segunda-feira, 28 de junho de 2010

Esse Você Precisa Ouvir: Exile On Main St, do Rolling Stones

"A evasão fiscal inglesa iria ganhar fama no
rock n’ roll" - Jack White

A banda capa de Junho da Rolling Stone brasileira. O CD que re-lançado, voltou ao primeiro lugar das paradas no Reino Unido. Título de um dos documentários selecionados para o festival de Cannes desse ano. Uma semana dedicada a eles no programa de auditório americano Late Night with Jimmy Fallon. Se você sabe o que significa "cultura pop", cansou de ouvir/falar/vê-los nos últimos 45 anos. Mas nos últimos 30 dias todo mundo esteve falando deles mais do que o normal. Por quê?

Bom, o motivo alegado é o re-lançamento e a comemoração dos 40 anos – que na verdade são 38 - do álbum Exile On Main Street. E toda a lenda por traz do making-of. O álbum é considerado quase que unanimemente um dos melhores álbuns da história do rock. E a forma e o contexto em que foram gravados também.

O lugar era Inglaterra. O ano, 1971. Se você gostava de rock n’ roll, sua banda número 1 provavelmente era os Rolling Stones. O cenário era de ressaca. O fim do movimento (legítimo) "Paz, Amor e Ácido" somado às mortes de personalidades e bandas relevantes causaram a sensação que os anos 60 não deram certo. “Brown Sugar” dominava as paradas, mas nenhum álbum dos Stones havia chegado ainda ao patamar de obra prima do estilo, que até então, pertenciam aos Beach Boys e aos Beatles. E devido ao não pagamento de impostos - na época extremamente altos na Grã-Bretanha – os meninos da vez tiveram que fugir do próprio país para não serem presos.

O local escolhido foi a mansão de Keith Richards, na região da Riviera Francesa, litoral sul da França. O álbum, que é caracterizado primordialmente pela influência da música negra americana, foi gravado no local que é sua antítese. As letras tratam de estradas americanas, sexo e amor sem compromisso. É difícil de acreditar que muito do que é dito não foi de fato vivido pelos integrantes. E essa influência – que sempre é Robert Johnson, segundo Keith Richards – transcende o conteúdo lírico. A arte foi toda baseada nas fotos do profissional que acompanhou a jornada da banda, Norman Seeff. Tons escuros que transmitem rock n’ roll e música negra old school. A melodia e os arranjos não são só inovadores, são inclassificáveis. Apesar de simples, apenas sete de suas dezoito faixas possuem mais que quatro minutos, o que não o tornou o álbum mais popular dos discos dos Stones. Os críticos disseram que os Stones não tinham gênero definido com toda aquela mistura. O público estranhou a notável diferença do som. Mas todos eles voltariam atrás com o tempo.

As inovações não começam com a influência dos mestres de blues, já que não foi a primeira nem a última vez em que os Stones fizeram algo do tipo. Porém, o piano, sax e o uso de corais nos backing vocals, todos usados de forma sofisticada, remetem a música gospel e country. E o que se destaca é a sincronia entre os integrantes. Como diz um amigo meu: "é diferente de Sticky Fingers porque não é só um bando de caras querendo fazer barulho com sua guitarra - não que isso seja uma coisa ruim. Mas em Exile eles finalmente adquirem maturidade musical. E isso por causa da música em si, não da produção".

A situação psicológica da banda, intensificado com o excesso de drogas usadas e principalmente, o exílio em si, resultaram no álbum mais ousado de uma banda já ousada. As condições precárias de gravação – apesar da finalização e masterização em L.A. - proporcionaram crueza e sinceridade ao som. E o contexto escandaloso que aparece só no título aumentou a lenda da obra. O único fator não presente de um álbum de sucesso foi um hit. Exile On Main Street é um disco – e talvez o melhor deles - para ouvir no carro enquanto você está em uma estrada no interior dos Estados Unidos. E no litoral francês. E em qualquer lugar do mundo no meio do caminho.

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sábado, 26 de junho de 2010

O tiro quase certeiro de Kick-Ass

Quando saíram os primeiros pôsteres e teasers de Kick-Ass (de Matthew Vaughn, 2010), aquele pensamento inevitável do “lá vamos nós, mais um filme dispensável de super-heróis” não veio. Em oposição às poses estilosas dos outros heróis, estava esse menino todo surrado com roupa igualmente acabada, falando que não podia voar mas podia quebrar a minha cara. Dava a impressão de ser algo além de uma história de heróis sem superpoderes, que depois de Watchmen, parece ser um tema concluído. E também parecia ter mais do que a violência absurda que prometeram desde o início. Bom, passou perto.

