segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sem Mais Recifes ou Seattles

Um artigo de maio passado publicado no site Pitchfork a respeito de um novo estilo de música começava com uma declaração de um dos artistas desse estilo mais ou menos assim: "Eu sinto que muito da música feita hoje em dia é feita online. As cenas locais não são mais importantes". Não é mistério para ninguém que a internet virou ferramenta indispensável para qualquer banda hoje em dia: parafraseando Chacrinha, “quem não se conecta se trumbica”. Mas será que essa é uma onda tão forte que passaram a ignorar quem faz o seu som na rua do lado, no quarteirão de trás? Será que as bandas não se juntam mais pra organizar movimentos locais? Nunca mais teremos uma outra Seattle, uma outra Los Angeles do Verão do Amor, uma Recife do Manguebeat, ou coisa que o valha?

O calendário não me deixa mentir: estamos chegando ao fim da primeira década do século XXI. Mas o que isso afinal significa? Significa que há pelo menos dez anos, com o surgimento do Napster, primeiro grande compartilhador (P2P) de músicas via internet, em 1999, ouvimos música de graça sem grandes acessos de culpa por isso. Significa que a indústria fonográfica, que batia recordes atrás de recordes de vendas e de faturamento, teve grandes crises nos últimos anos e a cada dia busca novas maneiras de ganhar dinheiro. Mas também que muitas bandas novas que buscavam espaço, ou veteranas insatisfeitas descobriram novos jeitos de se mostrar ao mundo – e nesse processo o álbum perdeu valor em relação à canção. Significa ainda que um novo nicho de eletrônicos - desde os iQualquercoisa de Steve Jobs até os pendrives que também tocam música comprados na 25 de Março - alterou também a forma como ouvimos música: o modo randômico agora reina, e em um segundo, os chips malucos podem fazer você escutar João Gilberto, Sepultura e ABBA em seqüência sem achar estranho.

Para quem nasceu há 30, 40 anos, todas essas mudanças ainda podem trazer um bocado de nostalgia dos velhos tempos do CD - isso sem falar nos saudosistas do vinil. Mas os artistas que começam a produzir o som da nova década, de certa maneira, já cresceram acostumados com todas essas noções. São pessoas que acham normal ter amigos que só conheceram pela internet, ou exibir seus momentos constrangedores em vídeos no YouTube, ou escrever sobre a sua vida em blogs, ou gravar suas músicas iniciantes e colocar na TramaVirtual. Há três ou quatro anos, o Lúcio Ribeiro expôs essa realidade de uma maneira muito feliz numa entrevista com mais uma das suas "melhores bandas de todos os tempos da última semana": a cantora Stephanie Toth, quando perguntada sobre um parceiro seu, Pedro F. respondeu: "Eu nunca vi ele ao vivo. Eu faço as músicas, mando pra ele, que mora em BH, ele adiciona um violão, mixa num programinha e me manda de volta". Isso sem contar nos milhares de discos compostos, gravados e mixados transoceanicamente - de Gnarls Barkley a Fiery Furnaces.

A partir disso, é natural que bandas que compartilham características e influências, mas não sotaques e avenidas, se tornem amigas e até trabalhem juntas, desenvolvendo parcerias, enviando letras e melodias por quilômetros distantes através de uma simples conexão à rede. Entretanto, será que o mundo virtual está substituindo o mundo real nesse aspecto? A vizinhança de links se tornou onipotente em relação à vizinhança dos quarteirões de uma cidade? Há algo além dos sons e das palavras codificados em bits e bytes? O calor, a vibração, a troca de olhares entre as pessoas, nada mais disso importa?

Não necessariamente. Tem certas coisas que só as pessoas que andam nas mesmas ruas, pegam os mesmos ônibus e comem nos mesmos restaurantes entendem: não dá pra negar, por exemplo, que muitas bandas de Porto Alegre ainda se unam por fazer o tal "rock de publicitário" - cheio de gracinhas e piadinhas nonsense, com backing vocals e riffs grudentos - ou que no Rio de Janeiro toda uma turma procura revisitar, de maneira feliz, a MPB dos anos 60 e 70 - Orquestra Imperial, Nina Becker, +2, Thalma de Freitas – ou ainda que Goiânia tem um dos pólos roqueiros mais efervescentes do país, calcado no stoner rock e centrado no selo Monstro.

Entretanto, todas essas turmas não têm a força das turmas de antigamente: o som das bandas é parecido, e elas até se conhecem, mas é meio cada um na sua. É o que disse o cantor Rômulo Fróes, um dos grandes nomes da cena de São Paulo, em entrevista recente - e genial, diga-se de passagem - ao site Scream & Yell: “É uma cena próxima [a de São Paulo] porque todo mundo toca junto, mas ninguém pensa muito sobre o trabalho do outro".

Trocando em miúdos: as cenas ainda existem, mas falta nelas a coesão que as de antigamente tinham. Falta nessa geração o “Um por todos, todos por um!”. E sem essa coesão, as bandas param de se configurar em movimentos, deixando de chamar tanta atenção de público e de crítica. E talvez essa interligação entre as bandas seja o mais importante: nos anos 80, um dos motivos do sucesso do BRock era porque todo mundo se conectava com todo mundo: o Paralamas tocava Legião Urbana, que por sua vez compunha com o pessoal da Plebe Rude, que eram punks amigos dos Inocentes, que dividiam os espaços em São Paulo com os Titãs, que tiveram o mesmo baterista que o IRA!, cujo guitarrista chegou a tocar com o Ultraje a Rigor, que teve sua “Inútil” tocada em alto e bom som no Rock in Rio pelos... Paralamas.

No fim das contas, o que resta disso tudo? Algo a ser considerado é que, sem uma organização desse tipo, menos holofotes são direcionados para uma mesma direção. Outro ponto importante é que a união dos artistas também resulta em um fluxo de idéias que só tem a acrescentar: grandes álbuns da música brasileira são manifestos de alguns grupos, como “Tropicália ou Panis et Circenses” e “Clube da Esquina”. Com menos idéias e menos atenção, a chance de sobrevivência financeira também fica reduzida: perde-se a conta de quantas boas bandas brasileiras terminaram nos últimos anos porque seus integrantes precisavam “fazer seu pé-de-meia”.

Sem dinheiro, sem boas idéias e sem organização, não há meios da música sobreviver. E assim, meus caros amigos, todo o resto é silêncio.

2 comentários:

  1. Não entendi a sua tese, porque a música está sobrevivendo sim. E vemos essa organização até ans bandinhas modinhas do tipo (replace/stevens/restart) tudo do cenário colorido de São Paulo.
    Só cabe aos salvadores do 80's Metal o fazerem

    :D

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  2. Uhn, o texto tem boas coisas e o mote é bom. duas coisinhas só:
    1-A conclusão usando o pé de meia ficou meio jogada, podiamos ter um paragrafo mais bem trabalhado
    2- A introdução à como ouvimos musica no século XXI dos dois primeiros paragrafos podia ser enxugada.
    3-O texto ta meio "forçado" em alguns pontos pra fazer uma comparação a mais ou coisa que o valha.

    Alem disso tem coisas que eu nem sempre gosto num texto serio tipo "- e genial, diga-se de passagem -" mas que outros gostam então de boas.

    Mas tudo isso é de boas, o importante é que o texto ta legal e a ideia central é um ponto nem tanto lembrado por esse viés (não exaltando apenas a internet como meio de conexão).

    Bom texto, continue escrevendo textos que tratemd e musica genericamente.

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