
Quando digo cânone, estou falando de coisas como o Velvet Underground, ex-banda de Lou Reed e outros figurões como John Cale. É importante ter em mente que o Velvet não “era” o Lou Reed; a sua carreira solo não tem muito a ver com a banda. É o caso do seu primeiro disco solo Lou Reed, de ‘72. Porém, isso não se aplica ao Transformer, lançado poucos meses depois.
Não que nesse álbum se expresse aquilo que recebeu o nome de art rock; as performances e som experimentais, diferentes e convenhamos, de certa forma pretensiosos do Velvet, que estavam estreitamente relacionados ao apoio que Andy Warhol dava à banda. Transformer não carrega essas características do Velvet, e sim o breve período em que ele existiu. Ele conta histórias.
Há quem diga que a Factory, o estúdio de Warhol, era algo parecido com o começo de O Homem Elefante, um verdadeiro freak show. Talvez fosse, mas e daí. “Walk on the Wild Side”, por exemplo, cita várias freqüentadoras e estrelas da Factory, como Holly Woodlawn, Candy Darling, Jackie Curtis. Todas nascidas homens. Pra mim, é aí que está a importância do Transformer.
Lou Reed escreveu verdadeira poesia sobre as pessoas que ele conhecia e o que ele via sem censuras, nos dois sentidos: sem julgamentos, sem omissões. Em razão disso, é de se esperar que o disco fosse um fracasso comercial como foi o Velvet, certo? Não foi. O produtor e um dos backing vocals do Transformer foi David Bowie, na época conhecido como Ziggy Stardust e evidentemente grande admirador do trabalho de Lou Reed. Ou seja, tocava no rádio uma música que dizia “But she never lost her head/ Even when she was giving head” e todo mundo adorava. Para evitar que você jogue no Google e leve um susto: “Give head” é gíria de fazer sexo oral em alguém. Sendo gíria, isso também significa que em muitos lugares, ninguém entendia direito do que ele estava falando.

É inevitável ficar decepcionada quando vejo algo como alguém dizendo que “Make Up”, música cujo refrão em tradução livre é “Agora, nós estamos saindo/ Saindo dos nossos armários/ Pelas ruas/ É, nós estamos saindo”, fala simplesmente sobre uma garota vaidosa. Parece um desperdício. Porém, essa é mais uma beleza do Transformer: você não precisa entender pra se comover. É música de primeira linha. O fim de “Satellite of Love”, quando o Bowie começa a subir as notas, é de arrepiar, é incrível. Mas uma vez que você percebe o que está sendo dito e a relevância desse conteúdo, o significado ganha proporções muito maiores. É isso que faz uma obra valer para sempre.
(A segunda foto é a contra-capa do cd; só pra ilustrar um pouco mais isso do "trans". O cara se chama Ernie Thormahlen e isso na jeans dele é uma banana. Referência, talvez?)
Voltando nisso da poesia, aqui você pode ver Lou Reed lendo parte de "Andy's Chest", relacionada ao atentado de Valerie Solanis contra Andy Warhol. Só que esse não tem a marca verde bacana que o vídeo que eu editei tem. Bom, "Hangin' Round" sem música, "Hangin' Round" com música:
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Em São Paulo: a exposição "Andy Warhol, Mr. America", na Estação Pinacoteca (e não na Pinacoteca do Estado) vai até 23 de Maio. Muito boa.
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