quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sungas, Palmeiras e Sabiás

"Sunga", do Holger, é o melhor disco estrangeiro feito no Brasil do ano. O álbum de estréia da banda paulistana de neo-folk, synth-rock moderno, afro-pop-da Rua Augusta ou qualquer outra denominação inventada nos últimos cinco minutos por críticos da Pitchfork e pelo Lúcio Ribeiro que pode e deve ser desprezada, pode surpreender a ouvidos incautos que cruzarem com seu caminho. Mas, ao mesmo tempo, pode deixar um tanto insatisfeitos aqueles que acreditam que a música pode e deve refletir, um pouco que seja, a realidade do lugar em que ela é feita.

Trata-se de um disco, que, logo na primeira escutada, pode-se acreditar ter sido feito em qualquer buraco do Brooklyn ou numa viela enevoada de Londres: a sonoridade da banda formada por Pedro, Arthur, Tché, Marcelo e Bernardo (que se revezam nos instrumentos durante os shows) está perfeitamente alinhada com sons que dominam as paradas (indies) e as listas de melhores discos e shows do ano lá fora. "Caribbean Nights", por exemplo, poderia ser muito bem o single de destaque que faltou no último disco dos novaiorquinos do Vampire Weekend. "No Brakes", por sua vez, não faria feio no repertório do Tokyo Police Club - e "She Dances", a música fofa do álbum, teria tudo pra brilhar na mão de uma banda como o Phoenix.

Mas, olhando pelo ponto de vista oposto, até mesmo um ouvinte atento teria dificuldade de acreditar que se trata de um punhado de canções gravadas na terra da garoa. Ainda que algumas canções contenham certa ginga e balanço, não é nada que não possa ser visto em festivais como o Lollapalooza ou o de Reading. O principal motivo para tal desconexão entre a pátria-mãe e a obra dos jovens do Holger é que todas as canções do disco são cantadas em inglês – o que é sempre um entrave para a comunicação direta com o ouvinte lusófono. Como diria Renato Russo: "Quando você canta em português dá pra você ter a certeza de que as pessoas estão entendendo tudo o que você está falando. Aí, quando você canta em inglês, parece que você está cantando sozinho."

É claro que cantar em inglês hoje é mais uma opção estética - ainda mais para uma banda que antes de lançar seu primeiro disco já excursionou pelos Estados Unidos - do que exatamente uma vontade de ser udigrúdi ou aquela idéia (antiquadíssima) de que “rock não funciona em português”. Vale lembrar também que o surgimento da Internet possibilitou certa independência do artista quanto a essa tal opção estética - ele pode simplesmente mandar seu som para qualquer lado do mundo e assim, conquistar um público cativo que pode nem chegar a assisti-lo ao vivo um dia, já que vive do outro lado do mundo. E fala outro idioma - o que pode mudar muita coisa.

Cada idioma tem seu próprio conjunto de falantes e de palavras, e para cada falante de uma língua, determinadas palavras remetem a situações específicas. É algo mais do que uma simples acepção do pai dos burros: , como a “saudade” na língua portuguesa, o termo “bliss” no inglês ou o conflito entre pássaro e oiseau na poesia de Manoel de Barros.

Ao não cantar em seu idioma nativo, um artista acaba por optar por deixar de lado boa parte de suas lembranças, de sua trajetória. É importante ressaltar que, tendo crescido no ambiente recente da globalização, no qual a influência de outras línguas no cotidiano se faz presente, esses artistas também possam ter sido marcados por vocábulos ou expressões de outros idiomas (como aqui, no caso, o inglês). Mas esse universo de estrangeirismos não soa suficiente para gerar um panorama de referências para a criação de uma obra mais empática, por assim dizer.

Por isso, quando canta em português, o compositor brasileiro acaba por atingir mais facilmente os corações e as mentes de seus compatriotas – porque estabelece com seu público uma relação de cumplicidade: ambos, de certa maneira, acabam por entender os significados intrínsecos que uma palavra simples como “tijolo” ou “mexerica” pode ter. Assim, de alguma maneira, a comunicação torna-se facilitada – e os objetivos artísticos, a compreensão do artista por parte do público é mais ampla do que seria, em tese, de outro jeito.

