
É óbvio que essa tendência poética não é nova, ainda mais na música brasileira. Só pra ficar em alguns exemplos, cantores como Ângela Rô Rô, Belchior, Luís Melodia e Jards Macalé se destacam por esse tipo de composição. Entretanto, é uma vertente que nunca teve muito espaço - talvez, por algum tipo de especificidade mercadológica, as gravadoras rejeitam cantores que trabalham com um grau de individualidade tamanho. A Internet, porém, acabou oferecendo a um grupo incipiente de compositores essa lacuna para poder expor seu trabalho e conquistar, pouco a pouco, um número razoável de admiradores - seja utilizando serviços como o myspace e o TramaVirtual ou as tão faladas redes sociais (especialmente o Twitter, que permite uma comunicação interessante com o público).
Alguns caracteres são comuns à obra desses artistas. Um deles é a maneira de cantar sua cidade: no lugar de um tom grandiloqüente, pequenas histórias e idiossincrasias servem como mapa das ruas e avenidas. É o que se ouve em "Às Vezes", de Tulipa Ruiz, com o sabor delicioso do pop que Rita Lee fazia nos anos 70, ou "Curitiba, se você sorrir, lhe darei um doce", do cantor Giancarlo Rufatto, com toque folk na medida certa. O amor e a sexualidade também são temas frequentes, seja na carta melancólica de "Assinado Eu", de Tiê, ou no pensamento andarilho de "Nightwalker", de Thiago Pethit (com direito a toques de vaudeville).
A princípio, outro ponto de encontro desses cantores é que eles trabalham com sonoridades simples, calcadas no caráter acústico e letras que mais se parecem com histórias cantadas. Entretanto, o rol de influências deles é um tanto quanto diverso: pode ir desde o indie rock do Yo La Tengo e do Pavement (como o caso da banda Pullovers, veículo das composições do paulistano

Seja diferindo ou convergindo, esses artistas têm algo a dizer. Por serem tão individuais, cabe aqui não se estender mais nas críticas como um todo - até porque eles não constituem em si um movimento organizado (à exceção talvez da reunião dos Novos Paulistas, que conta com Tiê, Tulipa Ruiz e Thiago Pethit, e se apresentará no festival Planeta Terra nos próximos dias). Vale mais comentar um pouco de sua obra individualmente, levando em consideração seus discos - quase todos eles, seus primeiros trabalhos. Claro que esse pequeno universo não se resume aqui aos artistas citados abaixo. A cada dia, mais e mais personagens aparecem com seus acordes e crônicas. Suas canções são como retalhos, que quando juntas, formam uma colcha que mostra melhor do que qualquer proposta ambiciosa, um pouco do cotidiano e das peculiaridades da vida contemporânea.

De primeira vista, Tulipa pode soar como mais uma cantora do cenário atual da "nova MPB", marcado pela descartabilidade. Ledo engano. Transitando com leveza entre atrasos ao cinema ("Pontual") e amigos libertinos ("Pedrinho"), Tulipa brinca com referências pop e passarinhos ("A Ordem das Árvores") e constrói um bailado moderno em "Só Sei Dançar Com Você". Por vezes, seu trabalho lembra a graça de canções tropicalistas como "Baby". Na faixa título, a cantora tece um clima de tarde preguiçosa, cuja idéia de efemeridade serviria até como metáfora de sua carreira. Mas, a julgar por esse começo, essa é uma flor que desabrocha e só fenece depois de muito tempo.

"Quando penso no futuro, não me esqueço do passado". A frase de Paulinho da Viola cairia muito bem para descrever o que é a obra do carioca Rodrigo Maranhão: um compositor que parte de tradições da música brasileira para estabelecer seu próprio lugar, um pouco nostálgico, mas coerente e moderno. Em "Passageiro", seu mais recente disco, essa dualidade fica clara na irônica "Samba Quadrado" - cujo arranjo faria Rogério Duprat sorrir de orgulho - e na poesia sertaneja de "Passageiro", na fantasia de "Valsa Lisérgica" e na bela homenagem à música portuguesa de "Quase Um Fado", com participação do cantor Antonio Zambujo.

