtual está substituindo o mundo real nesse aspecto? A vizinhança de links se tornou onipotente em relação à vizinhança dos quarteirões de uma cidade? Há algo além dos sons e das palavras codificados em bits e bytes? O calor, a vibração, a troca de olhares entre as pessoas, nada mais disso importa?

Não necessariamente. Tem certas coisas que só as pessoas que andam nas mesmas ruas, pegam os mesmos ônibus e comem nos mesmos restaurantes entendem: não dá pra negar, por exemplo, que muitas bandas de Porto Alegre ainda se unam por fazer o tal "rock de publicitário" - cheio de gracinhas e piadinhas nonsense, com backing vocals e riffs grudentos - ou que no Rio de Janeiro toda uma turma procura revisitar, de maneira feliz, a MPB dos anos 60 e 70 - Orquestra Imperial, Nina Becker, +2, Thalma de Freitas – ou ainda que Goiânia tem um dos pólos roqueiros mais efervescentes do país, calcado no stoner rock e centrado no selo Monstro.

Entretanto, todas essas turmas não têm a força das turmas de antigamente: o som das bandas é parecido, e elas até se conhecem, mas é meio cada um na sua. É o que disse o cantor Rômulo Fróes, um dos grandes nomes da cena de São Paulo, em entrevista recente - e genial, diga-se de passagem - ao site Scream & Yell: “É uma cena próxima [a de São Paulo] porque todo mundo toca junto, mas ninguém pensa muito sobre o trabalho do outro".

Trocando em miúdos: as cenas ainda existem, mas falta nelas a coesão que as de antigamente tinham. Falta nessa geração o “Um por todos, todos por um!”. E sem essa coesão, as bandas param de se configurar em movimentos, deixando de chamar tanta atenção de público e de crítica. E talvez essa interligação entre as bandas seja o mais importante: nos anos 80, um dos motivos do sucesso do BRock era porque todo mundo se conectava com todo mundo: o Paralamas tocava Legião Urbana, que por sua vez compunha com o pessoal da Plebe Rude, que eram punks amigos dos Inocentes, que dividiam os espaços em São Paulo com os Titãs, que tiveram o mesmo baterista que o IRA!, cujo guitarrista chegou a tocar com o Ultraje a Rigor, que teve sua “Inútil” tocada em alto e bom som no Rock in Rio pelos... Paralamas.

No fim das contas, o que resta disso tudo? Algo a ser considerado é que, sem uma organização desse tipo, menos holofotes são direcionados para uma mesma direção. Outro ponto importante é que a união dos artistas também resulta em um fluxo de idéias que só tem a acrescentar: grandes álbuns da música brasileira são manifestos de alguns grupos, como “Tropicália ou Panis et Circenses” e “Clube da Esquina”. Com menos idéias e menos atenção, a chance de sobrevivência financeira também fica reduzida: perde-se a conta de quantas boas bandas brasileiras terminaram nos últimos anos porque seus integrantes precisavam “fazer seu pé-de-meia”.

Sem dinheiro, sem boas idéias e sem organização, não há meios da música sobreviver. E assim, meus caros amigos, todo o resto é silêncio.

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sábado, 3 de julho de 2010

O amor sem saída de Mike Nichols

O que é um filme romântico? Aquele que já se sabe o fim antes do começo? Aquele que faz pensar que o amor da sua vida está na próxima esquina? Os dois juntos? Provavelmente nenhuma das respostas incluiria um filme que te faz sentir mal. Contudo, A Primeira Noite de um Homem e Closer, os dois filmes do cineasta Mike Nichols, conseguem se encaixar no rótulo mesmo tendo esse poder nauseante.

A Primeira Noite de um Homem está no imaginário cinematográfico. É uma daquelas obras que nasceram clássicas. Feito em 1967, representava seu tempo de forma exemplar. De um lado, uma sociedade conservadora, hipócrita, materialista, feita de plástico, que não queria envelhecer. Do outro, o amor ideal, o par perfeito, um mundo de sonhos que podiam se realizar, mesmo que fossem impossivelmente difíceis. Tudo visto por um garoto extremamente inexperiente. Era o filme romântico por excelência, que mostrava que não devíamos desistir do amor, dando vazão aos sentimentos mais verdadeiros e bonitos. Embalado por aqueles anos de revolução sexual e contracultura, indo contra o establishment, na verdade contra todos, até nós mesmos, nossas neuras e prisões mentais. Muito bom, obra-prima, Oscar de Melhor Diretor.

