sábado, 29 de maio de 2010

Dois Pesos, Duas Medidas

Uma das minhas expressões preferidas a respeito de injustiças do mundo não diz respeito à fome na África, nem às guerras do Oriente Médio, muito menos à má distribuição de renda ao redor do globo, mas sim a uma banda escocesa: "Se o mundo fosse justo, Teenage Fanclub tocaria no rádio de cinco em cinco minutos”. Você, leitor, entenderia o que eu digo se escutasse Grand Prix, disco que faz 15 anos em 2010 e é um perfeito exemplar do equilíbrio que a banda consegue estabelecer entre limpeza e distorção (clique para ver o clipe de “Sparky’s Dream”) em sua sonoridade. Tal aniversário é um dos motivos da existência desse texto. O outro, antes que você me pergunte, é o lançamento de Shadows, álbum mais recente do conjunto - e que, infelizmente, não faz jus nem à frase nem à idéia de equilíbrio acima citados.

O trio de Glasgow, formado por Gerard Love (baixo), Norman Blake (guitarra base) e Raymond McGinley (guitarra solo), desde o início de sua carreira colocou os ingredientes de sua música numa balança: de um lado, o peso das guitarras distorcidas e raivosas (que fizeram a cabeça de Kurt Cobain em trabalhos como Bandwagonesque); do outro, a leveza dos coros, arranjos de cordas e versos simples de amor. O fiel que a equilibra é justamente Grand Prix, que consegue sintetizar em sua essência o som do fã-clube adolescente – altamente radiofônico e acessível.

Herdeiros diretos da escola Beatles-Byrds-Big Star de artesões rock (leia-se: canções pop de três minutos com riffs ganchudos e letras cativantes), o que chama a atenção no som dos escoceses não é a inovação, mas sim a simplicidade - poucos artistas teriam a sinceridade de escrever um refrão cujo cerne é "o seu amor é o lugar de onde eu vim" sem soar piegas. No disco de 1995, essa marca aparece na declaração de amor de "About You", no consultório sentimental do trocadilho esperto de "Neil Jung", no "fundo oceano de melancolia" sugerido na agridoce "Mellow Doubt" e na beleza de versos como "I'd steal a car to drive you home" (de "Don't Look Back")

Falando assim, pode parecer que tudo o que você ouvir do Teenage Fanclub vai soar como "o disco perfeito que Lennon & McCartney nunca fizeram". De fato, algumas das canções acima citadas poderiam muito bem merecer esse rótulo. Mas não é o que acontece com Shadows. (Vale aqui dizer: os adjetivos das próximas linhas aparecem por comparação com os trabalhos anteriores do TFC, não com o panorama musical de hoje). Shadows, é, a princípio, um disco desequilibrado - seja no sentimento que envolve certas faixas, seja nos arranjos que massificam os pequenos detalhes (teclados, cordas, certos coros), como uma versão mal cuidada do ideal do Wall of Sound de Phil Spector.

O Teenage Fanclub é uma banda que, na maioria das vezes, soa como se tivesse injetado em si própria uma overdose de serotonina - certa vez, ela foi classificada como "insanamente feliz”. Um exemplo dessa alegria em Shadows é "Baby Lee”. Entretanto, a serotonina faz falta em alguns momentos, por exemplo, na faixa de abertura, "Sometimes I Don't Need to Believe in Anything", e em "Dark Clouds" – que trazem á tona uma melancolia que soa forçada e não natural no conjunto da obra do Teenage Fanclub. Em outras horas, percebe-se que há sim um brilho escondido - na romântica "When I Still Have Thee" ou no clima de "domingo ensolarado" que se estabelece em "Sweet Days Waiting" - mas que não atinge a superfície e torna-se opaco por detalhes de mixagem e produção. Além disso, falta aqui um bocado do tal peso muito utilizado no início da trajetória dos escoceses - as guitarras pouco aparecem, e quando o fazem, são em fraseados limpos, fazendo suspirar os amantes da (por vezes pouca, mas existente) sujeira de outrora.

