sábado, 26 de junho de 2010

O tiro quase certeiro de Kick-Ass

Quando saíram os primeiros pôsteres e teasers de Kick-Ass (de Matthew Vaughn, 2010), aquele pensamento inevitável do “lá vamos nós, mais um filme dispensável de super-heróis” não veio. Em oposição às poses estilosas dos outros heróis, estava esse menino todo surrado com roupa igualmente acabada, falando que não podia voar mas podia quebrar a minha cara. Dava a impressão de ser algo além de uma história de heróis sem superpoderes, que depois de Watchmen, parece ser um tema concluído. E também parecia ter mais do que a violência absurda que prometeram desde o início. Bom, passou perto.

O Kick-Ass do título é um adolescente fã de HQs - deduza daí a sua condição social - que ingenuamente resolve vestir uma roupa colorida e sair ajudando as pessoas. A situação sai do controle assim que ele se envolve com verdadeiros vigilantes, Big Daddy e Hit Girl, e então se vê combatendo o crime de fato e lidando com pessoas realmente perigosas.

Bem inteligente a sacada de colocar a internet como uma personagem central e a ironia com a qual é tratada a importância que as redes sociais conquistaram: os super-heróis têm contas no MySpace e ficaram famosos no Youtube antes de serem conhecidos na imprensa e nas ruas. Afinal, estão falando de jovens do século XXI.

O filme foi baseado nos ótimos quadrinhos do primeiro volume da história, por enquanto o único, que teve oito edições publicadas entre 2008 e 2010, com roteiro de Mark Millar e arte de John Romita Jr.. A série foi lançada no Brasil pela Panini, compilada em um livro só, custando em média uns 50 reais.

A violência prometida apareceu sob a forma de uma garotinha de 11 anos interpretada por Chloë Moretz; talvez você lembre dela em 500 Days of Summer. Treinada pelo pai Big Daddy (Nicholas Cage, único nome grande na produção relativamente barata), Hit-Girl é uma assassina talentosa que mata criminosos cruelmente ao som de “Bad Reputation”. Coisa muito tarantinesca. No fim das contas, fez sentido tanta promoção do lado violento do filme. Por mais interessante que seja pensar nas ferramentas sociais que temos atualmente, o que leva o filme pra frente são mesmo as cenas ferozes protagonizadas pela Hit-Girl.

Tamanho capricho nas cenas de violência é uma das marcas da fidelidade do roteiro de cinema a algumas das qualidades da HQ; os desenhos de John Romita Jr. são belíssimos, sobretudo nas cenas sanguinolentas. Foram usadas ainda falas originais, a estrutura narrativa e detalhes físicos dos personagens. Ênfase no “físicos”. O que pesa demais contra a adaptação são as mudanças radicais e muitíssimo desnecessárias nos personagens do ponto de vista psicológico e comportamental, conseqüentemente alterando também suas trajetórias.

Engraçado não haver a menor intenção de enxugar os litros de sangue ou sumir com os pedaços voando (nada contra, que fique bem claro), mas existir a necessidade de acabar com todo o desequilíbrio mental e com o fracasso dos personagens. Essa necessidade de tudo terminar artificialmente lindo e perfeito. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última; o roteiro de Garota de Rosa Shocking, passou pela mesma coisa, infelizmente.

Isso é muito irônico porque antes de tudo, Kick-Ass é sobre gente comum. Como diziam os pôsteres, gente que não voa, enxerga através de paredes, lê mentes ou fica invisível. Então qual a razão do pânico de falar de pessoas que não triunfam da maneira que o senso comum espera? Recorrendo ao imaginário americano, não falar dos caras franzinos que viram magicamente capitães do time de futebol e ficam com a garota mais desejada? É triste porque talvez esse seja o aspecto mais louvável do roteiro da HQ, tratar dos losers crônicos e portanto, aquilo que diferenciaria o filme entre os demais. Todos eles, não só os de super-heróis.

Kick-Ass é um filme divertido pelas referências pop, cenas de luta, eventuais piadinhas e pelo “inusitado” que ronda a história o tempo todo. Dá pra curtir. Mas é um daqueles filmes quase bons que claramente poderiam ser mais legais e quem sabe até adicionar alguma coisa e se destacar entre os muitos outros. Mais uma vez, nem que seja só pra ver os desenhos, vale mais ler os quadrinhos.

Um comentário:

  1. eu to querendo ver esse filme.. muito mesmo. todos dizem que se compara ao quadrinho, e este eu li no mesmo dia, todos, ávido.

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