quinta-feira, 29 de abril de 2010

Além do topete de La Roux


Antes de qualquer coisa, ouça.

On nomes britânicos Eleanor Jackson e Ben Langmaid podem não parecer muito impressionantes para você. Mas junte isso com um estilo eletropop/synthpop de música influenciado por bandas dos anos 80 do tipo Despeche Mode - cujo álbum Speak & Spell, de 1981 é o favorito de Elly - mais um topete ruivo e pronto: La Roux (fala-se "lá rú". Eu, na minha parca experiência musical, nunca tinha ouvido algo com uma batida tão eletronicamente repetitiva que desse para ouvir com tanto gosto, sem cansar - e a voz singular para completar.


Se você ficou curioso ao ler o nome, era isso mesmo que Elly queria. Na verdade, ela nem sabia o que significava quando topou com as palavras, só depois percebeu que juntavam a parte francesa dela com seu ícone capilar. Daí é estranho o "roux" estar no masculino, o que ela explica: "Para mim, significa "a pessoa ruiva" - e é isso, vagamente. É só uma versão masculina disso, o que considero ainda mais legal, porque eu sou, bem, andrógina de qualquer modo. Então meio que faz sentido". De fato, Jackson tem uma personalidade e tanto (vide clipe de Bulletproof), que não se restringe à aparência, mas abarca também suas opiniões um tanto quanto provocativas. Por exemplo, se Rihanna não tivesse sido agredida pelo namorado Chris Brown ano passado, era bem possível que quisesse gravar algo com La Roux. Ao que Elly responde: "Se eu realmente quero trabalhar com Rihanna? Na real não. Estou mais interessada do que o telefone se tratava". Lady Gaga também "it's not my thing", segunda ela "Quero dizer, você não ouviu minhas músicas?". Outro fato curioso é o de ela ir na marcha ré quando fala que não acha que a internet, as redes sociais e as revistas de fofoca vão ajudar carreiras de músicos, porque faz com que eles percam o mistério e a intriga. Bem que ela queria voltar no tempo em que havia certa distância entre artista e audiência, e "all about the music, not Twitter and blogging and all that bollocks"

Como só ela canta, perguntemos: que faz o outro, Ben Langmaid? Co-escritor e co-produtor. Fica só em Londres, sem acompanhar nos shows. Isso é, de fato, engraçado, mas ela garante que é uma colaboração 50%/50%. "La Roux is very much my personality and the songs are about my life. He just wants to make music, he doesn’t want to get involved in all the rest of it. He’s not part of the live show because there’d be nothing for him to do.He doesn’t sing, so he’d just be standing on stage for the sake of it." Mas ainda assin Ben fica irritado quando ela chega com uma cara típica de quem passou a noite inteira fora. De qualquer modo, eles se conheceram por meio de um amigo em comum em 2006 e começaram fazendo música acústica, vindo o primeiro single "Quicksand" em 2008, depois "In For The Kill" ano passado, e por aí vai. Atingiram as paradas de UK e estão cda vez mais nos top hits, principalmente nos EUA.

Ainda assim, é óbvio que não é só Eleanor Jackson e Deus nos palcos: Michael Norris no teclado e computadores, Mickey O'Brien no teclado e segunda voz (namorada de Jim Surgess e irmã mais nova de Ed O'Brien, do Radiohead) e William Bowerman, na bateria (que participou de uma banda com o fofíssimo nome de I Was a Cub Scout).

O primeiro álbum da banda foi lançado em Junho de 2009, e foi escrito como um modo de resolver sentimentos dolorosos que resultaram de um desejo desesperado por alguém que não a queria mais, sentimentos estes "long gone" - bem claro na "Bulletproof" e "I'm Not Your Toy". Essas mais "Colourless Colour" e "Fascination" são as que recomendo para se ter uma noção melhor de o que está por trás daquele topete - vá lá, não é todo dia que se ouve um "I’ve always been a tomboy and I’ve always wanted to get out of bed and not have to do my hair. Now I do." da parte de alguém.


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terça-feira, 27 de abril de 2010

Bootlegs: a um palmo da realidade

foto por Jeremy Hall

Todo fã de música pop já se deparou com esse maravilhoso invento da pirataria musical que é o bootleg. Para os mais, por assim dizer, inocentes, uma explicação: bootlegs são gravações não-autorizadas, em áudio ou vídeo, de um show. Podem variar de um registro feito por um celular pré-histórico (daqueles que têm o jogo da cobrinha) até frutos de um processo semi-profissional obtidos por meio do suborno do encarregado da mesa de som. Obviamente, a maioria deles se aproxima mais da primeira categoria. Mesmo assim, pouco a pouco eles tornaram-se uma categoria aceita – é bom deixar claro: pelos fãs, não pelas gravadoras – dentro da cultura pop. E, na minha opinião, uma das mais importantes e válidas.

Primeiro por sua importância histórica: alguns shows que marcaram época só podem ser achados nesse formato. Por exemplo, a lendária turnê mundial de Bob Dylan de 66. Na época, o cantor afastara-se de suas raízes acústicas e começava a se apresentar acompanhado de uma banda de rock (então conhecida como The Hawks e que mais tarde se tornaria a The Band) e seus fãs, que praticamente formavam uma seita religiosa, chegaram perto de crucificá-lo. Em uma apresentação em Manchester, um membro da audiência exaltou-se e berrou “Judas!” após uma rendição particularmente ácida de “Ballad of a Thin Man”. Dylan, com seu habitual auto-controle e respeito ao próximo, respondeu: “Eu não acredito em você. Você é um mentiroso”, voltou-se para a banda e ordenou: “Vamos tocar essa próxima alto pra caralho”, para então dar início a uma versão explosiva de “Like a Rolling Stone”, num diálogo que passou para a História somente sob a forma de um bootleg.

Mas principalmente porque é impossível achar uma representação mais próxima do que o artista é na realidade. Claro, existem os álbuns ao gravados ao vivo, mas mesmo estes geralmente sofrem todo tipo de tratamentos de pós-produção e acabam mostrando uma versão trabalhada e polida da apresentação. Bootlegs, ao contrário, carregam consigo toda sua energia e espontaneidade. Carregam também, é claro, algumas surpresas: você descobrirá que Mick Jagger mais berra do que canta no palco e que Bob Dylan é bem mais fanho do que parece em seus discos. E, sinceramente, quem liga pra isso? Quer Dylan soe como um cantor ou como alguém num walkie talkie, o fato é que o seu show é um dos mais emocionantes da história do rock, e que jeito melhor de desfrutar dessa emoção do que rodeado por milhares de fãs vibrantes?

