domingo, 18 de abril de 2010

O Edifício, de Will Eisner

Saiu recentemente Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada, livro no qual o jornalista Greil Marcus analisa meticulosamente a canção de ‘65. A fama dessa música tem inúmeras origens. Entre elas está o fato de que depois do seu lançamento, o rock, que para a maioria não passava de mero barulho acéfalo que estava destruindo as mentes de uma geração inteira, ficou com uma cara bem diferente. Claro que antes de “Like a Rolling Stone” já existiam muitas composições brilhantes, mas a partir daquele momento ficou bem óbvio que era sim possível haver profundidade, sofisticação, e lá vamos nós, "arte" em uma canção pop.

Will Eisner (1917-2005; pronuncia-se “Aisnir”) fez algo parecido pelas histórias em quadrinhos. Porém, ainda existe preconceito em relação à relevância das HQs e ao que elas têm a oferecer. Aliás, animações sofrem do mesmo mal. O Edifício, obra já da maturidade de Eisner, é uma boa pedida para quem já ama quadrinhos e para quem está disposto a adentrar nesse universo riquíssimo e não sabe por onde começar.

No Brasil, as publicações de quadrinhos em jornais e revistas começaram na segunda metade da década de 30, destinadas ao público infantil. Nos anos 40 e 50, esses quadrinhos foram alvo de críticas ferozes alegando que eles seriam responsáveis pela queda no rendimento escolar de crianças e comportamento violento, por exemplo. Professores, pais, psicólogos e Mussolini acreditavam nisso. Sério. E exatamente em 1940 Will Eisner estrearia a série revolucionária que viria a ser sua obra mais importante: The Spirit.

Prefiro falar de O Edifício (The Building, 1987). Primeiro que Spirit é uma série, ou seja, são vários volumes. E eu nem li tudo; mais de 20 e nem todos são do Eisner. Outra coisa é que O Edifício é um clássico representante de graphic novel, romance gráfico, que em geral é uma história compilada em um só volume, com formato de romance. O termo se aplica também pelo conteúdo, por se aproximar mais da literatura.

(Cá entre nós, chame do que você quiser.)

O Edifício sugere uma ponderação da relação dos habitantes de grandes cidades com os elementos as compõe e sobre as histórias que ficam impregnadas nestes elementos. O ponto de partida é um típico edifício nova-iorquino, daqueles maltratados estilo “Friends”, que é demolido e substituído por um moderno. Porém, um dia, quatro fantasmas aparecem na porta do novo edifício.

Concordo que à primeira vista não parece ser algo grandioso. Não se engane. Essa foi a maneira encontrada por Eisner para iniciar a sua hipótese intensamente poética de como essas histórias, de pessoas comuns, sobrevivem; esta hipótese tange também acasos e coincidências. Os quatro fantasmas são pessoas que tiveram grandes memórias relacionadas àquele lugar. Suas trajetórias sofridas são contadas separadamente até o comovente clímax na porta do novo edifício, que ficará sem comentários para evitar spoilers. Tudo isso em um traço detalhista nos espaços e expressionista nos personagens; lindo.

Vale muito a pena ler O Edifício. Tudo bem que a história se passa em Nova York, em um momento no qual Eisner estava se dedicando a retratar a cidade, mas isso é um detalhe. O que acontece nessa HQ não é diferente do que acontece todos os dias em São Paulo, Rio de Janeiro, Chicago, Tóquio, etc. Quem sabe você começa a enxergar um pouco mais de poesia e humanidade na sua cidade suja, hostil, barulhenta.

Sobre os quadrinhos, já passou da hora destas publicações receberem a atenção e o respeito que merecem. Como estava em um dos textos da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (saiba mais abaixo), "o adulto lê histórias em quadrinhos porque não será completa a sua atualidade sem mais essa força de expressão". Fato. E prometo que o seu rendimento escolar não vai cair.


A quem interessar: O Edifício pode ser encontrado na coletânea da Quadrinhos na Cia. - Cia. das Letras - Nova York: A Vida na Grande Cidade, com introdução de Neil Gaiman. Saiba mais sobre o livro e o Eisner aqui.

E para finalizar... Ramones. Eles eram fãs de quadrinhos. Sheena, Queen of the Jungle foi criada por Will Eisner e Jerry Iger e publicada pela primeira vez em 1937. Teve filme até. E um poema de Robert Archambeau chamado "Sheena is a punk rocker". Como a música, é claro.

Perdão, é que eu nunca teria oportunidade de falar disso novamente.

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Calendário em São Paulo

2011: Há chances concretas de ano que vem acontecer uma comemoração - com estilo - dos 60 anos da 1ª Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. Pois é, ela aconteceu no Brasil, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Soube semana passada, da boca de Álvaro de Moya, considerado o maior especialista em HQs do país, um dos responsáveis pela exposição e lenda viva. Mas isso fica para outro dia.

Eventos em breve. Muito em breve:


-Exposição: Do Superman ao Gato do Rabino (ótima!)
até 25/04

-Balões de Personalidade, com Tiago Judas
Oficina de criação de personagens.
24/04, Sábado, 16h.

-Contação de Histórias: O Gato do Rabino, de Joann Sfar
Contado por Daniel Warren e Andrea Dupre
25/04, Domingo, 12h.

-Exibição do filme Crumb, de Terry Zwigoff,
seguido de bate-papo com Gualberto Costa e Rogério de Campos.
24/04, Sábado, 19h.


-Exposição Quadrinho Marginal, 40 anos
Terça a Sexta, das 10h às 20hs
Sábados, Domingos e feriados, das 10h às 18hs.
até 30/04
(não é tão legal assim, é BEM humilde; vale a pena se você tiver interesse em anotar nomes pra pesquisar depois. Por outro lado, é na Gibiteca Henfil, então você vai ter o que ler.)

-Oficina: O processo criativo nas histórias em quadrinhos - Da idéia à arte final
com Alexandre Manoel Ferreira
até 05/05 (em andamento, começou 10/03)
Ligue antes; não sei como estão organizando as vagas.

2 comentários:

  1. FINALMENTE um bom evento pra 2011! Parece que tudo que tinha de bom pra acontecer nesse país ia acontecer esse ano xD

    Texto, como sempre, impecável!

    Beeeijo

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