quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Papel da Moda na Produção Artística Moderna

Historicamente o objeto artístico se configurou como uma porta de acesso ao mundo. Mais do que fatos ou relatos, que se valem pelo distanciamento, a obra de arte tem uma capacidade especial de falar sobre o mundo a que pertence justamente por ser fruto da percepção do sujeito que o representa. Dessa forma, negocia-se com a sensibilidade estética do artista, com a percepção do sujeito frente ao mundo e com a tradição teórica e artística que os precede. O mundo moderno, contudo, coloca uma série de obstáculos ao esclarecimento, causando mudanças estruturais nas formas de produção artística.

A modernidade é marcada pela maturação do processo de capitalização, e conseqüentemente da estrutura ideológica. Com isso, altera-se não apenas o mundo em que o sujeito vive, mas sua própria percepção frente a ele. A resposta artística a esse processo tem que ser radical: uma vez que a estrutura ideológica impede o acesso do sujeito ao mundo, cabe à obra de arte denunciar a ação da ideologia – o que se torna cada vez mais difícil, já que a mesma ideologia que aliena o sujeito incorpora as manifestações artísticas, esvaziando-as de conteúdo crítico. Muitas vezes o que se pretende arte acaba mais ratificando a ideologia do que a denunciando. Ainda assim, é possível identificar ao longo da história moderna uma série de movimentos, manifestos e produções que, em maior ou menor grau, são capazes de falar algo de genuíno sobre o mundo.

A história da arte reserva um papel especial à pintura, que foi o pilar da produção artística por muitos séculos. Mas o progresso técnico, ainda que esteja a favor da ideologia, trouxe consigo novas possibilidades de produção artística. A fotografia e o cinema são alguns exemplos das novas formas exclusivas do mundo moderno. É verdade que o mercado rapidamente encontrou nessas formas estéticas um poderoso veículo de mercadorias, mas isso não as impediu de funcionarem também veículos de contestação. Entre essas novas formas estéticas modernas, contudo, existe uma em especial que não é produto do progresso técnico, mas que sofreu fortes implicações em razão dele.

Os primórdios do capitalismo se fundamentaram na troca de três tipos de mercadoria: estimulantes e guloseimas, tecidos, e bens militares. Nesse momento, a indumentária já possuía uma forte ligação com o que se tornaria material ideológico. O vestuário tinha como função social a diferenciação, primordialmente entre a nobreza e a plebe. A conclusão a que esse fato aponta, por sua vez, só é consolidada no capitalismo industrial, comn o progresso técnico. A segmentação da mercadoria têxtil é a responsável pelo surgimento da moda, que marca o encontro definitivo entre a indumentária e a ideologia.

A mercadoria têxtil possui um ciclo de vida muito desenvolvido e a estrutura mercadológica da moda serve como exemplo da estrutura do capital. As coleções sazonais têm como princípio a constante reposição do objeto de consumo, produzindo estímulo de compra. A segmentação atua de acordo com a ideologia, criando a ilusão de individualidade. A estética da moda recorre à tecnocracia da sensualidade, gerando imagens técnica e artificialmente produzidas com finalidade de gerar fascínio estético. O produto cultural segmentado é a materialização do fetichismo da mercadoria.

Mas se a moda está tão cooptada, por que discutir sua capacidade de produção artística? A resposta está na premissa da pergunta. É exatamente pelo fato de ela estar tão intimamente ligada à estrutura mercadológica que nela reside um potencial gigantesco. O fato de estar a serviço do capital de forma tão devota potencializa a capacidade de diálogo de eventuais manifestações artísticas. O mesmo ocorreu com o cinema, durante o século XX. Por um lado ele está fortemente ligado a uma complexa estrutura de mercado, que tem origem na produção cinematográfica hollywoodiana. Por outro, é ele que se elege para veicular as mensagens de contestação da segunda metade do século, tal como a Nouvelle Vague ou o Dogma 95, nascendo desse processo ocasionais obras de arte.