O fato é que é difícil encontrar gravações mais rock n’ roll do que essas. E, enquanto antes o acesso a bootlegs era restrito a locais especializados e obscuros, com o advento da Internet sua oferta tornou-se quase infinita: praticamente qualquer apresentação, seja um megashow no Morumbi ou uma piadinha num boliche pode ser encontrada na web. Ou seja, daqui a 20 anos você provavelmente vai conseguir apertar o play no Windows Media Player e falar para o seu filho: “papai estava nesse dia”. Isso quer dizer que o bootleg vai substituir o álbum ao vivo? É assunto para outro texto. Só posso dizer que é bem legal ouvir o Thom Yorke cantar “There There” e saber que eu estava a uns 10 metros dele nessa hora. E isso vale muito mais do que uma gravação em alta fidelidade.

DICAS:

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domingo, 25 de abril de 2010

Quase Melhor Que A Bomba de Chocolate: As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky

Vou começar esse texto com uma confissão, que pode de início soar um bocado parcial: eu sou um grande fã do cinema brasileiro. Principalmente porque seus produtos são muito mais próximos da minha realidade – sou até capaz de dizer que um filme brasileiro médio consegue virar bom só por ser brasileiro, só por falar das coisas da minha terra. Imagine então minha empolgação quando eu ouvi falar sobre "As Melhores Coisas do Mundo" (clique para ver o trailer) : direção da Laís Bodanzky, roteiro baseado na série "Mano", do Gilberto Dimenstein, falando sobre adolescência, e em São Paulo. O aspecto mais relevante desses todos para essa pequena análise é que o filme fala sobre adolescência, algo bem raro no cinema nacional, diga-se de passagem. E sua maior qualidade é também seu maior defeito.

No filme, acompanha-se a história de Mano, um adolescente de classe média que se vê às voltas com a separação dos pais e o conseguinte relacionamento homossexual de seu pai, com a perda da virgindade, o conflito do primeiro amor, picuinhas e calúnias que ocorrem na escola, a música como ferramenta de escape, o irmão mais velho revoltado que desmancha o namoro e pensa em se suicidar... Como se pode ver, tantos são os temas que, em algumas passagens, o filme pensa em abraçar o mundo de um adolescente e não agarra mais nada que o ar, uma vez que eles se superpõem e acabam não chegando a grandes conclusões - como é o caso do fim do namoro e a tentativa de suicídio de Pedro, o irmão de Mano.

Mas o filme tem muitos acertos e algumas surpresas. A começar pelas atuações do elenco mirim - com destaque para a dupla Francisco Miguez (Mano) e Gabriela Rocha (Carol) - e de Paulo Vilhena, na figura do conselheiro travestido de professor de violão - sim, ele conseguiu sair do seu papel característico e dar algum estofo ao personagem. A delicadeza com que certas cenas são tratadas também é algo a se comentar: a cena inicial, por exemplo, na qual Mano e seus amigos vão a um bordel, é de uma rara fineza na produção cinematográfica brasileira. Ou ainda o trabalho de pesquisa extensivo, que deu força a determinadas passagens do filme, como a do “esquenta” antes da festa de quinze anos, ou a da repercussão de fofocas emitidas pela blogueira Dri – algo bem próximo da série “Gossip Girl”.

Uma coisa interessante na película é que ela pode agradar tanto às meninas que lêem a revista Capricho (pela presença de Fiuk, o famigerado filho do Fábio Jr) quanto a seus pais quarentões que se emocionaram vendo os filmes de John Hughes nos anos oitenta. Aliás, muito bacanas as referências ao seminal "Clube dos Cinco", seja na figura da "Bruna Sapata" que lembra a Allison (a gordinha tímida), seja na presença da chapa montada pelos amigos de Mano a fim de combater preconceitos e difamações ocorridas na escola em que estudam. Outra citação respeitável é o uso de "Something" como trilha sonora para as desventuras sentimentais de Mano.

Falando sinceramente, o problema de "As Melhores Coisas do Mundo" não é exatamente seu. É do cinema brasileiro como um todo - e, ressaltando meu lado tiete, me deixa triste. São tão poucos os filmes tupiniquins que conseguem falar de determinados temas - adolescência, futebol, música, história - que muitas vezes eles acabam por se atropelar nessa vontade de falar de tudo que envolve aquele assunto. É o caso, por exemplo, de "Boleiros 2" ou "Durval Discos", que partem de ótimas premissas e se enroscam em conclusões malfeitas. A conclusão a que chego é: trata-se de um bom filme, de fato. Mas se resolvesse se focar em apenas dois ou três temas, em vez de atirar para todos os lados, "As Melhores Coisas do Mundo" poderia tomar o lugar da bomba de chocolate da padaria da esquina, líder indiscutível das últimas 28 semanas.

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

A Caixa: velho dilema moral transformado em ficção científica


Você consegue viver com a morte de um desconhecido na consciência - por um milhão de dólares?

É mais ou menos assim que começa A Caixa. Um homem misterioso, com uma cicatriz enorme no rosto (Frank Langella, talvez mais conhecido pelo seu papel em Frost/Nixon, de 2008), faz uma proposta ao casal Norma (Cameron Diaz) e Arthur (James Marsden): eles têm 24 horas para decidir se apertam ou não o botão de uma caixa. Caso apertem, duas coisas vão acontecer – ganharão 1 milhão de dólares e alguém que eles não conhecem morrerá.



Arthur Lewis é um engenheiro da NASA que sonha em ser astronauta, mas é rejeitado por ter reprovado o exame psicológico. Norma é uma professora de literatura em uma escola particular, onde recebe um desconto para o filho Walter estudar. Como qualquer família de classe média, eles se deparam com dificuldades financeiras: o tal desconto da escola é cortado, Norma precisa operar o pé (desfigurado há muitos anos devido à negligência médica)... Enquanto estão sentados discutindo se devem ou não apertar o botão, e se realmente vai acontecer alguma coisa, de repente Norma adianta-se e finalmente aperta o botão.

A próxima cena é exatamente o que todos esperam: Arlington, o homem da cicatriz, aparece à porta da casa com uma maleta contendo um milhão de dólares e leva a caixa embora, apesar dos protestos do casal para desfazer o acordo. E aí começa a seqüência de acontecimentos bizarros, começando pela morte de uma mulher (como Arlington havia dito que aconteceria caso o botão fosse apertado).

