segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Uma Mentira Conveniente

O SWU acabou faz quase duas semanas, mas deixou muitas reflexões pendentes de todo o burburinho - e lixo - gerado. O mega-evento produzido por Eduardo Fischer, que originalmente deveria se chamar Woodstock, abraçou o conceito de sustentabilidade e se autoproclamou “o maior movimento de conscientização em prol da sustentabilidade já criado no Brasil”. Contudo, shows dessa proporção são por definição insustentáveis - decibéis e decibéis de som não são exatamente benéficos para a natureza - e nenhuma grande mudança de paradigmas foi perceptível até agora. A impressão que fica é a já saturada mensagem ecochata. E sem grandes mudanças estruturais, a nova tentativa de associação do rock n’ roll à natureza foi hipócrita. É válido tentar retomar o ideal de música e vida natural, ou propostas mais sinceras como a do Rock In Rio, saudando o Rock pelo Rock, prevalecerão?

Comecemos pelo conceito de sustentável. A forma que conhecemos hoje foi oficializada pela Conferência de Estocolmo - que ocorreu três anos após o Woodstock original - e ratificada pela Carta da Terra no ano 2000. A mensagem inicial do movimento consistia em que uma pequena mudança nas atitudes individuais e cotidianas geraria uma grande mudança na sustentabilidade. Com alguns poucos flash mobs e dicas de atitudes sustentáveis, o pretensioso movimento já demonstrava concentrar-se no evento, o que aumentou as expectativas e responsabilidades ao levantar tal bandeira. Com o anúncio das bandas tentava-se conservar o conceito, porém, notava-se poucos artistas efetivamente engajados.

Mais uns três meses se passaram, as expectativas aumentaram e o show começou. Logo de início, a sustentabilidade ficou literalmente na porta. A iniciativa mais criativa e válida foi cobrar caro pelo estacionamento (e mais ainda quanto menor fosse o número de pessoas no carro). Se mais formas
de desrespeito ambiental fossem taxadas, já seria o suficiente. Porém, ocorreu justamente o contrário. Sem entrar no mérito da pista especial, o evento começou com uma falta de nexo tremenda: barrar alimentos na entrada. A atitude, apesar de comum, gerou incontável volume de lixo nos três dias, e, sendo a maior parte composta de alimentos, foi estimulado o consumo e conseqüentemente a geração de mais lixo.

A incoerência continuou: a cerveja inicialmente foi vendida necessariamente no copo; as opções do cardápio não se diferenciavam em nada a não ser por uma batata com acompanhamentos vegetarianos; não foram recolhidos separadamente os produtos recicláveis; foram cobrados preços abusivos (a opção mais barata era um espetinho de carne por R$6,00); e um ponto importante a ser ressaltado é a venda de garrafas de plástico d'água. A própria existência da água vendida desta forma (como mostra o vídeo) já causa transtornos irreversíveis. A retenção das garrafinhas na porta só tornou mais hipócrita. Porém, quem acha que a Nestlé - que foi uma das principais patrocinadoras - abriria mão da venda de seu principal produto?

A responsabilidade social dos stakeholders foi discutida com figurões internacionais da causa no Fórum Internacional, mas a presença do público se restringiu a menos de 1% dos presentes. Com a ressalva de uma tentativa de discurso por um ativista desconhecido no dia 10, antes da última atração, com um tom pastoril que só resultou em vaias. Percebe-se que o discurso permaneceu em segundo plano. Sim, havia exemplos de aplicação de energia renovável - mas não para os gastos principais -, obras de arte (clichês) feitas de lixo, disponibilidade para conhecer ONGs ativas como a Um Teto Para Meu País ou até trocadores, mas nada disso foi colocado de forma a chamar muita atenção. Além das filas longas, revistas mal-feitas, problemas de som (também conseqüência dos problemas de gerenciamento). Que fiquem registrados os meus parabéns à equipe do Limpa Brasil por ter organizado toda a coleta e triagem de lixo durante os três dias.

Se de fato se sonha em produzir um projeto que proporcione a mudança de consciência, é necessária a construção coletiva desse projeto. O SWU usou e abusou do Twitter durante os seis meses que o precederam, mas de forma unilateral. O Woodstock original ocorreu em uma época onde as utopias estavam no auge, porém o que se percebeu de relação entre discurso e prática foi justamente o contrário. Muitas bandas que lá tocaram não sabiam da proporção daquilo, não imaginavam lidar com tanto “paz e amor”. Mas acertos dos organizadores na época - como liberar a entrada a todos ou consentir com todo tipo de manifestação - permitiram que o maior evento de música até os dias de hoje ocorresse. O que resta ao SWU é terminar o seu plano de ações oficial plantando o equivalente perdido e tentar se adaptar aos próximos eventos: mudando ou o discurso ou a prática.

5 comentários:

  1. Admiro sua persistência em pesquisar e ler sobre as metas do SWU, as empresas envolvidas e etc. Eu sinceramente não me importaria o suficiente com o assunto, e afinal, a questão é essa: ninguém se importa realmente.
    E é isso aí, esse é o primeiro texto que li que critica de alguma forma esse evento que já de início me pareceu falho nas metas. É sempre bom ter aqui uma visão crítica indicando que nem tudo é um mar de rosas. Super parabéns, de verdade (:

    ResponderExcluir
  2. Tenho que concordar com o comentário acima de que, na verdade, ninguém se importa DE FATO com as metas do SWU, nem empresas, nem o público - que foi pela música, é claro.

    Infelizmente, a bandeira verde virou modinha e muitas propagandas estão se aproveitando disso. E nós, biólogos(ou aspirantes) é que acabamos sendo os "ecochatos" no final das contas.

    Apesar dessa hipocrisia, já é um começo. De uma forma ou de outra, as pessoas vão acabar entendendo que não basta jogar latinhas no cestinho colorido. A mídia está dando mais espaço para o assunto, mesmo que de maneira fragilizada por enquanto, mas que está cada vez mais tomando proporções maiores.

    ResponderExcluir
  3. Isso será TÃO divertido.
    Agora eu não preciso mais rasgar seda para os seus textos. E isso me dá um sentimento igual ao do Capitão Gancho quando ele finalmente encontra o Peter Pan (mwahahaha).

    Enfim, a iniciativa de escrever sobre essa tema foi excelente.
    Ainda mais vindo de você, que estava tão mimimi para ir no $WU.
    Enquanto você me mandava mensagens de como tudo estava tão legal e tão lindo (toma essa sua trouxa, ME mandava mensagens ;P), eu assistia pela televisão muita gente falando exatamente o que você está dizendo no seu texto.
    E fico extremamente contente que você tenha percebido isso, Ti.
    Por isso, meus sinceros parábens!

    Agora, você precisa urgentemente começar a ler os clássicos. Não que eu não goste da maneira que você escreve, mas acredito que ajudaria substancialmente o seu desenrolar (adoro essa palavra heheh) textual.

    No mais, é isso :)

    Com carinho (ou não)

    ResponderExcluir
  4. Com MUITO carinho.
    E você sabe que eu te amo, idiota =p

    ResponderExcluir
  5. pois é, shows grandes sao mesmo insustentaveis.
    gostei do seu texto cara! assim que vc tiver um
    tempinho livre (meio dificil pra qualquer um né haha)
    escreve um ou outro texto estilo madruga tripper
    e me manda pra matar as saudades do seu antigo
    blog, que era bem legal tbm haha
    abraço!

    ResponderExcluir