Não se deve ignorar a dificuldade da produção artística na moda. O cinema conquistou ao longo do século seu papel como veículo de oposição, a moda não. E se mesmo as eventuais produções que se pretendem artísticas no cinema são em sua maioria alienadas, atuando em favor da ideologia, é fácil de imaginar o quão alienadas seriam as tentativas de produção artística na moda. Isso não deixa de significar que reivindicariam à moda um espaço para contestação até então inexistente. O que nos resta pensar é se ainda há espaço na moda para esse tipo de produção, ou se a estrutura da moda está demasiadamente madura para esse tipo de oposição.

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Como exemplo de tentativas, ainda que insuficientes, de produção artística na moda, ficam os trabalhos de Jun Nakao e Hussein Chalayan:

AfterWords - Hussein Chalayan


A Costura do Invisível - Jun Nakao

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Para efeitos retóricos, ignorem as manipulações audiovisuais presentes no vídeos.

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domingo, 26 de setembro de 2010

Logicomix: Uma Jornada Épica em Busca da Verdade

Há 3 meses no mercado brasileiro pela editora Martins Fontes, Logicomix: Uma Jornada Épica em Busca da Verdade se destaca dos outros lançamentos de Graphic Novels (ou histórias em quadrinhos encadernadas) pela temática central: A busca pelos fundamentos lógicos matemáticos. Durante seu lançamento em inglês (a primeira edição foi em grego) chegou a ser Editor’s Choice do New York Times e #1 dos mais vendidos. Ou seja, sucesso de público e crítica. Considerando que a equipe de ilustradores era sem experiência no ramo - o que em muitos casos é causa de fracasso - Logicomix se torna no mínimo um produto notável dentre seus companheiros de estante.

Mas como assim uma HQ sobre matemática? Na verdade trata-se de um romance histórico, sendo que o protagonista-narrador do romance é nada menos do que Bertrand Russell. Conhecido pela sua contribuição à lógica e à filosofia, Russell também atuou como pacifista nas duas grandes guerras que viveu. Ganhador do prêmio Nobel em 1950, foi acima de tudo um defensor e cultivador do livre pensamento. A trama se inicia com uma palestra de Russel em uma Universidade que se desemboca numa recapitulação de sua vida inteira. De caráter biográfico - pelo menos dos 50 primeiros anos da vida de Russell - ela se desenvolve e pausa nos pontos essenciais para a didática e reflexão propostos.

Aí que se nota o seu diferencial. Logicomix não pretende ser e não é um livro sobre lógica facilitado na forma de quadrinhos. Ele próprio admite que matemática e quadrinhos são como óleo e água. Porém consegue introduzir e estimular o interesse em temas que fogem do cotidiano. Se termos como: “Algoritmo, Axioma, Demonstração, Paradoxo” realmente te causam repulsa, o potencial de empolgação a atingir diminui substancialmente. Pois apesar de ser apenas uma introdução às ideias da lógica (que inferem tanto na matemática quanto na Filosofia Moderna) todos os personagens dividem entre si a excitação por cada descoberta feita. Hilbert, Wittgenstein, Gödel, Cantor, todos gênios de sua época têm no romance e no conhecimento científico real sua importância e isso é explicado de forma muito bem delineada. A história em si não passa por muitas reviravoltas, mas os conceitos sim, como ocorreu na realidade.

Ou seja, a verdadeira protagonista é a própria lógica. E só é necessário saber o básico para compreender uma história em quadrinhos dela. Utilize o mesmo princípio para outro personagem: lendo um graphic book do Batman - com começo, meio e fim - sabendo o essencial, você o compreenderá. Independente da época ou do escritor. Considerando que se trata de um tema que conhecimento anda junto com interesse e pronto. Não tem erro, Logicomix satisfaz seu público com louvor.

Há claro uma licença poética, pois Russel não chegou a participar de todos os eventos citados nem a conhecer todos os personagens, mas a coerência permanece. Além de uma metalinguagem bem interessante com os próprios produtores do quadrinho. E da didática conceitual que é sucinta e simples, contudo com muitas aberturas para aprofundamento. Uma obra ideal introdutória a um curso de Cálculo. Ou de Filosofia de ensino médio. A arte em si não se destaca - apenas para a verossimilhança de pessoas e lugares - mas também não faz feio. Assemelha-se ao modelo de adaptações literárias. O que torna adequado à proposta. Aliás, essa é uma ótima definição de Logicomix. Só que a proposta em si que é notável. Tanto, que foi preciso pouco menos de 70 linhas para explicá-la.