Apesar da direção de arte impecável e a premissa interessante, o filme se perde em meio a conspirações alienígenas e seqüências de acontecimentos desnecessariamente confusas e que não adicionam nada à história. A trilha sonora também em certos momentos é exagerada, dando um certo aspecto cômico ao filme. Nas atuações, também não há o que comentar de muito positivo. Até que Cameron Diaz se vira bem no papel, apesar da personagem não ter lhe favorecido. Já James Marsden não conseguiu se desvincular da sua imagem de Ciclope “bonzinho” que construiu com a trilogia X-Men.

O filme me passou a impressão de que o diretor e roteirista Richard Kelly quis fazer um caldeirão de referências e de pontos de vista que, no fim, só ficou confuso porque cada um desses pontos não foi aprofundado o suficiente para o espectador parar e refletir. De dilema moral e crise econômica, ele permeia por elementos conspiratórios e religião, para desembocar num moralismo manjado. Inúmeras questões são levantadas e ficam no ar sem respostas, e a mensagem mais clara que dá para captar no meio de tudo isso é que o altruísmo salvaria a humanidade.



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domingo, 18 de abril de 2010

O Edifício, de Will Eisner

Saiu recentemente Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada, livro no qual o jornalista Greil Marcus analisa meticulosamente a canção de ‘65. A fama dessa música tem inúmeras origens. Entre elas está o fato de que depois do seu lançamento, o rock, que para a maioria não passava de mero barulho acéfalo que estava destruindo as mentes de uma geração inteira, ficou com uma cara bem diferente. Claro que antes de “Like a Rolling Stone” já existiam muitas composições brilhantes, mas a partir daquele momento ficou bem óbvio que era sim possível haver profundidade, sofisticação, e lá vamos nós, "arte" em uma canção pop.

Will Eisner (1917-2005; pronuncia-se “Aisnir”) fez algo parecido pelas histórias em quadrinhos. Porém, ainda existe preconceito em relação à relevância das HQs e ao que elas têm a oferecer. Aliás, animações sofrem do mesmo mal. O Edifício, obra já da maturidade de Eisner, é uma boa pedida para quem já ama quadrinhos e para quem está disposto a adentrar nesse universo riquíssimo e não sabe por onde começar.

No Brasil, as publicações de quadrinhos em jornais e revistas começaram na segunda metade da década de 30, destinadas ao público infantil. Nos anos 40 e 50, esses quadrinhos foram alvo de críticas ferozes alegando que eles seriam responsáveis pela queda no rendimento escolar de crianças e comportamento violento, por exemplo. Professores, pais, psicólogos e Mussolini acreditavam nisso. Sério. E exatamente em 1940 Will Eisner estrearia a série revolucionária que viria a ser sua obra mais importante: The Spirit.

Prefiro falar de O Edifício (The Building, 1987). Primeiro que Spirit é uma série, ou seja, são vários volumes. E eu nem li tudo; mais de 20 e nem todos são do Eisner. Outra coisa é que O Edifício é um clássico representante de graphic novel, romance gráfico, que em geral é uma história compilada em um só volume, com formato de romance. O termo se aplica também pelo conteúdo, por se aproximar mais da literatura.

(Cá entre nós, chame do que você quiser.)

O Edifício sugere uma ponderação da relação dos habitantes de grandes cidades com os elementos as compõe e sobre as histórias que ficam impregnadas nestes elementos. O ponto de partida é um típico edifício nova-iorquino, daqueles maltratados estilo “Friends”, que é demolido e substituído por um moderno. Porém, um dia, quatro fantasmas aparecem na porta do novo edifício.

Concordo que à primeira vista não parece ser algo grandioso. Não se engane. Essa foi a maneira encontrada por Eisner para iniciar a sua hipótese intensamente poética de como essas histórias, de pessoas comuns, sobrevivem; esta hipótese tange também acasos e coincidências. Os quatro fantasmas são pessoas que tiveram grandes memórias relacionadas àquele lugar. Suas trajetórias sofridas são contadas separadamente até o comovente clímax na porta do novo edifício, que ficará sem comentários para evitar spoilers. Tudo isso em um traço detalhista nos espaços e expressionista nos personagens; lindo.

Vale muito a pena ler O Edifício. Tudo bem que a história se passa em Nova York, em um momento no qual Eisner estava se dedicando a retratar a cidade, mas isso é um detalhe. O que acontece nessa HQ não é diferente do que acontece todos os dias em São Paulo, Rio de Janeiro, Chicago, Tóquio, etc. Quem sabe você começa a enxergar um pouco mais de poesia e humanidade na sua cidade suja, hostil, barulhenta.

Sobre os quadrinhos, já passou da hora destas publicações receberem a atenção e o respeito que merecem. Como estava em um dos textos da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (saiba mais abaixo), "o adulto lê histórias em quadrinhos porque não será completa a sua atualidade sem mais essa força de expressão". Fato. E prometo que o seu rendimento escolar não vai cair.


A quem interessar: O Edifício pode ser encontrado na coletânea da Quadrinhos na Cia. - Cia. das Letras - Nova York: A Vida na Grande Cidade, com introdução de Neil Gaiman. Saiba mais sobre o livro e o Eisner aqui.

E para finalizar... Ramones. Eles eram fãs de quadrinhos. Sheena, Queen of the Jungle foi criada por Will Eisner e Jerry Iger e publicada pela primeira vez em 1937. Teve filme até. E um poema de Robert Archambeau chamado "Sheena is a punk rocker". Como a música, é claro.

Perdão, é que eu nunca teria oportunidade de falar disso novamente.

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Calendário em São Paulo

2011: Há chances concretas de ano que vem acontecer uma comemoração - com estilo - dos 60 anos da 1ª Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. Pois é, ela aconteceu no Brasil, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Soube semana passada, da boca de Álvaro de Moya, considerado o maior especialista em HQs do país, um dos responsáveis pela exposição e lenda viva. Mas isso fica para outro dia.

Eventos em breve. Muito em breve:


-Exposição: Do Superman ao Gato do Rabino (ótima!)
até 25/04

-Balões de Personalidade, com Tiago Judas
Oficina de criação de personagens.
24/04, Sábado, 16h.

-Contação de Histórias: O Gato do Rabino, de Joann Sfar
Contado por Daniel Warren e Andrea Dupre
25/04, Domingo, 12h.