O Kick-Ass do título é um adolescente fã de HQs - deduza daí a sua condição social - que ingenuamente resolve vestir uma roupa colorida e sair ajudando as pessoas. A situação sai do controle assim que ele se envolve com verdadeiros vigilantes, Big Daddy e Hit Girl, e então se vê combatendo o crime de fato e lidando com pessoas realmente perigosas.

Bem inteligente a sacada de colocar a internet como uma personagem central e a ironia com a qual é tratada a importância que as redes sociais conquistaram: os super-heróis têm contas no MySpace e ficaram famosos no Youtube antes de serem conhecidos na imprensa e nas ruas. Afinal, estão falando de jovens do século XXI.

O filme foi baseado nos ótimos quadrinhos do primeiro volume da história, por enquanto o único, que teve oito edições publicadas entre 2008 e 2010, com roteiro de Mark Millar e arte de John Romita Jr.. A série foi lançada no Brasil pela Panini, compilada em um livro só, custando em média uns 50 reais.

A violência prometida apareceu sob a forma de uma garotinha de 11 anos interpretada por Chloë Moretz; talvez você lembre dela em 500 Days of Summer. Treinada pelo pai Big Daddy (Nicholas Cage, único nome grande na produção relativamente barata), Hit-Girl é uma assassina talentosa que mata criminosos cruelmente ao som de “Bad Reputation”. Coisa muito tarantinesca. No fim das contas, fez sentido tanta promoção do lado violento do filme. Por mais interessante que seja pensar nas ferramentas sociais que temos atualmente, o que leva o filme pra frente são mesmo as cenas ferozes protagonizadas pela Hit-Girl.

Tamanho capricho nas cenas de violência é uma das marcas da fidelidade do roteiro de cinema a algumas das qualidades da HQ; os desenhos de John Romita Jr. são belíssimos, sobretudo nas cenas sanguinolentas. Foram usadas ainda falas originais, a estrutura narrativa e detalhes físicos dos personagens. Ênfase no “físicos”. O que pesa demais contra a adaptação são as mudanças radicais e muitíssimo desnecessárias nos personagens do ponto de vista psicológico e comportamental, conseqüentemente alterando também suas trajetórias.

Engraçado não haver a menor intenção de enxugar os litros de sangue ou sumir com os pedaços voando (nada contra, que fique bem claro), mas existir a necessidade de acabar com todo o desequilíbrio mental e com o fracasso dos personagens. Essa necessidade de tudo terminar artificialmente lindo e perfeito. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última; o roteiro de Garota de Rosa Shocking, passou pela mesma coisa, infelizmente.

Isso é muito irônico porque antes de tudo, Kick-Ass é sobre gente comum. Como diziam os pôsteres, gente que não voa, enxerga através de paredes, lê mentes ou fica invisível. Então qual a razão do pânico de falar de pessoas que não triunfam da maneira que o senso comum espera? Recorrendo ao imaginário americano, não falar dos caras franzinos que viram magicamente capitães do time de futebol e ficam com a garota mais desejada? É triste porque talvez esse seja o aspecto mais louvável do roteiro da HQ, tratar dos losers crônicos e portanto, aquilo que diferenciaria o filme entre os demais. Todos eles, não só os de super-heróis.

Kick-Ass é um filme divertido pelas referências pop, cenas de luta, eventuais piadinhas e pelo “inusitado” que ronda a história o tempo todo. Dá pra curtir. Mas é um daqueles filmes quase bons que claramente poderiam ser mais legais e quem sabe até adicionar alguma coisa e se destacar entre os muitos outros. Mais uma vez, nem que seja só pra ver os desenhos, vale mais ler os quadrinhos.


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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Toy Story 3: Como Não Tratar Crianças Como Idiotas

Pessoalmente, eu não sou o tipo de pessoa que costuma engolir aquela velha história de “a infância é o período mais lindo da sua vida”. Pode me chamar de insensível, mas não acho a coisa mais fofinha do mundo aqueles vídeos do YouTube em que um bebê faz algo idiota. Acho só idiota. Talvez por isso eu não me comova com histórias no modelo criança-inocente-faz-adulto-deprimido-se-lembrar-de-como-a-vida-é-bela. Em geral, eu torço para que a criança envolvida acabe num orfanato ou algo do gênero. É, pensando bem, talvez eu seja mesmo meio insensível.

