sábado, 5 de junho de 2010

"Sorte vão ter os que morrerem": A História Sem Censuras do Punk


O que eu sou? Medíocre. Um peso-médio. Não sou o cara mais brilhante do mundo, mas certamente não sou o mais idiota: eu li livros como A insustentável leveza do ser e Amor nos tempos do cólera, e entendi, eu acho (eles eram sobre garotas, certo?), mas eu não gosto tanto assim deles (...).

E então Rob Fleming começa a listar seus all-time top five livros favoritos. Olhe aqui, o trecho é de Alta Fidelidade, Nick Hornby, que tomei a liberdade de traduzir (mal). Também conheço alguma Literatura; Tchekhov, Camus, Gogol, Guimarães etc. Devo ter conseguido tirar algo deles apesar da mediocridade, e ao contrário de Rob, adoro essas coisas.

Porém isso nunca me impediu – nem irá - de colocar Please Kill Me: The Uncensored Oral History of Punk (1996), de Legs McNeil e Gillian McCain, no meu desert-island all-time top five. Embora pareça, ele não é só um livro relatando os podres e os grandes feitos dos responsáveis por aquela música rápida, barulhenta e destrutiva.

O subtítulo sintetiza a proposta. Please Kill Me é composto por trechos de inúmeros depoimentos daqueles que participaram da construção disso que hoje chamamos de “punk”, divididos em cinco partes, mais prólogo e epílogo. O período abordado vai de 65 até 91, do nascimento dos grupos que influenciaram diretamente a cena nova-iorquina (Velvet Underground, Stooges, MC5, New York Dolls), até a morte e/ou dispersão dos envolvidos, passando também por outras manifestações artísticas como o teatro e a poesia.

Esse livro é fantástico em tantos aspectos que vou soar suspeita, mas dane-se. Ele foi feito para agradar quem conhece bem as bandas e cenas, mas também não exclui os leigos, porque mais do que sobre a música, o sexo e as drogas, os episódios lamentáveis e gloriosos (ainda que tragicamente humanos), Please Kill Me fala de resistência.

Os artistas que deram início à coisa toda simplesmente não se enquadravam nos seus tempos, fosse pela aparência, preferência musical, mentalidade... Por isso eles criaram seus próprios veículos, ícones e estilos, além da própria música. Esta é uma grande forma de resistência. Portanto, diz respeito a qualquer um que se interesse por arte, e não apenas àqueles que se emocionam ouvindo Ramones. Uma dessas pessoas inquietas foi o próprio Legs McNeil, que fundou o notório fanzine PUNK Magazine em 76 com o cartunista e escritor John Holmstrom e o editor Ged Dunn. Ao lado, o primeiro editorial deles.

Para mim, essa é a alma do punk: a iniciativa de começar uma contracorrente com a qual dê para se identificar. Ele é próximo, acessível. É também o que mais me atrai àqueles desajustados, românticos, incompreendidos. Mesmo sem a técnica e o talento que eles supostamente deveriam ter, produzem sua arte do mesmo jeito; não gostou, azar.

Voltando ao livro, ele é realmente gostoso de ler. Os depoimentos são engraçados, muito coesos na construção da linha do tempo, mas às vezes contraditórios quando tratam de opiniões pessoais sobre bandas e pessoas, o que também é bem divertido. O chato é que esse é o tipo de livro que depois deixa saudades, não só porque os personagens são apaixonantes, mas também porque nossas vidas medíocres jamais serão tão interessantes quanto as deles. Parece que fazemos parte delas, por um tempo.

Há uma edição em português, da L&PM, Mate-me Por Favor - A História Sem Censura do Punk. Sinceramente? Metade da graça vai embora com a tradução. (A parte do Danny Fields falando do Television... Que dó.) Não é um inglês difícil, o do original. Usam muitas gírias, mas acho que dá pra se virar. A edição mais recente também tem vários extras, um monte de fotos e a formação original dos Heartbreakers na capa. Só este último já é um ótimo pró.

"EDDJICATE YOURSELF"

Mais algumas sugestões:

  • NY77: The Coolest Year in Hell. Ótimo documentário do VH1 que fala do punk, disco, hip-hop (os três foram simultâneos), e o contexto sócio-político da época. Foi exibido no Festival In-Edit Brasil aqui em São Paulo, quem sabe passam novamente. Entrevistas com Chris Stein (Blondie), Legs McNeil, Gillian McCain, Richard Hell...
  • Coração Envenenado, de Dee Dee Ramone. Auto-biografia do baixista dos Ramones. É interessante, mas bem deprimente; muito triste a história do Dee Dee.
  • Just Kids, de Patti Smith. Livro de memórias lançado em Fevereiro deste ano, sobre sua amizade com Robert Mapplethorpe, fotógrafo. Suas obras abrangem temas que vão de flores a homoerotismo, passando por retratos de outros artistas e celebridades. A capa do Marquee Moon é dele. Está tendo uma exposição dele em Buenos Aires que vai até dia 2 de Agosto, no Malba.
  • Provavelmente ano que vem sai a auto-biografia do Richard Hell. Na revista The New Tough saiu uma entrevista simpática com ele e trecho do livro. Está quase no fim da página, no "You make me _____."
  • A citação do título do post é a mesma no início do Please Kill Me: " Them that die'll be the lucky ones", Long John Silver, Ilha do Tesouro.

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