352 páginas. Preço Sugerido: R$55,00 na versão traduzida ou US$ 22,95 (R$ 43) na importada.

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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Treme: a Verdadeira New Orleans

É impressionante como americanos adoram símbolos nacionais. Como se não bastasse a Estátua da Liberdade, o x-burger gorduroso e o dedo em riste de Tio Sam apontando para você, foi necessário também retratar New Orleans como a cidade americana por excelência, romântica, boêmia, e transbordando jazz. E, em pouco tempo, a verdadeira metrópole ficou para trás, esquecida atrás de uma cortina de tráfico de drogas, baixo nível de educação e violência policial.

Em 2005, o Furacão Katrina atacou. Números oficiais indicam que 1464 pessoas foram mortas pela tempestade, 11722 pessoas desapareceram e 135 continuam desparecidas; corpos boiavam nas ruas inundadas e quase todas as estradas que davam acesso à metrópole tornaram-se inutilizáveis; mas, principalmente, o furacão destruiu duas cidades: a New Orleans verdadeira, devastada pelas falhas em seu sistema de diques, e a New Orleans do imaginário americano, esmagada pela terrível verdade narrada nos noticiários de todo o mundo.

Como se retrata, então, a complexidade da verdadeira New Orleans? A série Treme, de David Simon (o mesmo criador de The Wire) tenta resolver o problema partindo não de um ponto de vista, mas de vários. Justamente por isso, é impossível enquadrá-la em qualquer gênero. New Orleans é uma cidade fragmentada em histórias tão trágicas quanto a de LaDonna Batiste-Williams, dona de bar cujo irmão desapareceu após o furacão, e tão cômicas quanto a do DJ e guitarrista Davis McAlary, que, num delírio movido a maconha, decide se candidatar ao Conselho da Cidade e gravar e divulgar uma canção de campanha contando com vários dos maiores músicos da cidade; tão cotidianas quanto a de Antoine Batiste, trombonista mulherengo tentando ganhar a vida numa metrópole abandonada e tão irreverentes quanto a de Creighton Bernette, professor universitário que sublima sua repulsa pelas atitudes do governo americano postando vídeos raivosos no Youtube. Os personagens se entrançam numa teia que é, em momentos, tão romântica quanto a New Orleans dos filmes e tão negra quanto a New Orleans dos telejornais.

E talvez o que mais se beneficie disso tudo seja a trilha sonora. Após sapos cantantes e música cinematográfica, é um alívio ouvir novamente música autêntica, sem intermediários ou qualquer “dumbing it up” para o público. Entre os convidados especiais estão Dr. John, Allan Touissant e até mesmo Elvis Costello. Mas, mais do que simplesmente boa música, toda a faixa musical de Treme funciona como uma personagem principal, tão acreditável e autêntica quanto qualquer um dos outros protagonistas.

A série, mais do que tudo, é uma carta de amor a New Orleans. Não somente à sua música, não somente à sua cultura, mas a toda a cidade: do voodoo como religião aos habitantes que ainda hoje não reencontraram seus familiares. Mas, também, é um registro vivo de seres humanos vivendo no limite da tragédia, lutando para sobreviver e para deixar sua marca. Dessa maneira, New Orleans é mais do que uma cidade, e Treme é mais do que um relato: é um testemunho da existência humana, com direito a todas suas mazelas e a todas seus desesperos, a todas suas paixões e a todas suas exigências. Tudo regado a muito jazz e uma pitada de gumbo.

