domingo, 16 de maio de 2010

Jonathan Safran Foer Não Cabe em um Tablet

O surgimento do Kindle, iPad e outros tablets menos glamourosos, acompanhados da euforia e do hype que lhes cabem, fez alguns fãs de livros tremerem. Talvez do mesmo jeito que os CDs fizeram os fãs de LPs tremerem e os DVDs, os fãs de VHS. Formatos novos como esses afirmam nas entrelinhas que os anteriores são limitados e ultrapassados, e apesar disso se aplicar aos dois exemplos anteriores sob vários aspectos, a única coisa que os tablets oferecem aos leitores é a mobilidade. Medindo os prós e contras com cuidado, o que se tem no final é negativo. E não foram os monstros sagrados da literatura mundial que me fizeram ter certeza dessa conclusão; foi Extremamente alto & incrivelmente perto, o segundo romance de Jonathan Safran Foer, lançado em 2005.

Safran Foer é um dos autores mais comentados da literatura americana atualmente. Chama a atenção o fato de, mais que um escritor novo, ele ser um escritor jovem: quando publicou seu primeiro romance Tudo se Ilumina em 2002, tinha apenas 25 anos. O livro ganhou um simpático filme pouco depois chamado Uma vida iluminada por aqui. Gostaria de poder falar mais sobre isso, mas somente assisti ao filme e dei uma espiada no livro. Só que foi suficiente pra ver que a sua literatura tem muito a acrescentar ao nosso tempo e que isso da idade não passa de curiosidade.

Extremamente alto & incrivelmente perto é sobre traumas. A história se desenvolve sob três perspectivas, três primeiras pessoas: a principal é Oskar Schell, um garotinho precoce cujo pai morreu nos ataques de 11 de Setembro ao World Trade Center. Ainda muito atormentado, Oskar encontra uma chave escondida no armário do pai e então se dedica a encontrar a fechadura. Os outros dois eixos da história ajudam a completar as lacunas da jornada do menino, e vice-versa.

A difícil tarefa da tradução ficou por conta de Daniel Galera, que fez um trabalho excelente. O livro foi publicado pela Rocco, integrando a coleção de novos autores Safra XXI: apropriado. O 11 de Setembro é possivelmente o acontecimento que historiadores irão apontar como marco inicial do século pelo seu impacto sócio-político no mundo. Extremamente alto não trata de nada disso, porém. Os ataques são levados para o nível de tragédia humana e é assim que desastres como esse devem ser lembrados, e não como, pasmem, uma “vitória metafórica” (pois é, já ouvi) ou sei lá o quê. Safran Foer faz isso sem sentimentalismo barato e com uma forma notável.

Dá gosto ler algo tão inovador. Os recursos usados pelo autor são vários: cartas, reprodução de cadernos e outros pedaços de papel de maneira bem realista - quase um Watchmen; às vezes brincadeiras com o próprio texto de modo praticamente concretista; ao invés de ilustrações, fotografias; e até mesmo vídeo, considerando que vídeo é uma seqüência de quadros. Tudo isso em um livro, no formato tradicional; é surpreendente, de verdade. E eu não consigo me convencer de que isso não seria perdido em uma tela de LCD.

“Internet mina poder de concentração dos jovens, diz estudo”; acredito que seja bem por aí. Claro que estou falando por mim, mas a informação em excesso da internet aliada à pressa me forçam a passar rapidamente por muitas coisas quando deveria dedicar um pouco mais de atenção a elas. Isso funciona na internet e logo se transforma em um processo mecânico, automático. O que impede algo assim de acontecer com um tablet? Afinal, ele é só um computador com outro design. Também sei que a concentração varia de pessoa para pessoa e que os mais atentos não serão prejudicados. Mas não é só isso.

Quem freqüenta tumblrs, uma espécie de blog destinado a postagem de vídeos, imagens, fotos e textos curtos, sabe bem que na internet se encontra de tudo. Tudo. Portanto, fui educada a diante de uma tela não prestar atenção e dificilmente me surpreender. Pode parecer simplista, porém não é: fotografias, páginas propositadamente em branco, marcas de caneta etc, não fazem parte do universo literário impresso tradicional. O impacto que esses recursos têm no papel é infinitamente maior do que na tela; tudo parece natural nela, por mais que se saiba que se trata de um livro. Não é a mesma coisa.

Isso sem falar do peso, do cheiro, da textura, dos vincos nas lombadas dos mais queridos, das observações à lápis nas bordas, nos recortes de jornal guardados no meio de alguns, nas dedicatórias, nas marcas dos dedos, do tempo.

Acho que dá pra viver sem mais essa mobilidade.

5 comentários:

  1. Não li o livro, mas já dei boas folheadas nele no Centro Cultural - e assino totalmente embaixo.

    Não há nada mais bacana num livro comprado num sebo do que o cheiro dele, assim como é muito gostoso às vezes descobrir pequenos detalhes (anotações de outras pessoas, folhas de árvores ou de jornal, ou pequenas dobrinhas) - sem falar nas recordações que vão além da materialidade.

    (Como lembrar o dia que você comprou o livro e como ele te acompanhou até em casa - ninguém faria isso com um simples download!).

    Ótimo texto, Cris.
    =)

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  2. Tipos... Eu acho LIVRO bem mais portátil/móvel que um pedaço de tecnologia, inda mais na Terra Selvagem das metrópoles latinoamericanas! =)

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  3. Faço minhas as palavras do Noa, Cris. o/

    (Sei que te devo um email, ele chegará, fique tranquila.)

    Beeijo

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  4. Fora que você corre sérios riscos tirando um tablet caríssimo da sua bolsa pra ler num ônibus/metrô.

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  5. Que texto LINDO!
    Acho que todo mundo que gosta de ler um bocadinho que seja vai se sensibilizar com esse texto!

    No último parágrafo você falou tudo! Quase todos os meus livros preferidos tem anotações no final de páginas que me tocaram de alguma maneira. De vez em quando eu abro eles, vou até essas páginas e leio os trechos sublinhados. E sei lá, quando eu leio, é como se eu me lembrasse não só do personagem do livro, não só da história, mas também da sensação que tive quando li aquele trecho pela primeira vez. É uma lembrança. E acho que tudo isso só é possível por causa dessas coisas que você citou: o cheiro, a textura, a capa, as marcas dos dedos, o tempo.

    Definitivamente dá pra viver sem mais essa mobilidade...

    Sorrisos pra você, Cris! =)

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