Levando isso em conta, era de se esperar que assistir a Toy Story 3 não fosse uma experiência exatamente agradável para mim. Para quem não viu os primeiros (e desculpem-me, mas não teve infância) ou não sabe do que esse novo filme se trata: a série gira em torno do garoto Andy e de seus brinquedos, que criam vida quando ele não está olhando. No terceiro volume, que se passa alguns anos após os dois primeiros, Andy tem 17 anos, vai para a faculdade e tem de decidir o que fazer com os brinquedos que lhe restaram: ele pode doá-los a uma creche, guardá-los no sótão ou jogá-los fora. Tente imaginar algum jeito em que isso não signifique duas horas de “no fundo no fundo todos têm uma criança interior”. Pois é. De alguma maneira absurda, a verdade é que o filme passa bem longe disso.

Quer dizer, é óbvio que há no filme a obrigatória moral politicamente correta - afinal, não seria um filme da Pixar se não houvesse. E, querendo ou não, por mais alternativos e cultos que queiramos parecer, o happy ending nos toca mais do que qualquer final triste (e intelectual) tocaria. O grande trunfo do filme é que, entre o subtexto moralista e as imagens fofinhas, há muito mais. Ao contrário da grande maioria dos filmes hollywoodianos destinados a crianças – que em geral definem-se como infantis simplesmente por tratar seu público como idiota - Toy Story 3 aborda questões universais de uma óptica infantil. E, ainda que isso soe como uma tentativa forçada de aproximação com o público, funciona maravilhosamente.


Numa das primeiras cenas do filme, por exemplo, é apresentada uma escolha ao cowboy Woody. Andy havia decidido levá-lo para a faculdade, escondido entre seus pertences, e guardar os outros brinquedos no sótão. Por um acidente, entretanto, todos eles acabam sendo levados para a creche Sunnyside, onde seriam motivo de divertimento para todas as crianças que a frequentam todos os dias. Enquanto a maioria dos bonecos espera ansiosamente para divertir-se como não se divertiam desde que Andy passara da idade de brincar com eles, Woody decide fugir de lá, já que ele pertence ao garoto e é seu dever manter-se a seu lado. O astronauta Buzz Lightyear, então, tenta dissuadi-lo, argumentando que Andy já crescera e eles seriam muito mais úteis em seu novo lar. Como lidar com a sensação de que não se é mais necessário? Quando é o momento de abrir mão de algo que já dura tanto tempo?

Isso sem contar referências ao inferno católico e uma boneca Barbie que cita quase palavra por palavra John Locke, tudo esparramado sobre uma camada imensa de humor. E não o tipo de humor que costumamos ver associados a crianças. Ao contrário do humor da Dreamworks, que parece talhado em pedaços para cada faixa etária (o Burro, em Shrek, canta "On the Road Again", uma referência claramente adulta, e faz trocadilhos dos mais infantis), a Pixar joga com idéias que soam engraçadas tanto a um recém-alfabetizado quanto a um adolescente, de maneiras extremamente refinadas e sutis. Por exemplo, com expressões à la Chaplin. Ou até mesmo – de modo menos apropriado aos adjetivos – com um insulto direcionado a um boneco Ken (“seu metrossexual de plástico!”). Só, em nenhum momento, apela para idiotismos. Ele respeita demais o seu público para isso.

Talvez a minha insensibilidade seja, na verdade, uma reação à maneira como a maior parte dos filmes infantis de hoje têm tratado sua audiência. Pelo sim ou pelo não, posso dizer com certeza que Toy Story 3 não está incluído nessa grande maioria: é um filme inteligente, engraçado, e, principalmente, extremamente tocante. A verdade é que crescemos ao lado de Andy, e esse último volume é um adeus perfeito aos personagens que nos acompanharam durante anos. Mais uma vez, a Pixar se superou.

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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sublime do seu modo: A Fine Frenzy

Foi num Ipod de músicas velhas de uma amiga minha que descobri sem querer "Almost Lover", da até então (para mim) desconhecida banda A Fine Frenzy. Que custava procurar um pouco mais sobre ela? Nada, oras. Pois bem, eis que me deparei com um som impressionantemente tocante, assinado por Alison Sudol, americana de 25 anos com quem é possível se identificar quase que de imediato.