Se você mora em São Paulo, tem um pouquinho de sonhador e de frustrado e gosta de guitarras à moda do indie rock, você tem tudo pra sentir que as canções do Pullovers foram escritas por um cara como você. Luiz Venâncio, vocalista e principal compositor da banda, faz bonito quando canta seu amor pela cidade (“Todas as Canções São de Amor”, “O Amor Verdadeiro Não Tem Vista Para o Mar”) e marca um gol de placa com a beleza nerd de “Futebol de Óculos”. Em outras horas, deixa a primeira pessoa de lado para contar a história agridoce de “Marinês”. Ainda que às vezes seja pessimista e até um pouco apocalíptico (na faixa-título e em “Marcelo (Eu Traí o Rock)”), é difícil não estar com um sorriso no rosto ao final desse disco.

Se Rob Fleming, o herói do livro/filme Alta Fidelidade escrevesse canções, muito provavelmente elas soariam como o trabalho de Giancarlo Rufatto. (clique para download) Contando histórias sobre esse novo tipo de personagem contemporâneo - o homem sensível com um pé na adolescência e outro na imaginação, fã de cultura pop e um tanto quanto imaturo - o cantor curitibano pode não realizar um trabalho sociológico definitivo, mas encanta por seu charme. Envolvido em uma atmosfera lo-fi folk, Rufatto trafega entre a crueldade ("Meu Terrorismo"), a sinceridade extrema ("Coração Cheio") e o caminho até a reconciliação e aceitação próxima ("Desfaça as malas (e aceite meu café)").

Com pose de modelo (atividade que aliás, já exerceu) e voz de passarinho, Tiê faz uma sonoridade delicada, próxima talvez aos trabalhos de Carla Bruni e - guardadas as devidas proporções - Carole King e Joni Mitchell. Antes de gravar esse Sweet Jardim, Tiê era cantora de apoio de Toquinho (que toca violão na faixa-título). Suas canções aparecem como se fossem o diário de uma garota perdida numa grande cidade e suas pequenas coisas: o "Chá Verde", o trabalho como garçonete ("Aula de Francês"), metáforas sonhadoras ("A Bailarina e o Astronauta"), declarações ("Dois") e desilusões amorosas ("Assinado Eu").

O título do CD faz referência ao teatro vaudeville dos saloons do texas e aos cabarés alemães durante a Belle Èpoque. Misture isso com folk, tango, e uma tristeza digna da linhagem de cantores como Jeff e Tim Buckley, Elliot Smith e Neil Young, e um rosto com pinta de galã e você terá Thiago Pethit. Ele por vezes soa também como a versão masculina de Tiê (a própria cantora concorda). Os grandes destaques do álbum são "Mapa Múndi" e "Nightwalker" - essa última, uma curiosa faixa na qual as palmas, em vez de guiar o ouvinte no ritmo da canção, acabam por criar toda uma atmosfera envolvente.

Marcelo Jeneci não é um simples principiante. Há mais de dez anos ele vem acompanhando músicos do calibre de Arnaldo Antunes, Dominguinhos e Vanessa da Mata. A estréia solo se justifica por uma necessidade de esmerar mais e mais seu trabalho. Valeu a pena esperar, se é que pode se dizer esse tipo de coisa. Suas músicas partem por uma sonoridade mais crua: guitarra, baixo, violão, sanfona, bateria. Tematicamente, Jeneci é um peculiar escritor de canções de amor ("Longe", na qual a participação da cantora Laura Lavieri tem todo um sabor especial, e "Dar-te-ei"), mas também se dá bem quando brinca com a metalinguagem, como é o caso de "Borboleta".
Bônus: ouça aqui a parceria entre Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz, "Dia a Dia, Lado a Lado". Cortesia do grande Maurício Valladares e seu Ronca Ronca.
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ResponderExcluirEi, mais que bela descoberta fiz aqui: Marcelo Jeneci!
ResponderExcluirParabéns pelo blog!
Beijos
Trabalho bem feito.
ResponderExcluirParticularmente eu sinto falta de grandiosidade nas musicas de hoje, mas sei la, o texto ficou redondinho.Meio longo talvez, mas acho que menor do que isso ia acabar ficando pior.
Conclusão: nenhuma, mas ficou legal : )
Muito bom seu texto, grandes artistas.
ResponderExcluirMimimi mimimi mimimi :)
ResponderExcluirMais e mais sorrisos por isso, coisa linda !
Com carinho,
Pullovers é a melhor banda dos últimos tempos pra mim...
ResponderExcluirQuando puder, dá uma olhada no nosso blog...
Abraços