-Exibição do filme Crumb, de Terry Zwigoff,
seguido de bate-papo com Gualberto Costa e Rogério de Campos.
24/04, Sábado, 19h.


-Exposição Quadrinho Marginal, 40 anos
Terça a Sexta, das 10h às 20hs
Sábados, Domingos e feriados, das 10h às 18hs.
até 30/04
(não é tão legal assim, é BEM humilde; vale a pena se você tiver interesse em anotar nomes pra pesquisar depois. Por outro lado, é na Gibiteca Henfil, então você vai ter o que ler.)

-Oficina: O processo criativo nas histórias em quadrinhos - Da idéia à arte final
com Alexandre Manoel Ferreira
até 05/05 (em andamento, começou 10/03)
Ligue antes; não sei como estão organizando as vagas.

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

LCD Soundsystem - This is Happening

James Murphy, membro fundador e, na prática, único integrante do LCD Soundsystem estabeleceu-se na última década como o ídolo de uma legião de music geeks (uma categoria na qual, é bom deixar bem claro, eu me incluo). Primeiro porque suas canções fazem alusão – tanto suas letras quanto a própria música – àquelas referências obscuras que nós tanto amamos. Sua canção-manifesto de 2002, “Losing my Edge”, por exemplo, cita músicos como Pharaoh Sanders, Pere Ubu, Gil-Scott Heron e David Axelrod; quem conseguir listar 3 gravações de cada um ganha um prêmio. Mas, principalmente, porque, apesar de ter como fontes de inspiração obras que perdem no quesito “acessibilidade” para o Ulisses de James Joyce, ele ainda consegue gravar álbuns que delas herdam a originalidade, mas são tão acessíveis (e dançáveis) quanto um álbum de música disco.

Na manhã de terça-feira, seu álbum novo, This is Happening, que deveria ser lançado no dia 17 de maio, já circulava por toda a blogosfera e, apesar dos apelos misericordiosos de Murphy, minha ansiedade superou meu senso de certo e errado e eu, numa atitude que promete me deixar com a consciência pesada por uns 3 dias, baixei o disco. Se serve de consolo (para ele, já que na minha imaginação ele sabe português e lê o blog todos os dias), já é a terceira vez que eu o ouço, em seguida. E, sinceramente? Ainda não sei o que escrever. Talvez seja a nova década, talvez seja o fato de que esse álbum deve ser o último lançado sob o pseudônimo de LCD Soundsystem, a verdade é que esse não é o mesmo James Murphy de 2002.

Não que o álbum seja medíocre. Longe disso. O problema é que, querendo ou não, quando uma banda antiga lança um disco novo, há sempre uma expectativa. Isto é, já quando ele é ouvido pela primeira vez, existe uma lista de coisas que devem ser notadas e que são mais significativas do que outras. Eu já sabia até que piadinhas ia usar na resenha. E, diga-se de passagem, nesse caso, todos esses elementos estavam lá: as batidas disco, os samples obscuros, enfim, tudo o que foi listado no primeiro parágrafo. Mas o significado deles é completamente diferente.

Enquanto seu disco de 2002, LCD Soundsystem, abria com os berros rasgantes de Murphy em “Daft Punk is Playing at my House”, This is Happening abre com uma cantoria suave acompanhada de uma drum machine sutil com um leve toque de percussão africana. É bem verdade que os vocais exacerbados voltam à cena lá para o terceiro minuto da canção, introduzidos por uma explosão eletrônica reminiscente do trabalho anterior da banda, mas até a música chegar a esse ponto, o momento nostálgico já não causa o mesmo. Mesmo “Drunk Girls”, que, ao ser lançada como uma música à parte antes do próprio disco vazar, soava como um flashback aos compactos empolgantes do passado, torna-se outra música ao ser sanduichada entre a já mencionada primeira faixa e “One Touch”, um desfile de samples lisérgicos.

De novo, isso não é necessariamente uma coisa ruim. Se esse fosse o CD de estréia de um grupo novo, eu não hesitaria em chamá-lo de genial e partir para uma daqueles discursos de reverência que agrada a nós, music geeks, provavelmente tanto quanto as referências obscuras do primeiro parágrafo. Mas não é. E, embora eu saiba que a música deve ser julgada somente por si só, é que é quase uma questão emocional quando um artista como Murphy trilha caminhos inesperados. Durante as 4 vezes que eu ouvi esse álbum (sim, enquanto eu escrevia a resenha deu tempo de ouvir mais uma vez), eu já o considerei tanto um dos melhores que eu já ouvi quanto uma tentativa esfarrapada de inovação. De verdade, o que eu acho não importa. Quer seja um bom disco ou o pior de todos os tempos, o fato é que esse é um dos discos mais interessantes que eu já ouvi. Chegue, então, às suas próprias conclusões.


OBSERVAÇÃO:
Aparentemente, James Murphy conformou-se com o vazamento do álbum e decidiu abraçar a idéia. O álbum novo pode, agora, ser ouvido na íntegra em seu site oficial.

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terça-feira, 13 de abril de 2010

Entre o Que Foi e o Que Poderia Ter Sido: O Segredo de Seus Olhos

Algumas vezes, ao refletirmos sobre escolhas cruciais de nossas vidas, caímos na tentação de imaginar o que teria acontecido se tivéssemos entrado nas portas entreabertas que deixamos para trás. Ou seja, se tivéssemos trilhado outros caminhos, diferentes daqueles que nos tornaram o que somos. Aqueles caminhos que, num passado distante, poderiam ter feito um futuro completamente diferente. Nesse exercício reside a dimensão da vida que poderia ter sido. E é essa a temática que impregna o filme O Segredo de Seus Olhos, do diretor argentino Juan José Campanella.

A película, agraciada com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, narra a história de Benjamin Espósito, funcionário recém-aposentado do Poder Judiciário Argentino que decide escrever um romance auto-biográfico. Como ponto de partida, retoma uma ocorrência criminal chocante que abalara sua carreira profissional há mais de vinte anos: um estupro seguido de homicídio. Tal caso coincide com o momento-chave de sua trajetória pessoal, aquele que o faria lamentar-se pelo resto de seus dias a vida que não foi.

