Quem assiste a um filme costuma se sentir autorizado a fazer uma crítica baseada em seus gostos. Seu julgamento é orientado por um pensamento de identidade, de modo que é através dele que o sujeito busca sua diferenciação. Quando o repertório é pequeno, não gostar de Faustão parece ser suficiente, mas quando se depara com a possibilidade de acesso a praticamente qualquer tipo de conteúdo, o jogo se torna mais complicado. A meninada precisa correr atrás da especificidade máxima: cineasta polonês que gosta de metáfora, versão restaurada de filme cult , mensagem sublinear em filme infantil ... Daí nasce a crença em que o cinema de nicho é melhor que o cinema de massa, a crença em que Tarantino é muito diferente de Procurando Nemo. E não é.Porque, em última instância, estão reproduzidas as mesmas estruturas de dramaturgia clássica. Não a dramaturgia de Aristóteles, mas a de Diderot e Campbell. A dramaturgia repensada à serviço da lógica de mercado e da ideologia burguesa. A dramaturgia que aliena enquanto forma estética. É a jornada do herói individual capaz de resolver os problemas que o mundo lhe apresenta. É a curva dramática e a valorização da subjetividade, que forçam uma ligação afetiva através da identificação com o herói. É o diálogo como garantia da intersubjetividade, que preserva as autonomias e as individualidades. A mudança é conjuntural, não estrutural. Ora é o mafioso blasé sem saber como lidar com a esposa do chefe, ora é a menina-ninja buscando a vingança sobre a morte de seu bebê, ora é o peixe-palhaço procurando seu filho pelo oceano.
O problema desse cinema cult moderno, no qual se enquadra o Tarantino, é a pretensão intelectual que ele carrega. Como se realmente existisse algum tipo de reflexão crítica por de trás de uns personagens perturbadinhos e uma história meio surreal, alguma experiência estética por de trás de uma montagem moderninha. Porque uma coisa é você assumir o aspecto comercial e fazer uma obra esteticamente orgânica, ainda que não-crítica; outra é você fingir que é imune às estruturas de mercado e se propor uma grande obra de arte quando não diz nada com nada. E pra maquiar essa falta do que dizer carrega na estética moderninha. Dos artifícios de Tarantino, dois se destacam: o fascínio estético e a estrutura referencial.A sensualidade enquanto elemento valorativo não é de uso exclusivo de Tarantino, muito pelo contrário, é parte integrante da linguagem da mercadoria. E o estímulo sensual é conhecido de longa data pelo sujeito moderno, das cidades futuristas, dos filmes 3D e das explosões de carro. Mas a forma com que Tarantino o faz é particularmente agressiva. É a roupa de couro amarela, os rios de sangue banhando a tela, a velocidade com que as imagens se sobrepõe. A delícia do design sonoro do corte de uma lâmina é capaz de anestesiar completamente o senso crítico, de modo que o sujeito entra em uma espécie de percepção orbital para com o filme. E em momento nenhum surge espaço para o questionamento moral da banalização da morte. Também não existe espaço para a discussão da hegemonia da amoralidade, como alguns propõe. A violência se vale por si só. É o modo pelo qual se exerce fascínio estético.
Aliado a isso, é criado toda uma estrutura referencial, uma espécie de pastiche. Seus filmes são invadidos por referências à cultura pop e a ele mesmo. Quanto mais obscuras, mais particulares, melhor. É como se ele reproduzisse no próprio filme o pensamento de identidade que orienta o gosto. Cria uma espécie de jogo de adivinhação que exige um repertório muito particular, como se compartilhar de suas referências fizesse a individuação do espectador, demarcasse a diferença entre eles e os outros. É um jogo de afirmação de identidade, de preservação de autonomias. Garante a autonomia do filme, a autonomia dos objetos a que faz referência e a autonomia do espectador que as caça. A associação de elementos díspares dentro do universo ficcional se torna um elemento valorativo, se torna parte da estética moderninha. Ora preserva a autonomia de suas referências, ora as imbui no próprio conceito do filme. A estrutura referencial se emancipa, e passa a se valer por si só.O cinema de Tarantino é tipicamente moderno – do preenchimento das lacunas dramáticas à estética da fascinação à estrutura referencial – e a modernidade se torna valor de troca, se confunde com qualidade. A pretensão intelectual que ele carrega só intensifica seus efeitos. Contribui para a alienação dos jovens fascinados, incentiva a crítica cultural e se vale do pensamento de identidade. Mas os que acham que o cinema de nicho é imune às estruturas de mercado surpreendem-se ao ver o poder de persuasão de Tarantino. Ele se vale de uma estrutura dramática massificada, mas através de seu preenchimento fantasioso e de sua realização estética moderna é capaz de fingir uma obra de arte. Por de trás de um péssimo cineasta há um grande vendedor.
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Sobe a fumaça! Assim que Bud Gaugh (43), Eric Wilson (41) e Rome Ramirez (22) entraram em cena, percebe-se a euforia - natural ou não - do público. Tocando em um horário não muito cotado, a banda de ska/reggae foi vista por muita gente como principal atração e, diga-se de passagem, realmente foi. Em ambas as pistas notava-se a empolgação geral dos que permaneceram para assistir, até porque, por doze anos, seu público teve certeza de que não conseguiria ver uma performance, devido à morte do vocalista original antes do sucesso no Brasil. Em um show breve e faltando apenas duas músicas para completar o álbum Greatest Hits, a banda surpreendeu os que se dispuseram a conhecê-la. (Dinha)