Ironicamente, não estamos falando nem de longe sobre música frenética. O nome, na realidade, vem de um trecho de Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare (em tempo: seu livro preferido é Orgulho e Preconceito, de Jane Austen) e nada melhor que o próprio para descrever FF:

Teseu - Mais estranha do que veraz, decerto. É-me impossível acreditar em fábulas antigas e em histórias de fadas. Os amantes e os loucos são de cérebro tão quente, neles a fantasia é tão criadora, que enxergam o que o frio entendimento jamais pode entender. O namorado, o lunático e o poeta são compostos só de imaginação. Um vê demônios em muito maior número de quantos comportar pode a vastidão do inferno: tal é o caso do louco, O namorado, não menos transtornado do que aquele, enxerga a linda Helena em rosto egípcio. O olho do poeta, num delírio excelso, passa da terra ao céu, do céu à terra, e como a fantasia dá relevo a coisas até então desconhecidas, a pena do poeta lhes dá forma, e a essa coisa nenhuma aérea e vácua empresta nome e fixa lugar certo. É a imaginação tão caprichosa, que para qualquer mostra de alegria logo uma causa inventa de alegria; e se medo lhe vem da noite em curso, transforma um galho à-toa em feroz urso.

Tal é o ambiente em que você é convidado a adentrar, tanto quando ouve One Cell in the Sea (2007), quanto Bomb in a Birdcage (2009). Ambos contam com a voz apaixonante de Ali combinada com piano (ela é autodidata, sim senhor) e as letras criadas por ela mesma (que às vezes dão do nada aquela sensação de "Ei, já passei por isso!" ou "Ufa, não sou o único." - tipo em You Picked Me - minha preferida, by the way), intrinsecamente ligadas à natureza e ao espírito de fantasia de C.S. Lewis e Lewis Carroll.

Contudo, houve uma certa evolução nesses dois anos de distância entre os álbuns. Alison mesma diz: "On the first record, I felt very young, and I think I made up for it by being very serious... about everything... This time, I didn't want to limit myself. I wanted to stretch and grow and push myself past my comfort zone. I also wanted to have fun."

BiaB mantém o charme e o lirismo cativantes de OCitS (para mim a melhor definição é a palavra "mellow"), mas comporta também novas texturas, como a entrada de guitarra elétrica (em Electric Twist), indo até o ponto de Stood Up, a mais contrastante e "a mais desregrada que eu já tinha sido" - enfim, uma atmosfera diferente, mas ainda bem ligada ao debut album (também porque é mais explicíta a dinâmica de banda, saindo daquele Ali Sudol = AFF).

Eu poderia me alongar mais ainda e destacar trechos deliciosos de suas 25 e poucas músicas (o que faria com prazer com quem quiser), mas agora saliento um fator exclusivo a poucos músicos, para mim ao menos: um sentimento fã-artista de proximidade, intimidade. Ali consegue isso não apenas pela música, como também pelo Twitter (1638555 seguidores + eu) (e quero, dizer, no mínimo gera um sorriso ler "just wrote a song. my favorite feeling") e blog (que, apesar dos três posts, dá aquela vontade de conhecer a respectiva!). É o tipo de pessoa que explica como queimou a sopa, que mostra o que tem na bolsa (ela tem ouvido Camera Obscura, Belle and Sebastian, Postal Service e Death Cab em seu Ipod vermelho) e que se defina como uma nerd no ensino médio.

Enquanto o terceiro álbum não sai (ela declarou que começou a escrever músicas para o que seria um mais parecido com o primeiro), se delicie com o que esses cabelos ruivos têm de escancarados.

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sábado, 5 de junho de 2010

"Sorte vão ter os que morrerem": A História Sem Censuras do Punk


O que eu sou? Medíocre. Um peso-médio. Não sou o cara mais brilhante do mundo, mas certamente não sou o mais idiota: eu li livros como A insustentável leveza do ser e Amor nos tempos do cólera, e entendi, eu acho (eles eram sobre garotas, certo?), mas eu não gosto tanto assim deles (...).