No entanto, Nichols fala nas entrelinhas. Assistindo com um pouco mais de atenção fica perceptível que não, o filme não tem nada de felicidade e nem de esperança. Na verdade, é bem pessimista. As expressões não deixam mentir: depois da euforia, vem a depressão. A cena final é de uma maestria cinematográfica impressionante. Uma revolução em 10 segundos. Bocas, gestos, sorrisos, tudo indicando que o pior está por vir, que os dois vão viver a mesma vida que seus pais levavam, ou seja, do sonho não haverá mais nada, será tudo artificial, um relacionamento sem nenhum gosto, somente o silêncio pra preencher essa angústia. Mostrando que, mesmo com o passar das gerações, as atitudes continuam as mesmas e que o futuro não vai ser diferente, pois os sonhos já estavam corrompidos.

Curiosamente, o diretor também fez Closer, outro drama romântico, isso já em 2004. E o que acabou sobrando daquele seu filme pra este? Tudo. Se prestarmos atenção, veremos que a semente de Closer está no final de A Primeira Noite de um Homem. Closer também é um filme fiel ao seu próprio tempo, o nosso tempo. O tempo do pós-68, da pós-modernidade, da morte das utopias. Assim, sem a utopia e o romantismo, sobra somente o desejo e, mais que isso, a racionalização de tudo, até do amor. Closer, espelho de nossa sociedade, é a coroação dos relacionamentos infelizes, das pessoas solitárias, sem amor algum pra dar ou pra receber, sempre pensando somente em si mesmas. Trata-se, acima de tudo, do nosso egoísmo.

Closer é abstrato em seus personagens, que tratam de mostrar, cada um de seu jeito, os caminhos tortuosos e complexos dos jogos amorosos. Se o pequeno poeta necessita da verdade, tudo que vai conseguir é a solidão. No fim, quem sai ganhando é a realidade, é o amor realista, no lugar do idealista. A máxima que impera é que sai ganhando em um relacionamento aquele que sofre menos, aquele que é menos vulnerável, sempre envolvido num pragmatismo sujo, sem lugar para o romance, só para o ego. A realidade não precisa da verdade, pois sabe que nunca vai consegui-la, e, assim, faz sua substituição pela sensação de poder ou de vitória.

Com uma tristeza na câmera, sempre tentando apreender essa verdade que se desmancha, Nichols mostra, com angústia, que o amor de ontem e de hoje é, infelizmente, um jogo, um jogo de interesses, e que a realidade não deixa espaço para aqueles que querem sonhar. O amor por si é uma experiência que envolve sofrimento. Vale a pena? Sim. Mas nunca se sai ileso. Se por um lado essa visão é extremamente pessimista, por outro, é realista, e, por isso, A Primeira Noite de um Homem, assim como Closer, não são filmes felizes, não são comédias românticas. São romances realistas: é a vida, a vida do jeito que ela é.

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quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Arte da Sobrevivência e a Sobrevivência da Arte

Uma vez, o Daniel Daibem reclamou de como os CDs de jazz são apresentados nas lojas. Segundo ele, esse é um dos motivos por que tão pouca gente ouve música instrumental hoje em dia. Olhando por esse lado, talvez a ECM seja a maior culpada. Se não bastasse a própria disposição dos discos, que em geral ficam junto com os clássicos, atrás de uma parede em que só falta estar escrito “proibido para o proletariado”, os produtos da gravadora alemã seguem sempre o mesmo modelo: todo CD é devidamente agasalhado por uma cobertura de papelão reproduzindo a capa, minimalista, composta pelo nome do artista e do álbum escritos quase sempre em uma fonte criada especialmente para a ECM e uma imagem de algum artista do pódio da alta arte contemporânea. Por conta de todos esses caprichos, é raro encontrar alguma gravação que custe menos do que o módico valor de oitenta reais, o que os torna, obviamente, um produto de elite.

VALE A PENA CONFERIR:
Keith Jarrett – The Köln Concert
A partir de 73, o pianista iniciou uma série de concertos solo completamente improvisados. Este, gravado na Cologne Opera House, em Köln, na Alemanha, é o álbum de piano-solo mais vendido de todos os tempos. Um dos discos mais bonitos já lançados pela ECM.

Por mais que pareça só detalhes e frescuras, no fundo, tudo isso é somente um sintoma da proposta da gravadora. Fundada em 1969 por Manfred Eicher, um ex-engenheiro de som da Deutsche Grammophon (provavelmente o mais famoso selo de música erudita), a ECM pretendia ser o epicentro de um suposto “jazz europeu”. Enquanto o jazz americano mantinha-se em seu status de “quem precisa de músicas bonitas quando se pode ter músicas revolucionárias”, os discos do novo selo soavam, à primeira audição, menos vanguardistas (pelo menos de uma maneira óbvia) e mais atmosféricos, o que, previsivelmente, acarretou algumas conseqüências não muito agradáveis para a gravadora: em pouco tempo, ela passou a representar para o jazz avant-garde aproximadamente a mesma coisa que o McDonald’s representa para o comunismo.