Nessa obra, o diretor Campanella demonstra uma sensibilidade apurada para tratar dos grandes dramas existenciais, escancarando-os ao espectador a partir de personagens que vivem a uma maneira romântica, dominados por extremos. Na narrativa desfilam uma grande gama de tipos humanos, impulsionados por paixões. A paixão pelo álcool de Pablo Sandoval, companheiro de trabalho e grande amigo de Espósito. A paixão intensa e singela do marido da vítima do crime, que nunca mais amará outra mulher da mesma maneira. A paixão do criminoso por um time de futebol. A paixão de Espósito por sua companheira de trabalho.

Enfim, esse é um dos motes centrais para compreensão do enredo: a vida, como espetáculo, só tem sentido se dominada por paixões. E todo ser humano tem as suas, as quais são praticamente imutáveis. Elas tornam tudo mais difícil, mas sem elas resta apenas o tédio de uma “vida cheia de nada”, nas palavras do próprio narrador.

A cultura argentina já foi chamada de a “cultura do pranto e da nostalgia” e o filme parece reafirmar essa idéia. O tratamento de cores sóbrio, marcado por matizes escuras e a trilha sonora grandiloquente constroem uma atmosfera de melancolia. No entanto, o filme tem algumas cenas chocantes e irreverentes, que contrastam positivamente com esse tom. A montagem não-linear, recheada de “flashbacks’, também merece destaque, uma vez que reflete os esforços da memória em reconstruir o instante em que, para o protagonista, tudo se perdeu.

Vale ressaltar a afinidade e competência do elenco, praticamente impecável. A narrativa funde gêneros: veste-se de thriller, carrega-se de drama e ventila-se de humor. No fim, é apenas “uma história bem contada”, nas palavras do próprio diretor. Essa é, segundo ele, a razão do imenso sucesso de público do filme, uma das maiores bilheterias da história do cinema argentino.

O conjunto final tem seus defeitos. Às vezes insiste demais numa dimensão dramática que beira o piegas e abusa da tolerância do espectador em aceitar a verossimilhança de várias passagens “forçadas” do enredo. No entanto, consegue nos carregar. Para dentro do seu universo e, conseqüentemente, para dentro de nós mesmos. A viagem proposta é aquela da memória e das lacunas do tempo que nunca saberemos preencher. Os protagonistas do filme debatem-se diversas vezes com essas questões e o espectador sai do filme carregado delas. Como mensagem final, resta a noção otimista de que a redenção é um caminho possível e talvez consigamos algum dia, mesmo que tarde demais, testar a segunda porta, aquela que fechamos num passado distante. Sugerir a construção da memória do que não foi: eis o maior trunfo de O Segredo de Seus Olhos.



*Este texto é uma colaboração especial de João Saran para o PTTP.

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sábado, 10 de abril de 2010

Uma Carta Para o Rei: As 15 Super Quentes, de Lafayette & Os Tremendões

Caro Roberto Carlos,

Escrevo essas mal traçadas linhas como forma de afeição, pois sou admirador da sua música desde criança. E esta carta existe apenas por um simples e único motivo: Roberto, o senhor precisa se modernizar. Há anos seus arranjos são os mesmos, pastiches da genialidade que já se exibiu um dia. São poucos os que te dão o merecido valor. Quem é rei nunca perde a majestade, mas muitas vezes é possível chegar ao ridículo - como o imperador nu da história de Andersen. E o caminho pode ser muito mais fácil que você imagina: um bom começo é ouvir este As 15 Super Quentes que o seu antigo parceiro Lafayette gravou com uma meninada carioca que é uma brasa, mora?

Seu amigo de fé, irmão camarada, Erasmo, soube envelhecer muito bem sem deixar a qualidade cair. O último disco dele, Rock'n Roll, foi um dos melhores do ano passado - em grande parte graças a parcerias com um pessoal mais novo (Nando Reis, João Barone, Chico Amaral). Lafayette também deixou os cabelos brancos aparecerem sem nenhum problema. É fácil perceber como ele se sente um garoto com esses tremendões (que não são aqueles do Erasmo, antes que exista qualquer confusão). É só ouvir "Je T'Aime (Moi Non Plus)" e logo dá pra entender o que eu digo.

E esses tremendos guris também não fazem feio, viu, Roberto? Aposto que o senhor não conseguiria ficar parado com o suingue de Gabriel Thomaz na guitarra, se emocionaria com Renato cantando “Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim” e com certeza pararia o casamento se a Érika Martins pedisse. Isso sem falar nos arranjos novos que eles fizeram pra grandes músicas do seu repertório. "Força Estranha" e “Nossa Canção” fizeram com que eu tivesse arrepios e ficasse com lágrimas nos olhos, "O Sósia" trouxe à lembrança as trapalhadas do filme "Em Ritmo de Aventura", e simplesmente saí berrando pela casa com "Você Não Serve Pra Mim".

Como bom fã, assisto a todos os seus especiais de fim de ano na Globo. E me dá uma tristeza cada vez maior te ver chamando grupos que muito pouco ou nada tem a ver com esse passado tão glorioso. E nos seus momentos solo, que deveriam salvar a noite, as repetitivas instrumentações me dão enfado.

Chego a ficar com pena de mim mesmo por dizer isso, mas por muitas vezes estive a ponto de desligar a TV. Anos atrás, vislumbrei uma tênue luz no fim do túnel: foi quando você se juntou ao Jota Quest - um conjunto pífio - pra cantar "Além do Horizonte". Infelizmente, depois nada semelhante ou parecido aconteceu. Mas eu confio que bem no fundo do seu coração, aquele roqueiro dos anos 60 ainda existe. Ou mesmo o soulman do começo dos anos 70.

Muitas emoções já vivi ouvindo o senhor. Mas quero muitas mais - e não apenas essa sensação de pesar e de decepção que acontece anualmente em todo Natal e uma triste nostalgia toda vez que escuto um velho disco seu na minha vitrola. São os detalhes que fazem a diferença. Não peço nem mais por mim, mas por você, Roberto, pela sua memória, por tudo que você já fez: ouça com carinho este disco.

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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Your world is yours, not mine: Quidam (Cirque du Soleil)


“Um transeunte sem nome, uma figura solitária numa esquina, uma pessoa passando apressadamente. Poderia ser qualquer um. Alguém chegando, partindo, vivendo em nossa sociedade anônima. Um elemento na multidão, um entre a maioria silenciosa. Aquele dentro de nós que grita, canta e sonha. É este o Quidam que o Cirque du Soleil celebra."

(Quidam é a nona produção do Cirque du Soleil, e estreou em Montreal em 1996.)

