quarta-feira, 14 de julho de 2010

Modernização Bluesy

Hoje em dia, o Blues, ou o que restou dele, não diz muito para a maioria das pessoas. Chega a ser difícil imaginar, numa época repleta de artistas vazios, que esse tipo de música já foi de grande repercussão. É interessante, no entanto, observar que, apesar de escasso, o Blues é um estilo de simples execução. Não quer dizer que seja fácil: ser simples, muitas vezes, é mais difícil do que ser complexo. Não uma simplicidade vazia, mas com alma. Diferentemente do que muitos pensam, esse afastamento do Blues, que tem virado quase peça de museu, pode ser até benéfico para o estilo e, talvez, seja mesmo uma característica. Para se entender o estado atual, três realizações cinematográficas são importantes por ilustrarem a pretensa renovação e uma volta às raízes. Os dois primeiros são os famosos filmes da série The Blues Brothers e a outra é The Blues, documentário composto por sete filmes feitos por diretores clássicos do cinema norte-americano, organizado por Martin Scorsese.

The Blues Brothers mostra de maneira precisa a retomada do Blues e, ao mesmo tempo, seu afastamento. Se o primeiro deles, lançado em 1980, traz várias estrelas, como Ray Charles e James “I feel good” Brown, e celebra a retomada do estilo, feita principalmente por pessoas do cacife de Stevie Ray Vaughan, aclamado como um dos melhores guitarristas que já existiu, o segundo, de 1998, já mostrava a entrada do estilo no ostracismo, com a morte de SRV em 1990 e a diminuição de sua popularidade. Se a qualidade do filme cai, ou praticamente desaparece de um para o outro, é importante que se entenda algo que ocorre nos dois: a celebração do clássico.

Em 1980 os Blues Brothers homenageavam os clássicos do Blues, que fizeram sucesso nas décadas de 30, 40, 50 e 60, e ,em 1998, os Blues Brothers... homenageavam os clássicos do Blues novamente. O que isso quer dizer? Pode-se dizer que não houve uma renovação, ou melhor, que o Blues não é um estilo afeito à renovação. Nada mais falso. A seqüência, no entanto, nos induz à resposta errônea, pois faz uma opção equivocada ao confundir a não modernização com uma falta de renovação, com a ausência de novos artistas. A escolha pelo clássico é aceitável, ao passo que o Blues possui nomes que precisam ser festejados, porém, escolher artistas consagrados para fazer a continuação mostra a repetição da fórmula. Para aqueles que pensam que o estilo não apresenta nada de novo, Joe Bonamassa, Kenny Wayne Shepherd e Sean Costello, só para citar alguns, estão aí para provar o contrário.

A não modernização do Blues, esse sim um fenômeno verdadeiro e que não tem nenhuma ligação com a renovação do estilo, é o principal responsável pelo seu afastamento. Esse fato, que reflete uma música que teima em se apegar às raízes, sem revoluções drásticas, é o que proporciona uma unidade dentro do estilo, o que é notável quando se depara com o fato de que não existem inúmeras vertentes de Blues, como existem no Jazz ou no Rock. Pode-se até fazer uma grande distinção entre o Blues rural, pré-guerra, e o Blues urbano, pós-guerra, mas a forma, diferente do que ocorre no Jazz, é a mesma sempre, os acordes característicos e o modo de cantar, até mesmo as letras, não fogem de certo padrão, ou seja, em um sentido musical de modernização, como a influência de outros estilos, o Blues pode até trazer outros formatos, mas sua base é sólida.

O estilo se beneficia com o afastamento pois sua afirmação como gênero histórico, e não moderno, é fundamental para que ele se conserve. O documentário trata de mostrar esse sentido histórico, mostrar que o estilo possui um passado que precisa ser urgentemente revisitado, sem o qual não é possível formar um projeto de futuro. Esse passado está mais longe do que se imagina. Essa posição pode ser entendida no sentido que, ao invés de seguir uma linearidade, faz uma volta à África, em busca dos escravos que teriam levado o Blues aos EUA. Esse afastamento natural que o Blues faz também é importante para distanciar as pessoas que não se identificam, ou não entendem, essas raízes. The Blues, feito em 2003, funciona com o princípio oposto ao de The Blues Brothers, em especial o segundo: se não há modernização, vamos festejar o que já temos e tivemos, mas preocupando-se em não apenas se divertir, mas apontar os caminhos para o futuro.

O documentário mostra o estilo como um fenômeno que não quer ser incomodado, somente apreciado. Ele já se fixou como a peça de museu. Esse desencantamento com o mundo, essa nostalgia e melancolia, fez com que o Blues não entrasse em um ritmo acelerado, que predomina na sociedade atual. Alimentando-se de si mesmo, vide o fato que a maior revolução, os anos 80, trouxe várias versões dos clássicos, O Blues funciona como um mundo fechado, mas que deixa a porta aberta para aqueles que tiveram vontade e sentimento suficiente para entrar. Esse mundo funciona sozinho e não precisa de muitas análises. Como alguém já disse: não teorize demais sobre o Blues.

Um comentário:

  1. Eu sempre fiquei intrigado com o fato do blues ser um estilo "limitado" e que ao longo dos anos foi explorado até seu máximo e que não dá para fazer muito mais do que já fizeram. Era um desespero escondido meu, confesso. Mas agora eu vi que eu posso enxergar isso com outros olhos. Muito bom. Sem contar que por mais que o blues seja o que é, não consigo ouvir um blues e não me sentir tocado. É demais.

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