E então Rob Fleming começa a listar seus all-time top five livros favoritos. Olhe aqui, o trecho é de Alta Fidelidade, Nick Hornby, que tomei a liberdade de traduzir (mal). Também conheço alguma Literatura; Tchekhov, Camus, Gogol, Guimarães etc. Devo ter conseguido tirar algo deles apesar da mediocridade, e ao contrário de Rob, adoro essas coisas.

Porém isso nunca me impediu – nem irá - de colocar Please Kill Me: The Uncensored Oral History of Punk (1996), de Legs McNeil e Gillian McCain, no meu desert-island all-time top five. Embora pareça, ele não é só um livro relatando os podres e os grandes feitos dos responsáveis por aquela música rápida, barulhenta e destrutiva.

O subtítulo sintetiza a proposta. Please Kill Me é composto por trechos de inúmeros depoimentos daqueles que participaram da construção disso que hoje chamamos de “punk”, divididos em cinco partes, mais prólogo e epílogo. O período abordado vai de 65 até 91, do nascimento dos grupos que influenciaram diretamente a cena nova-iorquina (Velvet Underground, Stooges, MC5, New York Dolls), até a morte e/ou dispersão dos envolvidos, passando também por outras manifestações artísticas como o teatro e a poesia.

Esse livro é fantástico em tantos aspectos que vou soar suspeita, mas dane-se. Ele foi feito para agradar quem conhece bem as bandas e cenas, mas também não exclui os leigos, porque mais do que sobre a música, o sexo e as drogas, os episódios lamentáveis e gloriosos (ainda que tragicamente humanos), Please Kill Me fala de resistência.

Os artistas que deram início à coisa toda simplesmente não se enquadravam nos seus tempos, fosse pela aparência, preferência musical, mentalidade... Por isso eles criaram seus próprios veículos, ícones e estilos, além da própria música. Esta é uma grande forma de resistência. Portanto, diz respeito a qualquer um que se interesse por arte, e não apenas àqueles que se emocionam ouvindo Ramones. Uma dessas pessoas inquietas foi o próprio Legs McNeil, que fundou o notório fanzine PUNK Magazine em 76 com o cartunista e escritor John Holmstrom e o editor Ged Dunn. Ao lado, o primeiro editorial deles.

Para mim, essa é a alma do punk: a iniciativa de começar uma contracorrente com a qual dê para se identificar. Ele é próximo, acessível. É também o que mais me atrai àqueles desajustados, românticos, incompreendidos. Mesmo sem a técnica e o talento que eles supostamente deveriam ter, produzem sua arte do mesmo jeito; não gostou, azar.

Voltando ao livro, ele é realmente gostoso de ler. Os depoimentos são engraçados, muito coesos na construção da linha do tempo, mas às vezes contraditórios quando tratam de opiniões pessoais sobre bandas e pessoas, o que também é bem divertido. O chato é que esse é o tipo de livro que depois deixa saudades, não só porque os personagens são apaixonantes, mas também porque nossas vidas medíocres jamais serão tão interessantes quanto as deles. Parece que fazemos parte delas, por um tempo.

Há uma edição em português, da L&PM, Mate-me Por Favor - A História Sem Censura do Punk. Sinceramente? Metade da graça vai embora com a tradução. (A parte do Danny Fields falando do Television... Que dó.) Não é um inglês difícil, o do original. Usam muitas gírias, mas acho que dá pra se virar. A edição mais recente também tem vários extras, um monte de fotos e a formação original dos Heartbreakers na capa. Só este último já é um ótimo pró.

"EDDJICATE YOURSELF"

Mais algumas sugestões:

  • NY77: The Coolest Year in Hell. Ótimo documentário do VH1 que fala do punk, disco, hip-hop (os três foram simultâneos), e o contexto sócio-político da época. Foi exibido no Festival In-Edit Brasil aqui em São Paulo, quem sabe passam novamente. Entrevistas com Chris Stein (Blondie), Legs McNeil, Gillian McCain, Richard Hell...
  • Coração Envenenado, de Dee Dee Ramone. Auto-biografia do baixista dos Ramones. É interessante, mas bem deprimente; muito triste a história do Dee Dee.
  • Just Kids, de Patti Smith. Livro de memórias lançado em Fevereiro deste ano, sobre sua amizade com Robert Mapplethorpe, fotógrafo. Suas obras abrangem temas que vão de flores a homoerotismo, passando por retratos de outros artistas e celebridades. A capa do Marquee Moon é dele. Está tendo uma exposição dele em Buenos Aires que vai até dia 2 de Agosto, no Malba.
  • Provavelmente ano que vem sai a auto-biografia do Richard Hell. Na revista The New Tough saiu uma entrevista simpática com ele e trecho do livro. Está quase no fim da página, no "You make me _____."
  • A citação do título do post é a mesma no início do Please Kill Me: " Them that die'll be the lucky ones", Long John Silver, Ilha do Tesouro.

