quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Liberté & Nanquim

No fim de Agosto, já antecedendo esse clima agradável de eleições, o STF suspendeu um artigo de lei que proibia rádios e canais de Tv de “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Em outras palavras, usar o humor. Coincidência ou não, um mês depois dessa bem-vinda dose de bom senso foi inaugurada em São Paulo uma exposição do trabalho do cartunista, escultor e jornalista Jean Plantureux, o Plantu.


A exposição está legal. Pequena e se não fosse o ar condicionado, meio claustrofóbica, mas boa para conhecer um pouco desse artista que publica no Le Monde há longos 38 anos - na primeira página – com comentários cáusticos sobre política, sociedade e costumes, não só sobre a França, com um traço bem classudo. Além de Plantu, ganharam espaço também os nossos Loredano, Chico Caruso e o divo Angeli, pela similaridade de temas e veículos; daí o diálogo que deu nome à exposição (mais abaixo).


Ir a essa exposição vale a pena porque ela aborda a face ameaçadora do humor. O humor expõe o ridículo, o risível e o absurdo de modo grotesco, irônico ou sutil, numa linguagem de fácil apreensão, a visual. Isso tem muita força. Claro que às vezes charges e cartuns podem vir a ofender alguém mais sensível ou alguém que já estava a fim de brigar desde o começo. E aí entra aquela doença que é o politicamente correto.

Agora pausa para o editorial da edição 1 de Chiclete com Banana, Outubro de 1985:

O ser humano é meio panaca mesmo. Alguns engolem fogo, outros escalam o monte Everest, outros ainda deitam em cama de prego; e nós resolvemos fazer um gibi – ou seria uma revista? – de galhofa para galhofeiros. Dois pontos, entre outros, são difíceis nesta façanha editorial: primeiro, concorrer com um pato idiota aí de cima [tinha um desenho Donald]; e segundo, fazer galhofa num país onde ultimamente todo mundo se leva muito a sério. Não! Não vamos encher seu saco narrando as desventuras do desenhista nacional contra um bando de patos afeminados e não assumidos, pois você não comprou essa revista – ou seria gibi? – para ouvir lamúrias, e nem vamos derrubar o governo da Cisjordânia, se é que lá tem governo. Queremos com esse gibi – ou seria revista? – apenas beliscar a bunda do ser humano pra ver se a besta acorda.

Angeli

Ou seja, o mundo estava chato em 85 e não melhorou muito desde então. Anda difícil fazer um comentário jocoso sem algum infeliz vir carimbar um “ismo” na sua testa, o que também é conseqüência de alguns se levarem a sério demais. Há necessidade de filtrar o que se diz, escreve e faz para que ninguém se ofenda, processe ou coisa pior; na exposição do Plantu, as referências ao caso das charges de Maomé são apenas uma fração do quadro todo. A tentativa da proibição do humor político citada acima idem. Esse tipo de coisa limita as formas de expressão e portanto provoca um empobrecimento cultural generalizado.

Não conheço a fundo o trabalho de Plantu, porém pude notar que um personagem recorrente nos seus desenhos é uma bela caneta tinteiro, atuando como um instrumento de defesa e ataque. Uma forma elegante e sutil de constatar a importância e o poder da palavra escrita, do conhecimento e da liberdade de expressão. Não que precise de elegância para isso; beliscando a bunda do ser humano já está ótimo.


E sim, “the pen is mightier than the sword”.




Exposição Diálogos com Jean Plantu
Sesc Consolação – Rua Dr. Vila Nova, 245 – São Paulo. (Travessa da R. Maria Antonia)

Vai até dia 30/10, Sábado


E caso isso esteja te incomodando, a pronúncia é algo como "plántchu".


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