sexta-feira, 14 de maio de 2010

Esse Você Precisa Ouvir: 69 Love Songs, do Magnetic Fields

É bom explicar desde o início: esse não é um Esse Você Precisa Ouvir usual. Talvez fosse melhor nem aplicar esse rótulo a ele. Para falar a verdade, esse não é nem um texto planejado; é mais uma forma de jogar no papel tudo o que sobrou de uma discussão que eu tive com o Noa. Há pouco tempo, após terminar uma apresentação para a faculdade à qual eu dediquei muito mais tempo e esforço do que o biologicamente saudável, eu me vi imerso num debate – que nós já havíamos tido várias vezes, mas que dessa vez se personificou na figura de Lady Gaga – a respeito da mesma questão de sempre: até que ponto o pop é pop e a arte é arte? O que, pensando bem, foi uma péssima idéia. Primeiro porque eu teria de acordar cedo no outro dia e eram 11 horas da noite. Segundo porque todo mundo sabe que esse tipo de discussão se arrasta por horas a fim e nunca chega a nenhum lugar. E, no final, eu acabei deitado na minha cama, às 2 da manhã, ouvindo o 69 Love Songs, do Magnetic Fields e pensando em como eu não estava com vontade de acordar quatro horas depois e ir para a aula de Filosofia. O que, apesar de não ser exatamente uma conclusão da discussão, é extremamente próximo disso.

Isso porque, no álbum, o grupo de Stephen Merritt disseca um dos fenômenos mais característicos da música pop: a love song. E veja bem, quando eu digo “disseca”, eu quero dizer literalmente isso. São 69 love songs, distribuídas entre 3 CDs (nada que você não poderia ter deduzido do título, mas considerando que a Guerra dos Cem Anos durou 116 anos, eu achei melhor explicitar), cada uma a partir de uma persona diferente: desde a paixão espiritual e religiosa (“Kiss Me Like You Mean It”) até o relato de um one night stand em Paris vivido por um oficial do Exército e uma dançarina (“The Night You Can’t Remember”), representados por estilos tão variados quanto um blues (“Underwear”), música étnica (“World Love”) e pseudo-experimentalismo (“Experimental Music Love”). Merrit destila sua própria personalidade em dezenas de personagens, em um pot-pourri da história da música pop e, justamente por isso, ele não soa inautêntico: em “Punk Love”, por exemplo, o punk de Merrit é o punk de sua própria interpretação, não o punk de 77, descaradamente copiado por mais um amador.

E é nesse momento que você pensa: “Meu Deus! Sessenta e nove músicas! São quase três horas de música sugeridas pelo mesmo cara que me mandou ouvir Suicide e Christian Scott! Qual é a chance de eu tentar ouvir isso?” Pois bem, é aí que está a grande sacada do disco: por mais complexos que sejam os sentimentos representados nas canções, por mais absurdos que sejam os personagens que as executam, por mais complexos que sejam os estilos sob os quais elas se constroem, ao contrário de, bem, tudo que eu recomendei até agora, o álbum é supreendentemente acessível e maravilhosamente... pop. O tipo de música que qualquer music geek (categoria na qual, se vocês estão bem lembrados, eu me incluo) ignoraria à primeira ouvida. Isso, se o disco não fosse tão profundo. Se não fosse tão honesto. Se não fosse tão genial.

Pode até ser que a discussão com o Noa não tenha chegado a nada. Afinal, eu continuo sem achar que a Stefhany é o novo Shostakovich, ainda tenho minhas dúvidas a respeito do status de Lady Gaga como artista e não acho que Cesar Menotti e Fabiano sejam um perfeito ícone de nossa época. Sei, entretanto, que é possível ser pop e expressar-se com tanta profundidade quanto qualquer obra de arte, e 69 Love Songs é a perfeita prova disso. E é isso que importa, certo? Quem sabe agora talvez eu consiga dormir tranqüilo. E assistir à minha aula de Filosofia.

5 comentários:

  1. Eu juro que eu te odeio, Federowski.

    Você não sabe como é difícil admitir que o meu texto preferido nesse blog não é nem do dinha, nem do noa.

    Sabe... Eu também tenho minhas dúvidas "a respeito do status da Lady Gaga como artista e não acho que Cesar Menotti e Fabiano sejam um perfeito ícone de nossa época".

    Mas eu tenho provas suficientes para acreditar plenamente no poder do pop!
    E, respondendo a sua pergunta:
    Sim, é isso que importa. =)

    Ps: Essa "Kiss Me Like You Mean It" é demais!

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  2. Ahhhhhh, sorrisos, sorrisos e mais sorrisos !

    Não acho que esse foi O SEU MELHOR texto, mas foi o que me ganhou com mais facilidade.

    Vou te explicar o contexto: estava trabalhando, cansada e chorosa - ouvindo Pearl Jam - e falei "vou entrar no PTTP e ler alguma coisa".
    E sério, eu terminei de ler, SORRI e pensei: "Meu, só o Fed mesmo" !

    Eu não queria admitir isso na rede, mas como já o fizeram: sim, também é difícil para mim (finalmente achei alguém que compartilha do meu problema, hasuhsaua). E Fed, eu também te odeio.

    Com carinho

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  3. O texto realmente foi o mais apelativo (no bom sentido) e tocante (no mal sentido) que vc escreveu. Sinceramente, me irritou o uso da 1a pessoa, por mais que essa tenha sido claramente a intenção.
    Enfim, um dos seus melhores textos sem duvida.
    Abração

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  4. É impressionante o que esse álbum consegue fazer.
    Não sei se conseguiria dormir tranquilamente depois de escutá-lo ou ir à uma aula(qualquer aula). É de uma sensibilidade quase inacreditável. Stephen Merritt é gênio.

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  5. Ouvi 69 Love Songs de Magnetic Fields é uma experiência sem igual. Passei semanas e mais semanas ouvindo praticamente esse álbum.

    A ironia muitas vezes usadas por Stephen Merritt é o quer marca o álbum, se você olhar bem o álbum é uma sátira àquele amor que serve de inspiração para tantas músicas. Um bom exemplo do tom satírico é a música 'I think I need a new heart'.

    Outras tantas músicas do álbum usam o tema amor das mais diversas ópticas, de uma forma que é impossível que você não se identifique com pelo menos uma dezena de músicas. Cada música descreve uma situação, uma visão diferente de mundo, e do amor.

    Altamente recomendado pra quem acabou um relacionamento recentemente! Prestando bem atenção na letra de cada música, cara música é uma lição. Do tipo que você reflete: "Como é que eu não havia pensado naquele relacionamento dessa forma?"

    Não dá pra ter uma música favorita, existem aquelas mais tristes, as mais profundas, as mais engraçadas...

    O álbum é um dos melhores que já ouvi, com certeza!

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