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Aerosmith: Back in the Saddle… Again!

62, 59,59, 58, 58. Steven Tyler, Joe Perry, Joey Kramer, Brad Whitford, Tom Hamilton. Sabe aquela história de que rockstar não pode ser velho, então... Todos provavelmente nasceram antes de nossos pais, mas são muito mais jovens que nós. No rock você nunca envelhece, fica maduro. Pelo menos foi o que mostrou o Aerosmith na sua última passagem por São Paulo, no dia 29 do mês passado.

Algum tempo antes da entrada dos monstros, veio à tona a velha discussão de que o rock, assim como a arte em geral e Paul McCartney, morreu. “- Essa é a última geração de roqueiros.”; ”-Nossos filhos não terão isso.”; “- O Dio morreu (antes ele do que eu).” Porém todo o blá blá blá se dissipa quando, em meio aos epitáfios do estilo, surge o símbolo da banda em um grande bandeira.

"Rainy Day Women #12 & 35", um pequeno blues de Bob Dylan sobre “ficar chapado”, infesta o ambiente, fazendo uma brincadeira com o apelido de Perry e Tyler, herdado dos anos 80, de “Toxic Twins”. Com o fim da música, surgem os cinco integrantes e, contra todas as expectativas, soltam "Eat the Rich" logo de cara, o que pareceu uma grande ironia para quem pagou, no mínimo, 125 reais pra estar lá.

O repertório agradou tanto aos fãs de longa data, com as setentistas "Back in the Saddle", "Toys in the Attic" e "Dream On", como aos que foram para ver uma faceta mais pop da banda, ou seja, a das músicas dos anos 90 como "Pink" e "Jaded". Além, claro, de "Crazy" e "Cryin’" que, tocadas em dobradinha, geram gritos ensurdecedores de garotas e fazem o momento de muitos casais.

Contudo, o ponto alto do show foi mesmo "What it Takes". Tyler, que cantou os primeiros versos sem acompanhamento, mostra que ainda consegue alcançar os famosos agudos, levando todos os emocionados, e desafinados, corações partidos junto com ele. O perfeito solo de Perry, com novo visual no melhor estilo Piratas do Caribe, também arranca gritos femininos.

O guitarrista também participa de um dos momentos inesperados do show, na hora em que diz que muitos fãs o abordam falando que já ganharam de seu personagem no jogo Guitar Hero, ele pergunta: “- Ok, mas quem é melhor o jogo ou a vida real?”. Depois de um duelo guitarrístico com ele mesmo na versão virtual, volta e diz: “- É... acho que a vida real.”. Um pouco de veneno para aqueles que pensam que uma guitarra de plástico está a um passo da realidade.

O que o Aerosmith, com seus mais de 40 anos de carreira, expressa é a sensação de ser uma banda atemporal, que, sem deixar as raízes de lado, conseguiu absorver as melhores características de cada década pela qual passou. As longas jams psicodélicas/blueseiras dos anos 70, o exagero, que vai desde o jogo de luzes e as roupas, até a guitarra de dois braços que Perry usa, mesmo que toque só um deles, dos eighties, as baladas melosas dos anos 90 e o guitar hero dos dias de hoje.

Tyler, que em outro dos momentos inusitados do show ganhou a calcinha de uma fã, mostra que, apesar dos incidentes passados com a banda nos últimos meses, está em total interação com os outros integrantes. Seja fazendo brincadeiras com Perry ou ajudando Joey Kramer no solo de bateria, o vocalista é o maestro da banda, demonstrando o óbvio: sem ele não há Aerosmith e vice versa.

O brilhante show da turnê Cocked, Locked, Ready to Rock mostrou que, se fora dos palcos a banda ainda tem alguns problemas, dentro dele ela está melhor do que nunca. Os velhinhos estão aí, Back in the Saddle. Por quanto tempo, ninguém sabe, por isso, aproveitemos.

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