sábado, 3 de abril de 2010

A Construção da Adolescência

Acabei o meu último texto aqui no blog dizendo algo como "nós somos eternos adolescentes". E talvez a adolescência, essa estranha época entre o fim do playground e o começo do mundo de fato - empregos, responsabilidades, relacionamentos sérios - seja um dos temas mais caros a mim. Livros sobre ritos de passagem e construção da personalidade - "Capitães da Areia", de Jorge Amado, e "Misto Quente", de Charles Bukowski, pra ficar em só dois exemplos - sempre me interessaram além do normal. Mas, mais importante que isso, seria tentar entender como se deu a "construção" desse nosso ideal de adolescência. Foi aí que eu percebi que esse ideal ficou órfão após a leitura do obituário dos últimos meses.

Há quem diga que a cultura jovem só tenha acontecido por uma mudança histórica. De fato, até o final da Segunda Guerra Mundial, a adolescência de fato não existia: o indivíduo era criança até 15, 18, até 20 anos de idade - e aí então virava adulto, com calças compridas e barba na cara. Nos anos 50, entretanto, isso mudou: sentiu-se a necessidade de procriar, o famigerado "baby boom" e a importância dos "jovens" cresceu - o mercado descobriu um filão deveras lucrativo, enfim. Mas um padrão de comportamento não estava definido - nem de certa maneira quais eram as inquietações de um adolescente.

É aqui que chego à espinha dorsal do texto: J. D. Salinger, morto em janeiro último, inventou a adolescência. "O Apanhador no Campo de Centeio", seu primeiro romance, de 1951, sobre um garoto que foge da escola antes de ser expulso dela e decide passar dois ou três dias em Nova York, é antes de tudo exemplo de como era ter 17 anos até os anos 50. Está tudo lá: os professores autoritários, os colegas de escola imbecis, a dificuldade de se relacionar com garotas, a sensação de pequenez em uma grande cidade, a nostalgia da infância (presente principalmente nas conversas de Holden Caufield, o protagonista, com sua irmã Phoebe), a relação com o álcool, achar que todos são uns escrotos (e pior: perceber que a maioria deles é mesmo), a falta de proximidade com os pais - e a lista poderia continuar.

"O Apanhador" foi um sucesso - é possível sentir suas impressões digitais no rock que nasceria poucos anos depois (o livro chegou a ser homenageado por Bill Haley em "Rockin' Through the Rye"), na postura rebelde de James Dean (vale lembrar: Holden (e o próprio Salinger) odeia cinema - isso será importante) e em muito da literatura americana da segunda metade do século: Sylvia Plath, Philip Roth e Michael Cunningham são admiradores da obra de Salinger, um zen-budista que passou a publicar cada vez menos após o sucesso da obra e se isolou do mundo.

Trinta anos depois da publicação do "Apanhador" a cultura jovem existe - e vende muito. Mas é descerebrada, abusando de clichês e acreditando que os adolescentes são apenas uma massa de acéfalos que queriam sexo e diversão inconseqüente a todo custo. Um bom exemplo disso - ainda que aos olhos de hoje pareça inocente - é o filme "Porky's", de 1982.

Mas foi justamente pelo cinema que Salinger tanto odiava que suas idéias de certa maneira se salvaram. Mais especificamente, por um homem: John Hughes, diretor de clássicos da Sessão da Tarde como "Curtindo a Vida Adoidado", "A Garota de Rosa-Shocking" e "O Clube dos Cinco". Este último é talvez o melhor exemplo de como Hughes desmitificou a adolescência.

Cinco jovens de uma high school devem passar um sábado inteiro em detenção e escrever uma redação com mais de mil palavras sobre si mesmos. Os jovens são os clichês da escola: o nerd, a patricinha, o valentão, o esportista e a esquisita. E apesar de tratados como um só pelo diretor, ao final do dia eles descobrem que tem muito em comum - e que são especiais por ser cada um de um jeito. A mensagem é repetida e boba, mas fez a diferença - e ora, não somos todos assim?

Confesso que comecei esse texto sem maiores pretensões além de lembrar essas duas mortes. Talvez as palavras que utilizei (invenção, construção, idealização) sejam um pouco fortes para tal falta de ambição. Mas elas servem de lembrança: nunca foi tão fácil e ao mesmo tempo tão difícil ser jovem, uma vez que todos os holofotes estão voltados para nós e todos querem ser jovens - muitas vezes tornando-se Dorian Grays ou Frankensteins.

Eu gosto de ser adolescente - eu gosto de ser esse misto de criança e adulto, aquele em que ainda persiste a inocência (e sinto-me feliz por ser inocente em certos aspectos) - e queria fechar esse texto com uma frase dos Byrds (ou do Eclesiastes): "To everything there is a season and a purpose under heaven". Salinger e Hughes, rest in pop.

13 comentários:

  1. John Hughes e o Apanhador são muito importantes pra mim (eu, que gosto de ser adolescente bem menos que você, haha) e fiquei um tempo aqui pensando no que comentar, sem chegar em nada inteligente.

    Mas com certeza, não só o ideal ficou órfão, mas nós também. Perdemos dois grandes cúmplices; pessoas que levavam nossos problemas clichês a sério.

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  2. "Mas é descerebrada, abusando de clichês e acreditando que os adolescentes são apenas uma massa de acéfalos que queriam sexo e diversão inconseqüente a todo custo."