Essa questão – sobre a língua em que a obra é feita – é apenas parte de um grande debate sobre identidade nacional – que já deu pano pra muita manga . Hoje, em tempos globalizados, tal discussão pode soar um tanto quanto antiquada à primeira vista: mais do que ser simplesmente uma banda de São Paulo ou de Glasgow, seja importante para um grupo veicular uma mensagem universal, que todo o mundo receba - a diferença entre ser “local” e ser “global”.

Mas é justamente no ambiente globalizado em que a diversidade também pode fazer a diferença: o pastiche de música de linguagem “universal” pode acabar simplesmente sendo ignorado face a uma música original, como a brasileira. Casos não faltam: de Mutantes a Tom Jobim, passando pela lambada e pelo Sepultura (!) até chegar em Egberto Gismonti, todos fizeram a cabeça dos gringos, sem precisar fazer concessões que deturpasse o sentido original de sua arte. A questão que aqui fica, caro leitor, é: o que lhe agrada mais?: ver os sabiás da rua Augusta, da praia de Ipanema ou da Avenida Oswaldo Aranha cantando as palmeiras de cá ou vê-los se transformar em águias reais que querem declamar as belezas dos pinheiros da zona temperada setentrional.

7 comentários:

  1. Bruno,

    Temos bastante vontade de compor em português, principalmente no nosso material novo. Não compusemos até hoje por que nunca conseguimos criar algo em português que nos deixasse satisfeito...

    No entanto tentamos ao máximo levar uma identidade brasileira para o nosso som, boa parte das nossas referências são daqui. Mesmo assim não acredito que fazemos música para o povo daqui tão pouco para o povo de fora; fazemos a música que gostamos, que nos divertimos fazendo...

    Bom lembrar também que Sepultura canta em inglês, Tom Jobim cantou em inglês, Mutantes lançou um disco em inglês e tantos mais outros ótimos brasileiros lançaram trabalhos em outras línguas. A identidade não está só na língua; o próprio Legião Urbana que você citou soava musicalmente muito mais como Smiths do que qualquer coisa brasileira, isso sem falar nas inúmeras bandas daqui que soam como Strokes, Artic Monkeys etc...

    Obrigado pelas palavras, essa é uma boa discussão a ser levantada.


    Um abraço Pata.

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  2. Por que o nome o seu blog é em inglês?

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  3. Tomando a liberdade de responder:
    http://www.youtube.com/watch?v=Wos-dDxpJlQ


    Pegou o trocadalho do carilho? ;)

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  4. Uhn, algumas considerações:
    Já que o texto ia falar mesmo é de qual lingua os caras cantam, não podia ter usado a banda como exemplo, fico meio estranho você começar falando da banda e ir universalizando a discussão até quase esquecer da banda...

    Outra:Nada contra ninguém cantar em nenhuma língua, mas eu sinto falta do rock bem feito em portugues e, muito além da língua, parecendo rock brasileiro, porque me desculpem todos vc que em geral curtem, eu to com o cara, muita coisa feita aqui parece simplesmente artic monkeys, mesmo cantada em portugues...

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  5. Bem relativo isso da língua, pois ela é importante tanto em significado quanto como elemento da sonoridade. Vanguart é melhor nas músicas em português, já o Forgotten Boys é muito melhor em inglês. O Holger vai indo bem em inglês, não tenho reclamações mas também não acho que devam se engessar criativamente, vai que sai uma música em javanês muito massa.

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  6. Oi Federowski, valeu pela resposta, mas vc não entendeu a pergunta, queria saber porque o nome do blog é em inglês, não de onde saiu o nome, ok?

    abs

    João da Silva

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  7. Olha, como foi eu que sugeri o nome inicialmente, tomo a liberdade de responder: cultura pop sempre esteve ligado a cultura norte-americana - a ideia inciial foi sim "pop para o povo" e somando-se a referência com um dos meus heróis John Lennon, achei um nome super adequado

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