Uma cena comum. Uma sala de estar onde se encontram pai, mãe e filha. Mas algo chama atenção para a garota Zoë – suas roupas coloridas, seu modo de andar, talvez. E, automaticamente, nos prendemos a essa personagem. Até que ela recebe a visita de um homem sem rosto e de chapéu coco, tipicamente magritiano, e guia a platéia durante o espetáculo por esse mundo novo que ela também está descobrindo através dos personagens Fritz (o Alvo) e John (seria óbvio demais chamá-lo John Doe?)

Apresentados os personagens, começam os números em si. Não são meras acrobacias, pois levam em consideração toda a percepção artística da platéia. E, embora o figurino seja menos elaborado do que nos espetáculos fixos do Cirque du Soleil, possui todo o brilho (ou a ausência dele, em alguns casos) que pede cada número. E são poucos os artistas que superam o elenco do Cirque em técnica e talento, sejam eles acrobatas, músicos ou palhaços.

Um dos mais belos números de Quidam é o Contorcionismo Aéreo por Suspensão em Panos. O efeito visual criado pelo pano que se une com o corpo da ginasta é impressionante, além de ser acompanhado por uma das músicas mais tocantes do espetáculo, “Let Me Fall”.
Outros números que merecem destaque são a Estátua, em que a platéia parece prender a respiração enquanto observa os movimentos lentos e precisos dos dois artistas que se equilibram sem nunca perder contato um com o outro; e o Salto com Cordas, que apesar de ser uma idéia simples (quem nunca pulou corda quando criança?), mostra elevado grau de dificuldade ao misturar dança e acrobacias em grupo, mas sem perder a graciosidade da brincadeira.

Diferente do último espetáculo apresentado no Brasil, Alegría, Quidam tem um clima mais sombrio, ao qual se contrapõe o personagem Fritz, sempre alegre e sorridente, mostrando a Zöe as maravilhas desse mundo mágico. O personagem Quidam, por outro lado, é aquele que é todos e ninguém ao mesmo tempo – sem rosto, sem personalidade, apenas um.

Esse é o último fim de semana que a trupe se apresenta no Parque Villa Lobos (até o dia 11/04). Depois, partem em direção a Porto Alegre, onde se apresentarão a partir de 23/04, sendo essa a última cidade brasileira pela qual passarão. Outras cidades que receberam o Cirque du Soleil durante essa turnê sul-americana foram Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro.

É uma experiência que vale a pena presenciar pessoalmente, apesar do valor (o preço dos ingressos varia em torno de R$230 a R$680). O preço mais caro é referente ao Tapis Rouge, que inclui estacionamento exclusivo, uma área separada onde são servidas comidinhas e bebidas e outros privilégios. Frescurinhas que, no fim, alimentam mais ainda o clima mágico do circo.






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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desabafo

Sinto falta do tempo em que o samba não precisava de motivo pra ser samba. Quer dizer, pra falar a verdade eu não tenho tempo de vida o suficiente pra “sentir falta”, mas o fato é que meu intestino dá um nó em torno de si mesmo cada vez que eu ouço um crítico de nariz empinado inventando motivo pra falar bem de um disco que não tem nada de complexo. Outro dia eu li uma resenha chamando o disco do Pedro Miranda de “neo-primitivista”. Pelo amor de Deus, na última vez em que eu ouvi essa expressão ela estava sendo usada pra referir-se a Stravinsky! Música boa não precisa de razão pra ser boa. Simplesmente é boa.

Todo mundo sabe que o Adoniran viveu no Bixiga, era muito culto e sabia que o edifício é “alto” e não “arto”. Nesses momentos de dúvida eu me pergunto: será que se ele fosse um simples operário, se o que ele cantava fosse o que ele viveu, se ele realmente sentisse tristeza cada “tauba” que caía, ele seria considerado o gênio que é? Porque a música continuaria a mesma, representando a mesma parcela marginalizada da sociedade brasileira da época, quer ele fizesse isso conscientemente ou não; acho que é pretensão demais traçar uma linha entre os dois casos. Mas acho que nós somos pretensiosos, mesmo: a gente precisa achar alguma razão pra elogiar música que não seja vanguardista, revolucionária ou contestadora. Em que ponto nós começamos a tratar a arte como se ela fosse uma equação matemática?

Cansei dessa síndrome de Araçá Azul. Não quero mais escrever que o Bill Evans é bom porque se inspira em Debussy; quero escrever sobre os filmes da sessão da tarde, samba e Bukowski. Assim, sem pretensão e sem intelectualidade. Como disse Duke Ellington: “existem dois tipos de música: a boa e a ruim. Eu gosto das duas.”

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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre Cultura e Ideologia

Costuma ser estabelecido um vínculo imaculado entre os adolescentes em geral, e amantes da cultura pop, e uma série de eventos ocorridos entre as décadas de 60 e 70, nos quais é depositada uma profunda crença de revolução. Parte da sacralização atribuída por esses jovens é oriunda da herança cultural que lhes foi legada, sendo que essa se torna componente de suas identidades, e a individualidade é o limite da subversão. Mas a essência dessa crença alienada não é tanto um dogma cultural quanto uma fatalidade ideológica. Na realidade, é quase impossível argumentar sobre a falácia da contracultura a uma juventude cuja própria identidade depende de crenças do tipo que um festival de rock mudou o mundo.

Em “Crítica cultural e sociedade”, Adorno visa à decodificação da modulação do juízo no mundo moderno, posto que a cultura é o mediador de sua experiência. Para isso, é criada uma oposição entre cultura e ideologia, tal que a primeira pressupõe a fragmentação do universo simbólico em núcleos independentes e a segunda um universo homogêneo hegemônico. Nesse sentido, o refinamento da análise adorniana fica evidente: o próprio conceito de cultura é um sintoma da mentalidade capitalista, uma vez que ratifica a individuação, ou seja, seu surgimento é decorrente exatamente da ideologia, que tem a busca por individuação como motivação primordial do sujeito moderno.

A aporia de Adorno nos é pertinente não só porque as formas que ele descreve mediam o sujeito contemporâneo ainda mais que o de então, mas porque a oposição entre cultura e ideologia é capaz de explicar o movimento jovem denunciado anteriormente. Dada a massificação ideológica da capitalização, a crença na cultura surge como a ilusão de individuação. Desprezando a ideologia que unifica, a segmentação é elevada ao extremo na sociedade moderna, e o sujeito é alienado da estrutura. Nesse nível, a juventude se torna o principal expoente do processo de segmentação cultural.

