terça-feira, 27 de abril de 2010

Bootlegs: a um palmo da realidade

foto por Jeremy Hall

Todo fã de música pop já se deparou com esse maravilhoso invento da pirataria musical que é o bootleg. Para os mais, por assim dizer, inocentes, uma explicação: bootlegs são gravações não-autorizadas, em áudio ou vídeo, de um show. Podem variar de um registro feito por um celular pré-histórico (daqueles que têm o jogo da cobrinha) até frutos de um processo semi-profissional obtidos por meio do suborno do encarregado da mesa de som. Obviamente, a maioria deles se aproxima mais da primeira categoria. Mesmo assim, pouco a pouco eles tornaram-se uma categoria aceita – é bom deixar claro: pelos fãs, não pelas gravadoras – dentro da cultura pop. E, na minha opinião, uma das mais importantes e válidas.

Primeiro por sua importância histórica: alguns shows que marcaram época só podem ser achados nesse formato. Por exemplo, a lendária turnê mundial de Bob Dylan de 66. Na época, o cantor afastara-se de suas raízes acústicas e começava a se apresentar acompanhado de uma banda de rock (então conhecida como The Hawks e que mais tarde se tornaria a The Band) e seus fãs, que praticamente formavam uma seita religiosa, chegaram perto de crucificá-lo. Em uma apresentação em Manchester, um membro da audiência exaltou-se e berrou “Judas!” após uma rendição particularmente ácida de “Ballad of a Thin Man”. Dylan, com seu habitual auto-controle e respeito ao próximo, respondeu: “Eu não acredito em você. Você é um mentiroso”, voltou-se para a banda e ordenou: “Vamos tocar essa próxima alto pra caralho”, para então dar início a uma versão explosiva de “Like a Rolling Stone”, num diálogo que passou para a História somente sob a forma de um bootleg.

Mas principalmente porque é impossível achar uma representação mais próxima do que o artista é na realidade. Claro, existem os álbuns ao gravados ao vivo, mas mesmo estes geralmente sofrem todo tipo de tratamentos de pós-produção e acabam mostrando uma versão trabalhada e polida da apresentação. Bootlegs, ao contrário, carregam consigo toda sua energia e espontaneidade. Carregam também, é claro, algumas surpresas: você descobrirá que Mick Jagger mais berra do que canta no palco e que Bob Dylan é bem mais fanho do que parece em seus discos. E, sinceramente, quem liga pra isso? Quer Dylan soe como um cantor ou como alguém num walkie talkie, o fato é que o seu show é um dos mais emocionantes da história do rock, e que jeito melhor de desfrutar dessa emoção do que rodeado por milhares de fãs vibrantes?

O fato é que é difícil encontrar gravações mais rock n’ roll do que essas. E, enquanto antes o acesso a bootlegs era restrito a locais especializados e obscuros, com o advento da Internet sua oferta tornou-se quase infinita: praticamente qualquer apresentação, seja um megashow no Morumbi ou uma piadinha num boliche pode ser encontrada na web. Ou seja, daqui a 20 anos você provavelmente vai conseguir apertar o play no Windows Media Player e falar para o seu filho: “papai estava nesse dia”. Isso quer dizer que o bootleg vai substituir o álbum ao vivo? É assunto para outro texto. Só posso dizer que é bem legal ouvir o Thom Yorke cantar “There There” e saber que eu estava a uns 10 metros dele nessa hora. E isso vale muito mais do que uma gravação em alta fidelidade.

DICAS:

8 comentários:

  1. Conjuntos como Led Zeppelin ou Daft Punk tem uma sonoridade completamente diferente ao vivo do que no estúdio. Cada show é uma coisa diferente. E, claro, o barulho das platéias em gravações no caso dessas duas bandas te contagia, praticamente te põe lá no show. Bootlegs são coisas mais individuais, como voce disse, como no caso de dizer "PAPAI ESTEVE LÁ NAQUELE DIA", do que CD's, que são muito mais comerciais. Um bootleg tem um sentimento muito mais forte envolvido. Aliás, recomendo o Bootleg do AC/DC no Brasil (show de 2009 mesmo), apesar dos backing vocals terem ficado uma bela porcaria.

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  2. Esse segundo parágrafo me fez sorrir :)

    E o mais interessante nessa história do Dylan é que a Columbia resolveu aceitar os bootlegs, já que eram tão bons. Eles lançaram a "The Bootleg Series", que tem 8 volumes caprichadíssimos (e caros, mas tem coisas que não têm preço...). Bom, na verdade são 6, porque os três primeiros estão juntos. Eu tenho o '66 e é um tesão, começando pela capa.

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  3. "o '66 é um tesão, começando pela capa" [2]
    haha
    E os beatles, que tem mais bootlegs que não-sei-que.

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  4. Senti firmeza agora FED, bom texto, bem executado, tema relevante e muitas vezes esquecido. A referencia ao papai esteve la da um tom bem legal a coisa!!
    Valeu!!
    obs inutil: a palavra pra confirmar postagem foi "lithiun", Nirvana rules

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  5. Meu, eu só preciso falar uma coisa pra você, Fed.

    Pelo tema (algo que sou particularmente suspeita), pelo modo como foi escrito e com toda a parcialidade que me é peculiar: os seus textos estão quase ganhando dos do Noa ;)

    Com carinho

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  6. Pela qualidade das gravacoes, vc poderia considerar qualquer gravacao ao vivo dos Beatles um Bootleg creio, mas outro dia fui ouvir em vinil os shows de 64/65 deles no Holywood Bowl, e puta merda, que sonzao cara, pow, a galera gritando, eles berrando pra tentarem ser ouvidos, o ringo tendo ke descer a mao na batera, porra, e isso com 3 canais de gravacao em rolo!!!! esse eh realmente um excelente exemplo de ke qto menos processamento de sinal as vezes, apesar da keda de kualidade tecnica, vc ganha mtoooooooooooooooooooooooooooooo cooooom a kualidade organica e viva da musica, pelo feeling ke ela causa, pq a falta de perfeicao eh ke dah a graca e o "tempero" a mzka!!!!! excelente topico, postagem e ideia, parabens brunaao!!!

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  7. Bem legal o texto! Tentei baixar o do Daft Punk, mas tudo que recebi foi erro 404...
    Fiquei curioso sobre o impacto negativo dos bootlegs, já que não deixam de ser pirataria. Acho que faltou mostrar o lado das gravadoras, como a moça disse aí em cima, teve até uma gravadora que decidiu abraçar os bootlegs.

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