quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desabafo

Sinto falta do tempo em que o samba não precisava de motivo pra ser samba. Quer dizer, pra falar a verdade eu não tenho tempo de vida o suficiente pra “sentir falta”, mas o fato é que meu intestino dá um nó em torno de si mesmo cada vez que eu ouço um crítico de nariz empinado inventando motivo pra falar bem de um disco que não tem nada de complexo. Outro dia eu li uma resenha chamando o disco do Pedro Miranda de “neo-primitivista”. Pelo amor de Deus, na última vez em que eu ouvi essa expressão ela estava sendo usada pra referir-se a Stravinsky! Música boa não precisa de razão pra ser boa. Simplesmente é boa.

Todo mundo sabe que o Adoniran viveu no Bixiga, era muito culto e sabia que o edifício é “alto” e não “arto”. Nesses momentos de dúvida eu me pergunto: será que se ele fosse um simples operário, se o que ele cantava fosse o que ele viveu, se ele realmente sentisse tristeza cada “tauba” que caía, ele seria considerado o gênio que é? Porque a música continuaria a mesma, representando a mesma parcela marginalizada da sociedade brasileira da época, quer ele fizesse isso conscientemente ou não; acho que é pretensão demais traçar uma linha entre os dois casos. Mas acho que nós somos pretensiosos, mesmo: a gente precisa achar alguma razão pra elogiar música que não seja vanguardista, revolucionária ou contestadora. Em que ponto nós começamos a tratar a arte como se ela fosse uma equação matemática?

Cansei dessa síndrome de Araçá Azul. Não quero mais escrever que o Bill Evans é bom porque se inspira em Debussy; quero escrever sobre os filmes da sessão da tarde, samba e Bukowski. Assim, sem pretensão e sem intelectualidade. Como disse Duke Ellington: “existem dois tipos de música: a boa e a ruim. Eu gosto das duas.”

10 comentários:

  1. Gostei, gostei bastante do texto. O problema não é a intelectualidade em si. É a coisa exagerada.

    É engraçado... quando aparece um cara mais "cru", ele é tratado como de segunda classe - os exemplos são muitos: Plínio Marcos e João do Vale são dois que me vêem à cabeça agora.

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  2. As pessoas realmente perderama a habilidade de apenas "ver" a essência das coisas; tudo tem que ser racionalizado e justificado para fazer sentido.

    A questão é que nem sempre é assim;
    Muito bom o texto!

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  3. sou muito a favor de gostar da boa música e da ruim, também porque uma não existiria sem a outra.
    e se eu tivesse mais pretensão e mais intelectualidade eu certamente veria seu texto de outro modo. como não, simplesmente achei bom =)

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  4. Bem, se isso é uma resposta ao meu texto, acho que você não o entendeu.

    Sua discussão é válida, mas acho muito fácil não desenvolver uma estrutura textual argumentativa com a desculpa de que é um texto "casual", ou "de opinião".

    Humildemente.

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  5. E viva o rei Roberto Carlos, Claudinho e Buchecha e o Bonde do Tigrão!
    Gostei do texto Fed.

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  6. bom texto bruninho!
    assim como dizem por ai que o que move a arte não importa, por que arte é arte, boa ou ruim, o mesmo vale pra música!

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  7. Acho que independentemente do que tenha te motivado a escrever esse texto, você tocou em um ponto muito importante que acho que vale ser desenvolvido (talvez não nesse blog, pois para mim, leitora, parece que fugiria de sua proposta). Acho que é uma coisa a se pensar não só se o Adoniran teria o reconhecimento que teve se fosse de outra classe social, mas também se ele teria condições de ser quem foi, afinal nosso país (e arrisco dizer nosso mundo) não da valor a cultura popular de fato, a que pulsa pelas ruas de SP, do Acre e de outros lugares.

    Saudações.

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  8. Bom, engraçado uma pessoa com um nome tão complexo comentar justamente sobre o "ódio" com relação à complexidade exagerada. Mas o que quero dizer é que concordo também. Por exemplo, há de reconhecer que até no funk há coisa boa, como a criatividade. "Gatinha, cê gosta mais de redlaibou ou áice?". É ruim mas é bom! ;)

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  9. "até no funk" seria uma atitude pseudo-cult do anônimo?

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