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domingo, 19 de setembro de 2010

No limbo, Pixar e afins

Dar uma olhada de vez em quando na página da Apple dedicada a trailers é uma boa maneira de conhecer algumas novidades do cinema ainda não lançadas; qualquer orçamento ou público-alvo, só que a maioria é em inglês mesmo. Mas por outro lado, é bom ter em mente que saber com muita antecedência de filmes promissores pode ser frustrante porque as expectativas vão aumentando, até chegar o dia da estréia, em que você descobre que lugar nenhum está passando o tal filme com o áudio original; Mr Fredricksen (Up) aí ao lado ilustrando o sentimento. Isso tem acontecido cada vez mais justamente com animações desse tipo. Mais do que exigência de mercado, isso pra mim é conseqüência de uma série de pensamentos simplistas que acabaram estigmatizando o gênero como algo “menor”.

Antes de qualquer coisa: boa ou não, a dublagem para qualquer outra língua prejudica a unidade do filme. A gravação original foi concebida e aprovada por pessoas extremamente qualificadas, familiarizadas com as propostas do filme e que trabalharam para que tudo ficasse perfeito; a dublagem quebra essa harmonia e portanto não é mais a obra idealizada pelos autores, é outra coisa.

Agora alguém pode se perguntar se essa preocupação é crucial, já que em geral as animações visam um público gigantesco - crianças e adultos - e então, por quererem abraçar o mundo, faria sentido questionar até que ponto chega a profundidade desses filmes, que não podem pender pra nenhum extremo; nem bobos nem difícies em excesso. A própria dublagem tem como fim atingir o maior público possível.

Em outras palavras, um Up, um Wall-E e até mesmo um Toy Story 3 não seriam filmes que contribuem pra sua cultura de mundo do modo que um Truffaut ou um Buñuel fazem. Ora, é óbvio que não. São formas de expressão diferentes com intenções diferentes e me assombra que realmente exista gente querendo os mesmos efeitos. Mas isso também não significa que seja impossível tirar algo delas: sempre há uma abordagem que possibilita uma interpretação mais encorpada. Às vezes mais difícil do que encontrá-la é admitir que essa abordagem existe.

Mesmo se Wall-E não respirasse Kubrick, Up não falasse com tanta competência de ausência e perda e assim por diante, sempre bom curtir um entretenimento de primeira linha, com os finais reconfortantes e os mundos fabulosos simpáticos. Aliás, esse é um dos maiores diferenciais desses filmes: permitir o fantástico sem muitas justificativas, com naturalidade e inteligência. Daí a importância do áudio original, pois assim a experiência se aproxima mais do que foi idealizado.

Citei apenas a Pixar porque isso das animações circularem apenas com a dublagem em português só acontece com esses estúdios americanos enormes; com Meu malvado favorito (que é legal) da Dreamworks também aconteceu. No entanto, Ponyo (foto) do também grande Studio Ghibli de Hayo Miyazaki foi exibido em japonês aqui em São Paulo, é isso que é mais curioso. Ponyo é um filme infantil por excelência. Inocente ao extremo, bonitinho, fácil. E seu autor também foi responsável por outros como A viagem de Chihiro, Princess Mononoke e Grave of the Fireflies, complexos e consagrados. Logo, não havia dúvidas de que Ponyo, até por ser um anime, não era produto de massa e nem pras criancinhas. Mesma coisa com o stop-motion tristonho Mary & Max que abriu o festival de Sundance de 2009.

Ou seja, não são todas as animações mas um tipo específico que está nesse limbo: nem filme de autor, nem caça-níquel. Chega a ser irônico que a animação, um gênero que está sempre inovando e está sempre ligado à contemporaneidade, seja vítima de uma limitação tanto de parte do público quanto da própria indústria. Essa triste noção de que um filme de criança é para criança. Convido todos a abrirem as cabeças.

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Pop To The People - The Reunion

Após longas e merecidas férias (até mais do que havíamos programado, nos desculpem por isso), estamos de volta ao ar! Estamos muito empolgados com o retorno, e prometemos nos focar mais nos textos, enquanto todos se readaptam ao ritmo do blog. As atualizações agora serão feitas às quartas-feiras e aos domingos, portanto não se esqueçam de checar o blog toda semana e assinar a nossa newsletter para não perder nada.

Um abraço!

Equipe PTTP

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