Acontece que, assim como a grande maioria das disputas entre música pseudo-vanguardista e música pseudo-retrógrada, o conflito entre a ECM e o jazz avant-garde partia de alguns pressupostos mal discutidos. Afinal, assim como o “som atmosférico” pode significar algo como “oh, eu adoraria dormir ouvindo isso!”, também pode significar algo do tipo de “como uma música pode ao mesmo tempo soar e não soar tão inovadora?” e, tomando como base o calibre dos artistas da ECM, é óbvio que eles não pretendiam reproduzir essa primeira perspectiva. Até mesmo jazzistas de vanguarda perceberam isso: após certo tempo, alguns deles chegaram a gravar pelo selo europeu.

VALE A PENA CONFERIR:
Egberto Gismonti & Charlie Haden – In Montreal
Egberto Gismonti é um dos Beatles da música instrumental brasileira (junto com Hermeto Pascoal), mas ainda assim não consegue sobreviver gravando por selos brasileiros. Esta apresentação no festival de Montreal junto ao baixista americano de jazz Charlie Haden é uma das mais comoventes de sua carreira.

Seu público, entretanto, nem sempre partilhava dessa visão. Enquanto pequenas gravadoras como a Blue Note eram engolidas por multinacionais – ou simplesmente faliam – por depender somente dos audiófilos amantes de jazz, a ECM conseguiu pagar por suas caixinhas de papelão e direitos autorais de pintores e fotógrafos renomados porque, além de contar com uma camada de aficionados, contava também com uma camada bem maior de público que simplesmente precisava de música para ouvir enquanto lia seus romances, sentado numa poltrona de veludo. O que pode soar como hipocrisia, mas fez com que o selo prosperasse numa época de vacas magras para a música instrumental. Até porque essa coincidência de interesses foi somente isso: uma coincidência. O selo simplesmente teve a sorte de que o som favorecido por Manfred Eicher poderia ser interpretado dessa maneira mais – digamos – fútil.

A ECM não é um caso isolado e, muito menos, representa o que há de pior na indústria musical. Hoje em dia, tudo o que está ligado à música instrumental tem decaído mais e mais em termos de público; a diferença é que a gravadora alemã encontrou uma maneira de lidar com isso e sobreviver com relativa folga. A pergunta que devemos nos fazer agora é: há espaço para uma música instrumental contemporânea que exija certo grau de atenção e, ao mesmo tempo, continue popular, ou os selos de hoje estão somente encontrando maneiras de adiar o momento em que a situação se tornará insustentável?

VALE A PENA CONFERIR:
Jan Garbarek – Witchi-Tai-To
Mais tarde, Jan Garbarek passou a tender mais e mais em direção à New Age, mas em 74, seu som ainda era uma mescla de melodias escandinávias agradáveis às inovações do improviso do jazz de então. Um belíssimo álbum que ilustra perfeitamente o som ECM.

Não há uma resposta certa. Olhando para os números de hoje em dia, parece haver uma base de ouvintes dedicados que estão dispostos a sustentar toda essa imensa e ridiculamente cara estrutura: se as coisas continuarem nesse sentido, o jazz se tornará quase uma nova música erudita. O que é meio triste, considerando que ele nunca foi assim elitista. Mas, querendo ou não, conforme o tempo passa, nossos hábitos cada vez mais apontam nessa direção. Em nossa geração, é raro encontrar quem dedique a esse tipo de música a atenção que ela exige, ou mesmo que tenha o costume de ouvi-la por si só, e não como acompanhamento de outra atividade. Nesse movimento, é impossível apreciar as sutilezas de que esse tipo de música é feita.

Qualquer que seja o caminho que o jazz tome, é um conforto saber que sempre a luz da chama é mais intensa no último momento antes dela se apagar. No meio desse universo cada vez menos acessível, há um número surpreendente de artistas que têm tudo para reverter esse caminho. Seus esforços serão esquecidos? Só o tempo dirá. A nós, só resta esperar e torcer para que todos eles não tenham que continuar apelando para a apatia de seu público para conseguir sobreviver de sua música. E, por enquanto, continuar gastando os módicos 80 reais em discos da ECM.

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