Por favor, ignore o infame trocadilho: Shadows é um disco que não chega a fazer sombra nos melhores trabalhos do grupo de Glasgow. Porém, quando posto à luz da comparação com muito da música que se faz hoje, trata-se de um conjunto de canções que soa honesto e bonito - uma frase clichê a respeito disso poderia ser "um disco mediano do Teenage Fanclub ainda sim consegue ser um dos melhores do ano". Mas sinceramente? Se você já ouviu o trio, Shadows é um disco divertido, mas esquecível. Pra quem nunca tinha sequer ouvido falar de Teenage Fanclub, saiba apenas o seguinte: é só dar uma brecha que eles estão prontos para – parafraseando “Don’t Look Back” - roubar seu rádio e te fazer sorrir com a simplicidade de quem canta a vida com um sorriso no rosto e um coração apaixonado.

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Algumas notas de rodapé, para terminar:

Wall of Sound: foi um estilo de mixagem musical inventado pelo produtor e compositor Phil Spector, e que marcou o início dos anos 60. Consistia em literalmente criar uma massa sonora na qual os instrumentos, embasados numa orquestra de cordas, não eram percebidos nos seus mínimos detalhes, mas sim como um som encorpado e “cheio”. Alguns sucessos marcados por esse estilo foram “Be My Baby”, com as Ronettes, “Unchained Melody” e “You’ve Lost That Lovin’ Feelin’”, com os Righteous Brothers, e “Then He Kissed Me”, com os Crystals.

Power Pop:Um nome muito atribuído à tal “escola Beatles-Byrds-Big Star de artesões rock” é o rótulo “power pop”. Achei interessante citar isso porque, nos últimos tempos, diversas bandas coloridas e de qualidade duvidosa têm utilizado o termo em um significado diferente do original. O recém-finado Alex Chilton provavelmente deve estar se remexendo no túmulo por isso. Recuse imitações: power pop mesmo é o do Teenage Fanclub, do Big Star, do Badfinger... e não qualquer coisa com calças laranjas fluorescentes que geme a cada três segundos.

6 comentários:

  1. Amigo, como um dos maiores fãs que o Teenage Fanclub possui, posso afirmar que seu texto ficou muito bacana mesmo! Corrigindo um erro: você colocou Norman Blake como baixista, e Gerard Love como guitarrista! ficou trocado, seria ao contrário! Norman na guitarra e o Gerard no baixo! Mais eu dou graças á Deus por eles não serem uma banda muito conhecida e mainstream! Porquê quem sabe acabariam ficando com uma legião de 'fãs' modinhas que não entendem de nada, como o Nirvana possui.

    Abraço!

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  2. Muito bom, sempre que eu vejo posts de bandas/artistas eu fico curioso e vou ouvir o máximo que posso! Vocês realmente conseguem deixar curiosos. Gostaria de reforçar que gostei muito das notas de rodapé. Beatlemaníaco que sou, gostei de saber mais sobre Phil Spector, e fiquei contente de saber outros trabalhos dele com o "Wall of Sound" sem ser dos Beatles...assim dá pra tirar o produtor um pouco da sombra deles!
    E a segunda nota de rodapé sucintamente expressa o descontentamento recíproco meu sobre os famosos fãs 'posers' e pessoas que vestem o rótulo sem nem ter a mínima ideia do que se trata...muito bom, Pop to The People, parabéns!
    Abraços!

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  3. "Your love is the place where I come from" é tão foda! Como assim você não colocou um link para ela?
    As pessoas precisam ouvir isso! Justiça seja feita!

    Mas é tudo o que tenho para reclamar. Adorei a nota de rodapé falando do power pop. Aliás, no futuro, um textinho pra badfinger e/ou bigstar cairia bem.

    Abração, fera.
    (Continuem brilhando!)

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  4. Sorrisos, sorrisos e mais sorrisos !

    Só uma comentário bobo de uma menina leiga no assunto: VELHO, O CARA CHAMA GERARD 'LOVE', É DE GLASGOW E TOCA BAIXO? Nossa senhora (ashuhasu) :)

    Você, as always, escreve muito tchubs !

    Com carinho

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  5. O texto é muito a sua cara e está impecável! Acho que ganhou do texto do Apanhador Só no meu ranking.

    Beeijo!

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  6. Espera aí, artesões? Cadê o editor disso aqui? =P
    A não ser que você esteja dizendo que a banda é formada por enfeites de igreja...

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