As décadas de 60 e 70 foram marcadas por um movimento póstumo de resistência ao processo de capitalização. Póstumo porque a resistência real ocorrera cerca de cinqüenta anos antes, quando o capitalismo moderno ainda estava em fase de maturação e a massificação ideológica era menos intensa. Nesse momento a possibilidade de subversão ainda existia, dada a fase de desenvolvimento do capital, e existia um espaço físico de resistência (a União Soviética). O processo póstumo, mais do que com uma resistência, se parece com uma manobra desesperada, como se um surto de consciência tivesse ocorrido, e com ele a necessidade de movimento, por mais insignificante que seja.

Foi a época da contracultura, do feminismo, da nova esquerda, maio de 68, Woodstock, e uma série de subseqüentes. Os Estudos Culturais começam a se formar nesse momento como disciplina acadêmica, e representam o triunfo social da cultura sobre a ideologia. O que deve ser observado, contudo, que é justamente o motivo pelo qual se evidencia a falácia dessa resistência, é o período de desenvolvimento em que se encontrava o capitalismo, e o quão incorporados esses movimentos já estavam antes mesmo de serem reproduzidos pelas gerações subseqüentes.

A maturação da sociedade mercantil é percebida pela efetivação da massificação ideológica em larga escala, ou seja, pela efetivação da fragmentação do universo simbólico e do processo social de segmentação. O otimismo ingênuo do final da segunda guerra, traz consigo um solo fértil à propaganda, que aparece como indício do triunfo do capital. Através dela, pode-se perceber o desenvolvimento do processo de segmentação; trata-se de um momento de maior estabilidade social e de altas taxas de consumo. O mesmo processo que rege a mercadoria rege o indivíduo (e aí percebemos, de forma mais primitiva, o motivo da resistência às análises frankfurtianas): a busca pela individuação; e o processo de compra só se consagra quando a mercadoria, reproduzida ao extremo, é capaz de se mostrar ao sujeito em sua (ilusória) unicidade.

Um reflexo social da propaganda, por sua vez, está no esvaziamento da entidade mais sagrada, até então: a arte. Ao contrário da conclusão a que uma interpretação superficial pode levar, a Pop Art é a celebração do mundo da mercadoria. A reprodução incansável das técnicas de vanguarda as isenta totalmente de conteúdo crítico, fazendo com que as formas mais radicais de crítica à capitalização sejam incorporadas pelo próprio sistema a que elas se opunham.

Quando surge a resistência dos anos 60 e 70, a propaganda já era próspera, e o processo de segmentação intenso. A massificação ideológica era mais forte e mais abrangente, portanto o intuito crítico desse movimento era fruto da maturação da própria ideologia à qual ele julgava se sobrepor. Tanto que não demorou muito até que os núcleos desse movimento se dissolvessem, junto à tentativa desesperada de crítica. Os hippies viraram libertinos sexuais drogados e os punks viraram marginais. Logo se tornaram bandeira e estética, e estavam nas prateleiras e passarelas para consumo.

O processo que ocorreu com a juventude dos anos 70 é bem semelhante ao que ocorre com os jovens hoje em dia. Na realidade, é um processo que tende a se agravar com o tempo. No momento em que a cultura é só uma questão de individuação, tal como Adorno denuncia sobre a sociedade moderna, todos os estudos sobre a cultura moderna, assim como a nossa crença na mesma, perdem a legitimidade. Toda forma de produção cultural torna-se ilegítima, assim como todo comportamento. Não se trata mais de como a cultura se relaciona com a identidade, mas sim de como a ideologia leva o sujeito a adotar uma cultura pela busca de uma identidade.

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domingo, 4 de abril de 2010

Um mundo nem tão pequenino

Existe algo de mágico no modo de as crianças enxergarem o mundo. Uma mente (na maioria das vezes) sem pré-conceitos, ideologias, ou mesmo conhecimento. À primeira vista, sem graça. Olhando melhor, surpreendente. E não faltam exemplos no cinema e na literatura que mostrem como é ver através de outras lentes. Agora, misture Paris da década de 70, Allende no Chile, um cubano no título e voilà: A culpa é de Fidel!


Como explicar a uma menina de nove anos que sua tia e prima teriam que vir morar na casa dela porque o tio tinha sido morto, que seus pais foram ao Chile e voltaram comunistas, que eles teriam que se mudar de casa para um "quartel-general" de repente cheio de barbudos, que sua rotina mudaria sem mais nem menos, não mais banho antes da comida ou catecismo na escola? O mais curioso é que os pais de Anna tentavam realmente explicar os conturbados acontecimentos de 1970 a ela, quando Salvador Allende subiu ao poder no Chile. Tentavam convencê-la de que era solidariedade participar de um manifesto na rua. De que valia a pena terem virado de repente pobres.

No entanto, é claro, essas idéias não entravam assim facilmente na cabeça dela. Na verdade, no começo do filme eu até detestava Anna, com o jeito meio enjoado dela. Apesar disso, pouco a pouco o espectador entra no mundo - não o que os pais viviam, o que os avós e a ex-empregada criticavam - mas no dela, na realidade circundante ao que a ela se referia, o que ela enxergava. Então começamos a entender a revolta de birra dela, a incompreensão, e as perguntas. Foi com uma delas que eu por fim passei a admirar a personagem. Porque nem eu mesma conseguia respondê-la.


Julie Depardieu, Benjamin Feuillet, Stefano Accorsi et Nina Kervel-Bey

O melhor de tudo é a leveza com que a película traz essa estória, sem deixar os fatos maçantes, nem infantilizar o dia-a-dia de Anna. Não chorei, não ri muito, mas não é necessariamente com emoções extremas que se faz um filme digno de se recomendar. Uma observação antes, porém: vale a pena estudar um pouco o que acontecia na época, só para pegar detalhes implícitos quaisquer. Ah, e é impossível não comentar sobre o irmão de Anna, François, que dava aquele toque delicioso da infância. O trailer está aqui.


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sábado, 3 de abril de 2010

A Construção da Adolescência

Acabei o meu último texto aqui no blog dizendo algo como "nós somos eternos adolescentes". E talvez a adolescência, essa estranha época entre o fim do playground e o começo do mundo de fato - empregos, responsabilidades, relacionamentos sérios - seja um dos temas mais caros a mim. Livros sobre ritos de passagem e construção da personalidade - "Capitães da Areia", de Jorge Amado, e "Misto Quente", de Charles Bukowski, pra ficar em só dois exemplos - sempre me interessaram além do normal. Mas, mais importante que isso, seria tentar entender como se deu a "construção" desse nosso ideal de adolescência. Foi aí que eu percebi que esse ideal ficou órfão após a leitura do obituário dos últimos meses.

