segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre Cultura e Ideologia

Costuma ser estabelecido um vínculo imaculado entre os adolescentes em geral, e amantes da cultura pop, e uma série de eventos ocorridos entre as décadas de 60 e 70, nos quais é depositada uma profunda crença de revolução. Parte da sacralização atribuída por esses jovens é oriunda da herança cultural que lhes foi legada, sendo que essa se torna componente de suas identidades, e a individualidade é o limite da subversão. Mas a essência dessa crença alienada não é tanto um dogma cultural quanto uma fatalidade ideológica. Na realidade, é quase impossível argumentar sobre a falácia da contracultura a uma juventude cuja própria identidade depende de crenças do tipo que um festival de rock mudou o mundo.

Em “Crítica cultural e sociedade”, Adorno visa à decodificação da modulação do juízo no mundo moderno, posto que a cultura é o mediador de sua experiência. Para isso, é criada uma oposição entre cultura e ideologia, tal que a primeira pressupõe a fragmentação do universo simbólico em núcleos independentes e a segunda um universo homogêneo hegemônico. Nesse sentido, o refinamento da análise adorniana fica evidente: o próprio conceito de cultura é um sintoma da mentalidade capitalista, uma vez que ratifica a individuação, ou seja, seu surgimento é decorrente exatamente da ideologia, que tem a busca por individuação como motivação primordial do sujeito moderno.

A aporia de Adorno nos é pertinente não só porque as formas que ele descreve mediam o sujeito contemporâneo ainda mais que o de então, mas porque a oposição entre cultura e ideologia é capaz de explicar o movimento jovem denunciado anteriormente. Dada a massificação ideológica da capitalização, a crença na cultura surge como a ilusão de individuação. Desprezando a ideologia que unifica, a segmentação é elevada ao extremo na sociedade moderna, e o sujeito é alienado da estrutura. Nesse nível, a juventude se torna o principal expoente do processo de segmentação cultural.

As décadas de 60 e 70 foram marcadas por um movimento póstumo de resistência ao processo de capitalização. Póstumo porque a resistência real ocorrera cerca de cinqüenta anos antes, quando o capitalismo moderno ainda estava em fase de maturação e a massificação ideológica era menos intensa. Nesse momento a possibilidade de subversão ainda existia, dada a fase de desenvolvimento do capital, e existia um espaço físico de resistência (a União Soviética). O processo póstumo, mais do que com uma resistência, se parece com uma manobra desesperada, como se um surto de consciência tivesse ocorrido, e com ele a necessidade de movimento, por mais insignificante que seja.

Foi a época da contracultura, do feminismo, da nova esquerda, maio de 68, Woodstock, e uma série de subseqüentes. Os Estudos Culturais começam a se formar nesse momento como disciplina acadêmica, e representam o triunfo social da cultura sobre a ideologia. O que deve ser observado, contudo, que é justamente o motivo pelo qual se evidencia a falácia dessa resistência, é o período de desenvolvimento em que se encontrava o capitalismo, e o quão incorporados esses movimentos já estavam antes mesmo de serem reproduzidos pelas gerações subseqüentes.

A maturação da sociedade mercantil é percebida pela efetivação da massificação ideológica em larga escala, ou seja, pela efetivação da fragmentação do universo simbólico e do processo social de segmentação. O otimismo ingênuo do final da segunda guerra, traz consigo um solo fértil à propaganda, que aparece como indício do triunfo do capital. Através dela, pode-se perceber o desenvolvimento do processo de segmentação; trata-se de um momento de maior estabilidade social e de altas taxas de consumo. O mesmo processo que rege a mercadoria rege o indivíduo (e aí percebemos, de forma mais primitiva, o motivo da resistência às análises frankfurtianas): a busca pela individuação; e o processo de compra só se consagra quando a mercadoria, reproduzida ao extremo, é capaz de se mostrar ao sujeito em sua (ilusória) unicidade.

Um reflexo social da propaganda, por sua vez, está no esvaziamento da entidade mais sagrada, até então: a arte. Ao contrário da conclusão a que uma interpretação superficial pode levar, a Pop Art é a celebração do mundo da mercadoria. A reprodução incansável das técnicas de vanguarda as isenta totalmente de conteúdo crítico, fazendo com que as formas mais radicais de crítica à capitalização sejam incorporadas pelo próprio sistema a que elas se opunham.

Quando surge a resistência dos anos 60 e 70, a propaganda já era próspera, e o processo de segmentação intenso. A massificação ideológica era mais forte e mais abrangente, portanto o intuito crítico desse movimento era fruto da maturação da própria ideologia à qual ele julgava se sobrepor. Tanto que não demorou muito até que os núcleos desse movimento se dissolvessem, junto à tentativa desesperada de crítica. Os hippies viraram libertinos sexuais drogados e os punks viraram marginais. Logo se tornaram bandeira e estética, e estavam nas prateleiras e passarelas para consumo.

O processo que ocorreu com a juventude dos anos 70 é bem semelhante ao que ocorre com os jovens hoje em dia. Na realidade, é um processo que tende a se agravar com o tempo. No momento em que a cultura é só uma questão de individuação, tal como Adorno denuncia sobre a sociedade moderna, todos os estudos sobre a cultura moderna, assim como a nossa crença na mesma, perdem a legitimidade. Toda forma de produção cultural torna-se ilegítima, assim como todo comportamento. Não se trata mais de como a cultura se relaciona com a identidade, mas sim de como a ideologia leva o sujeito a adotar uma cultura pela busca de uma identidade.

4 comentários:

  1. (comentario sem acentos por culpa do teclado israelense)

    Primeiro, tipico de Boina.
    Segundo, acho essa discussao muito valida pro blog, gostei muito do texto. Mas acho que ele distoa bastante do resto dos posts daqui. Talvez algum estudante de jornalismo (ou simpatizante, hehehe) pudesse reescrever (?) esse texto com voce a quatro maos.
    Terceiro, saudades de todos!
    Quarto, um beijo!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. [Repostando...]

    Não só destoa, Mel, condradiz o próprio paradigma proposto.
    Uma crítica vela, mas mesmo assim escancarada aos próprios colegas de equipe.
    Belamente cruel.
    Certamente o objetivo foi atingido.

    Quanto ao último parágrafo, a cultura hoje é simplesmente mais uma mercadoria, tão logo uma nova expressão cultural surge, ela já se torna produto de prateleira, a formação da indentidade se torna meramente agregar determinados "produtos culturais" e descartar outros, sendo essa a decisão que determina o indivíduo. Tal processo é facilmente identificado em uma nova subcultura que já é digna de nota entre os jovens dos EUA e na Europa e vem chegando timidamente ao Brasil, os hipsters (que com certeza merecem um artigo aqui no blog).

    Enfim, gostei.

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  4. PINTO PINTO PINTO PINTO
    (ad infinitum et ad nauseum)

    Valham-me a foda!

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