    O pior nisso tudo não é nem ver o quanto essa imagem é difundida e eventualmente seguida, mas de repente perceber que nós às vezes não somos nada diferentes. daí a crítica cai, junto com a moral.

    mas então penso em outra coisa e logo muda. tipicamente adolescente x)

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  3. Esse texto parece com os do ano passado no jeito que vc desenvolveu, mais pra anuncio de refrigerante.Isso até faz sentido:tematica adolescente, estilo mais adolescente, não sie se foi intencional, mas sei la, não ta ruim, mas os ultimos estavam melhores construidos (eu acho né), de qualquer forma o tema é interessante.

    Obs: vc sabe que eu encho o saco dos seus textos pq senão vc não me leva a sério quando eu digo que gosto.
    ps: RIP

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  4. Já que o bina comentou:
    Tema ótimo, premissa boa, desenvolvimento péssimo. Faltou planejamento, faltou paciência e sobrou euforia.
    Faltou relacionar com aspectos sociais e culturais e sobrou opinião sem base.

    Humildemente

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  5. Já que o Bina e o Boina comentaram...

    Também acho que esse texto tinha que estar no Anúncio de Refrigerante. Tinha que tratar o texto com um outro tipo de linguagem pra esse blog. Gostei mais do texto do Superguidis.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Já que todos comentaram...

    Concordo com a totalidade das criticas que foram feitas para o seu texto (especialmente as do Boina). Entretanto, tenho que expressar a felicidade instântanea que me acometeu quando o li. Além do tema ser bem interessante e muito "bonitinho", você o abordou de maneira apaixonante. E sim, sobrou euforia (não que eu acredite que isso seja ruim), o que pode ter afetado um pouquinho o seu "desenrolar" textual. De qualquer forma, eu gostei bastante.

    E também partilho da mesma opinião da Mel: o do Superguidis está, digamos, mais "apropriado" para esse blog.

    RIP

    Com carinho

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  8. Já que todos adoram comentar sobre os comentários dos outros...

    A Gi foi bonitinha e tentou dar a porrada com luvas nº 14, a Mel concordou com o Boina, que concordou com o Bina, que concordou que poderia estar melhor.

    Eu não acho nada disso, pra começo de conversa.

    O que eu acho é que é um erro juntar as palavras 'entretanto', 'deveras' e 'famigerado' com ""escroto"" no mesmo parágrafo. Acredito que deve ter tido um motivo muito bizarro pra que um nerd vá pra detenção, e que tal razão deve ser investigada utilizando o método do quarteamento, antes de ser mencionada num texto desses.

    Acredito que J. D. Salinger já tinha problemas demais pra inventar a adolescência, e que a maioria desse texto é uma promoção de Catcher in the Rye. Mas tudo bem, você está no seu direito.

    Aredito acima de tudo que se os dois aí não fossem só memórias póstumas, esse impasse poderia ser resolvido numa mesa de sinuca, em partidas individuais, porque em duplas eu só jogo com o Bronha. Melhor de três, pra seguir uma distribuição Gaussiana de resultados.

    No mais, sugiro que você volte a falar dos discos. Aí sim, você brilha muito.

    Grande abraço, Zöid.

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  9. O meu único medo é que um blog que seguia um caminho interessante, moderno e informativo, se perca em discussões sobre formas melhores ou piores de se escrever um texto.

    Claro que as discussões são válidas, visto que colaboram para uma constante melhora do blog, dos textos, etc. Mas acho que esse papo deveria ser tratado em outro lugar, justamente para o blog não perder o foco. Não tem uma comunidade no Orkut para discutir sobre o blog? Pois então!

    Numa boa, como leitor do blog, eu digo: quero informação, referências, cultura pop! E não blábláblá.

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  10. Eu não tô comentando pq ninguém comentou. TÔ comentando pq o Nonô pediu e pq ele é meu amigo.

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  11. "acreditando que os adolescentes são apenas uma massa de acéfalos que queriam sexo e diversão inconseqüente a todo custo"

    E não são?

    @Guri
    Nem te conheço, mas vamos lá:
    Pelo que entendi a respeito do blog, se trata de um grupo de estudantes de jornalismo e outras áreas similares escrevendo textos sobre um tema de interesse comum com o intuito de se aprimorar, portanto os comentários sobre formas melhores ou piores de se escrever um texto são os frutos que os autores querem colher. Críticas construtivas dos amigos sobre seu trabalho.

    Sobre o texto em si, não tenho nada a acrecentar, tudo que eu podia falar já foi dito.

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  12. Cassas, eu realmente fui um pouco egocêntrico nesse meu comentário. Definitivamente o que eu quero é informação, referências e cultura pop. Mas como você disse, de fato as críticas são construtivas aos nossos amigos.

    De qualquer forma, na minha opinião houve um período nesse blog em que as críticas sobre os textos reinavam. Talvez seja exagero meu, mas como numa guerra, os próprios integrantes do blog "se pegavam" com perguntas do tipo "Esse texto foi uma resposta para mim?" e por aí vai. De verdade, eu tive a impressão de que isso aqui não era um blog sobre cultura pop e sim um concurso de quem escreve melhor ou pior, segundo as opiniões de sabe lá quem.

    Felizmente, hoje em dia a paz voltou ao controle. Claro que volta e meia ainda acontece uns "pegas" por aí. Mas atualmente há quem comente sobre os textos, há quem comente sobre o conteúdo dos textos, há quem comente sobre o que sentiu lendo os textos. As críticas já não reinam absolutas. Acho que agora sim podemos chamá-las de frutos..

    =)

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