Algumas vezes, ao refletirmos sobre escolhas cruciais de nossas vidas, caímos na tentação de imaginar o que teria acontecido se tivéssemos entrado nas portas entreabertas que deixamos para trás. Ou seja, se tivéssemos trilhado outros caminhos, diferentes daqueles que nos tornaram o que somos. Aqueles caminhos que, num passado distante, poderiam ter feito um futuro completamente diferente. Nesse exercício reside a dimensão da vida que poderia ter sido. E é essa a temática que impregna o filme O Segredo de Seus Olhos, do diretor argentino Juan José Campanella.
A película, agraciada com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, narra a história de Benjamin Espósito, funcionário recém-aposentado do Poder Judiciário Argentino que decide escrever um romance auto-biográfico. Como ponto de partida, retoma uma ocorrência criminal chocante que abalara sua carreira profissional há mais de vinte anos: um estupro seguido de homicídio. Tal caso coincide com o momento-chave de sua trajetória pessoal, aquele que o faria lamentar-se pelo resto de seus dias a vida que não foi.
Nessa obra, o diretor Campanella demonstra uma sensibilidade apurada para tratar dos grandes dramas existenciais, escancarando-os ao espectador a partir de personagens que vivem a uma maneira romântica, dominados por extremos. Na narrativa desfilam uma grande gama de tipos humanos, impulsionados por paixões. A paixão pelo álcool de Pablo Sandoval, companheiro de trabalho e grande amigo de Espósito. A paixão intensa e singela do marido da vítima do crime, que nunca mais amará outra mulher da mesma maneira. A paixão do criminoso por um time de futebol. A paixão de Espósito por sua companheira de trabalho.
Enfim, esse é um dos motes centrais para compreensão do enredo: a vida, como espetáculo, só tem sentido se dominada por paixões. E todo ser humano tem as suas, as quais são praticamente imutáveis. Elas tornam tudo mais difícil, mas sem elas resta apenas o tédio de uma “vida cheia de nada”, nas palavras do próprio narrador.
A cultura argentina já foi chamada de a “cultura do pranto e da nostalgia” e o filme parece reafirmar essa idéia. O tratamento de cores sóbrio, marcado por matizes escuras e a trilha sonora grandiloquente constroem uma atmosfera de melancolia. No entanto, o filme tem algumas cenas chocantes e irreverentes, que contrastam positivamente com esse tom. A montagem não-linear, recheada de “flashbacks’, também merece destaque, uma vez que reflete os esforços da memória em reconstruir o instante em que, para o protagonista, tudo se perdeu.
Vale ressaltar a afinidade e competência do elenco, praticamente impecável. A narrativa funde gêneros: veste-se de thriller, carrega-se de drama e ventila-se de humor. No fim, é apenas “uma história bem contada”, nas palavras do próprio diretor. Essa é, segundo ele, a razão do imenso sucesso de público do filme, uma das maiores bilheterias da história do cinema argentino.
O conjunto final tem seus defeitos. Às vezes insiste demais numa dimensão dramática que beira o piegas e abusa da tolerância do espectador em aceitar a verossimilhança de várias passagens “forçadas” do enredo. No entanto, consegue nos carregar. Para dentro do seu universo e, conseqüentemente, para dentro de nós mesmos. A viagem proposta é aquela da memória e das lacunas do tempo que nunca saberemos preencher. Os protagonistas do filme debatem-se diversas vezes com essas questões e o espectador sai do filme carregado delas. Como mensagem final, resta a noção otimista de que a redenção é um caminho possível e talvez consigamos algum dia, mesmo que tarde demais, testar a segunda porta, aquela que fechamos num passado distante. Sugerir a construção da memória do que não foi: eis o maior trunfo de O Segredo de Seus Olhos.
A película, agraciada com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, narra a história de Benjamin Espósito, funcionário recém-aposentado do Poder Judiciário Argentino que decide escrever um romance auto-biográfico. Como ponto de partida, retoma uma ocorrência criminal chocante que abalara sua carreira profissional há mais de vinte anos: um estupro seguido de homicídio. Tal caso coincide com o momento-chave de sua trajetória pessoal, aquele que o faria lamentar-se pelo resto de seus dias a vida que não foi.
Nessa obra, o diretor Campanella demonstra uma sensibilidade apurada para tratar dos grandes dramas existenciais, escancarando-os ao espectador a partir de personagens que vivem a uma maneira romântica, dominados por extremos. Na narrativa desfilam uma grande gama de tipos humanos, impulsionados por paixões. A paixão pelo álcool de Pablo Sandoval, companheiro de trabalho e grande amigo de Espósito. A paixão intensa e singela do marido da vítima do crime, que nunca mais amará outra mulher da mesma maneira. A paixão do criminoso por um time de futebol. A paixão de Espósito por sua companheira de trabalho.
Enfim, esse é um dos motes centrais para compreensão do enredo: a vida, como espetáculo, só tem sentido se dominada por paixões. E todo ser humano tem as suas, as quais são praticamente imutáveis. Elas tornam tudo mais difícil, mas sem elas resta apenas o tédio de uma “vida cheia de nada”, nas palavras do próprio narrador.
A cultura argentina já foi chamada de a “cultura do pranto e da nostalgia” e o filme parece reafirmar essa idéia. O tratamento de cores sóbrio, marcado por matizes escuras e a trilha sonora grandiloquente constroem uma atmosfera de melancolia. No entanto, o filme tem algumas cenas chocantes e irreverentes, que contrastam positivamente com esse tom. A montagem não-linear, recheada de “flashbacks’, também merece destaque, uma vez que reflete os esforços da memória em reconstruir o instante em que, para o protagonista, tudo se perdeu.
Vale ressaltar a afinidade e competência do elenco, praticamente impecável. A narrativa funde gêneros: veste-se de thriller, carrega-se de drama e ventila-se de humor. No fim, é apenas “uma história bem contada”, nas palavras do próprio diretor. Essa é, segundo ele, a razão do imenso sucesso de público do filme, uma das maiores bilheterias da história do cinema argentino.
O conjunto final tem seus defeitos. Às vezes insiste demais numa dimensão dramática que beira o piegas e abusa da tolerância do espectador em aceitar a verossimilhança de várias passagens “forçadas” do enredo. No entanto, consegue nos carregar. Para dentro do seu universo e, conseqüentemente, para dentro de nós mesmos. A viagem proposta é aquela da memória e das lacunas do tempo que nunca saberemos preencher. Os protagonistas do filme debatem-se diversas vezes com essas questões e o espectador sai do filme carregado delas. Como mensagem final, resta a noção otimista de que a redenção é um caminho possível e talvez consigamos algum dia, mesmo que tarde demais, testar a segunda porta, aquela que fechamos num passado distante. Sugerir a construção da memória do que não foi: eis o maior trunfo de O Segredo de Seus Olhos.
*Este texto é uma colaboração especial de João Saran para o PTTP.
Eu achei o filme bastante bom, sabe. Mas sei lá. A "cultura do pranto e das nostalgia" está muito forte nesse. Acabou só levando as minhas quatro estrelas.
ResponderExcluirAo contrário de outros dois filmes do mesmo diretor ("Filho da Noiva" e "Clube da Lua"), que levaram merecidamente as cinco estrelas!
O Campanella é foda! =)