Há quem diga que a cultura jovem só tenha acontecido por uma mudança histórica. De fato, até o final da Segunda Guerra Mundial, a adolescência de fato não existia: o indivíduo era criança até 15, 18, até 20 anos de idade - e aí então virava adulto, com calças compridas e barba na cara. Nos anos 50, entretanto, isso mudou: sentiu-se a necessidade de procriar, o famigerado "baby boom" e a importância dos "jovens" cresceu - o mercado descobriu um filão deveras lucrativo, enfim. Mas um padrão de comportamento não estava definido - nem de certa maneira quais eram as inquietações de um adolescente.

É aqui que chego à espinha dorsal do texto: J. D. Salinger, morto em janeiro último, inventou a adolescência. "O Apanhador no Campo de Centeio", seu primeiro romance, de 1951, sobre um garoto que foge da escola antes de ser expulso dela e decide passar dois ou três dias em Nova York, é antes de tudo exemplo de como era ter 17 anos até os anos 50. Está tudo lá: os professores autoritários, os colegas de escola imbecis, a dificuldade de se relacionar com garotas, a sensação de pequenez em uma grande cidade, a nostalgia da infância (presente principalmente nas conversas de Holden Caufield, o protagonista, com sua irmã Phoebe), a relação com o álcool, achar que todos são uns escrotos (e pior: perceber que a maioria deles é mesmo), a falta de proximidade com os pais - e a lista poderia continuar.

"O Apanhador" foi um sucesso - é possível sentir suas impressões digitais no rock que nasceria poucos anos depois (o livro chegou a ser homenageado por Bill Haley em "Rockin' Through the Rye"), na postura rebelde de James Dean (vale lembrar: Holden (e o próprio Salinger) odeia cinema - isso será importante) e em muito da literatura americana da segunda metade do século: Sylvia Plath, Philip Roth e Michael Cunningham são admiradores da obra de Salinger, um zen-budista que passou a publicar cada vez menos após o sucesso da obra e se isolou do mundo.

Trinta anos depois da publicação do "Apanhador" a cultura jovem existe - e vende muito. Mas é descerebrada, abusando de clichês e acreditando que os adolescentes são apenas uma massa de acéfalos que queriam sexo e diversão inconseqüente a todo custo. Um bom exemplo disso - ainda que aos olhos de hoje pareça inocente - é o filme "Porky's", de 1982.

Mas foi justamente pelo cinema que Salinger tanto odiava que suas idéias de certa maneira se salvaram. Mais especificamente, por um homem: John Hughes, diretor de clássicos da Sessão da Tarde como "Curtindo a Vida Adoidado", "A Garota de Rosa-Shocking" e "O Clube dos Cinco". Este último é talvez o melhor exemplo de como Hughes desmitificou a adolescência.

Cinco jovens de uma high school devem passar um sábado inteiro em detenção e escrever uma redação com mais de mil palavras sobre si mesmos. Os jovens são os clichês da escola: o nerd, a patricinha, o valentão, o esportista e a esquisita. E apesar de tratados como um só pelo diretor, ao final do dia eles descobrem que tem muito em comum - e que são especiais por ser cada um de um jeito. A mensagem é repetida e boba, mas fez a diferença - e ora, não somos todos assim?

Confesso que comecei esse texto sem maiores pretensões além de lembrar essas duas mortes. Talvez as palavras que utilizei (invenção, construção, idealização) sejam um pouco fortes para tal falta de ambição. Mas elas servem de lembrança: nunca foi tão fácil e ao mesmo tempo tão difícil ser jovem, uma vez que todos os holofotes estão voltados para nós e todos querem ser jovens - muitas vezes tornando-se Dorian Grays ou Frankensteins.

Eu gosto de ser adolescente - eu gosto de ser esse misto de criança e adulto, aquele em que ainda persiste a inocência (e sinto-me feliz por ser inocente em certos aspectos) - e queria fechar esse texto com uma frase dos Byrds (ou do Eclesiastes): "To everything there is a season and a purpose under heaven". Salinger e Hughes, rest in pop.

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Esse Você Precisa Ouvir: Suicide, do Suicide

Hoje, os anos 80 são lembrados, em geral, como uma nuvenzinha de mullets, padrões de tigre e música new wave. Muita música new wave: se há algo que pode definir essa década, é a fixação por sintetizadores e drum machines ligadas num eco quase ensurdecedor enquanto um cantor se esforça para atingir notas que, na maioria das vezes, estão além de seu alcance. Apesar de ter sido lançado em 1977, o álbum de estréia do Suicide contém todos os elementos do new wave; na realidade, o disco parece premeditar o synthpop do Depeche Mode de cinco anos depois.

Há algo de errado nessa aproximação, entretanto. Talvez sejam os sintetizadores de Martin Rev, que soam um pouco demais como uma guitarra destorcida repetindo incansavelmente os mesmos riffs. Talvez sejam os vocais de Alan Veja, que se assemelham um pouco demais a sussurros e ganidos e que parecem sempre estar um milésimo de segundo fora do tempo. Talvez seja a drum machine, que executa um loop hipnótico demais composto por pouquíssimas notas. O álbum épermeado por esse sentimento de instabilidade, que definitivamente o impossibilita de integrar o panteão dos clássicos da new wave. Talvez canções como “Ghost Rider” sejam niilistas demais até para serem chamadas de ‘música pop’.

Críticos já listaram inúmeros nomes para rotular a dupla. Electro-Punk, No Wave, Art-Punk, Industrial, Synthpunk... A própria banda foi o primeiro grupo a apelidar sua própria música de “punk”, num cartaz de 71. No fundo, todas essas categorizações estão erradas: o som do Suicide é completamente diferente de tudo que o seguiu ou o precedeu. Seu álbum de estréia, consolidação de suas performances entre 71 e 76, hoje consideradas extremamente influentes no desenvolvimento do punk, é um clássico, se não por sua importância histórica, simplesmente porque nunca mais se fez música como essa. Como disse um crítico, “auto-tortura prazerosa. Algo que você não consegue mas deseja ouvir por causa de sua honestidade.” Mas ainda assim, um clássico.

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