domingo, 30 de maio de 2010

Cálculo da Expressão

Quando obras de diferentes artistas são colocadas lado a lado em uma exposição é necessário que haja um elo muito forte para que coerência não se perca. Muitas vezes esse elo é o movimento estético a que os artistas são associados, mas quando se pretende falar em um “expressionismo brasileiro” o senso de unidade é muito menos óbvio – especialmente quando as obras se limitam a gravuras. Se por um lado a triangulação entre Oswaldo Goeldi, Lasar Segall e Iberê Camargo é bem intencionada, por outro a exposição “Cálculo da Expressão”, no Museu Lasar Segall, carece do que é mais importante em uma exposição: unidade.

A exposição se propõe mostrar a economia formal decorrente do cálculo que um trabalho artesanal tal como a gravura exige. Do que se abre mão em função dessa tentativa é a coerência temporal. Da década de 20 à década de 90, as obras variam dos primeiros rabiscos de Lasar Segall aos últimos de Iberê Camargo. O que fica evidente, mais do que a economia formal, é a defasagem da estética em relação ao tempo. Frente a um início de século XX na Europa, quando se sucederam muitos e diversos movimentos estético-ideológicos, o Modernismo brasileiro é fadado a uma antropofagia estética pela falta de uma crença ideológica. Longe de nós o horror da guerra e a falência do projeto burguês, ao contrário, nossos artistas eram os próprios filhos da burguesia a que a estética que cooptaram antes se opunha. Não que a postura modernista seja inválida, apenas que esvaziou todo o conteúdo crítico das fontes de que beberam.

É claro desde o momento em que se entra no museu Lasar Segall, uma espécie de apêndice do colégio, que se trata de uma realização de baixo orçamento. Ainda que a parceria com o mais abastado instituto Iberê Camargo tenha viabilizado a exposição, trata-se de uma mostra quase completamente de obras menores e pouco significativas. Salvo Oswaldo Goeldi, cuja sagração foi exatamente através das Xilogravuras, o que se apresenta de Lasar Segall e Iberê Camargo são literalmente rabiscos. Não é impossível de se perceber, porém, o estilo próprio de cada artista, que se reflete de alguma forma nessas obras menores. Em Oswaldo Goeldi a ressonância dos traços emocionados de Van Gogh, divertidissimamente ilustrando de Raull Bopp a Dostoievsky; e em Lasar Segall a simplificação dos traços e a geometrização das formas, melhor representados pelas diversas matrizes que se apresentam.

Quem parece particularmente perdido entre as obras é Iberê Camargo, possivelmente por causa da incoerência de sua obra com a proposta da exposição. É certo que os três artistas são mais ou menos contemporâneos, mas a produção de Iberê Camargo tem início na década de 40, momento em que as produções de Oswaldo Goeldi e Lasar Segall já estavam no fim. Naturalmente essa sutileza temporal faz toda diferença na estética. Enquanto Lasar Segall e Oswaldo Goeldi são muito mais influenciados pelos movimentos do início do século XX – o expressionismo, o cubismo e o abstracionismo –, Iberê transita entre um surrealismo póstumo e o expressionismo abstrato. Obviamente a economia formal é muito menos importante para Iberê do que para Goeldi e Segall.

Não se trata de uma exposição ruim, muito pelo contrário. Esperar conhecer as obras desses três artistas através dela, contudo, é um equivoco. Mais do que isso, para aqueles que estão familiarizados com o modernismo brasileiro, a exposição viabiliza uma série de reflexões interessantes, ainda que a proposta central não seja muito bem efetivada. Apesar de as gravuras serem em sua maioria obras menores, é através delas que melhor se pode conhecer a estética de um artista. E apesar de a infra-estrutura ser um pouco precária, o empenho da curadoria faz com que tudo pareça melhor. A exposição “Cálculo da Expressão” se encontra no Museu Lasar Segall, Rua Berta 111, e permanece de 24 de Abril a 10 de Julho de 2010.

3 comentários:

  1. Que saudade do Museu Lasar Segall e dos malucos que sentavam ali em frente tocando violão, aprendendo dança de salão sem música e uma vez ou outra estudando história deitados no chão.

    :)

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  2. Será que uma discussão a respeito de uma pequena exposição de artistas não tão conhecidos é válida em um blog de cultura pop?
    Pode até ser que o texto esteja bem escrito, mas definitivamente é chato e não possui nenhum atrativo ao público que frequenta o blog. Só não parei de ler no meio porque sabia que teria que terminar se quisesse fazer um crítica decente.
    Enfim, por mais que você queira tratar de um assunto que te interessa (e nem sei se te interessa tanto assim) lembre-se que o seu texto estará inserido em um contexto.
    Diferente do texto "Sobre Cultura e Ideologia" que trouxe uma discussão interessante e válida, "Cálculo da Expressão" não acrescentou nada.

    E, ah, vc é esteticamente muito fresco!

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  3. Não sou muito de defender meus textos em público, mas como o público é mínimo, vou experimentar tomar essa liberdade x].

    Na realidade, Lasar Segall e Oswaldo Goeldi são dois dos nomes mais importantes do modernismo brasileiro e costumam ser minimamente conhecidos pelo público interessado em arte, o que não deixa de ser a pretensão do público desse blog.

    Mais ainda, são mais conhecidos e infinitamente mais reconhecidos do que a grande maior parte dos artistas a que os posts desse blog fazem alusão (me refiro especialmente às sessões "Esse Você Precisa Ouvir", que muitas vezes indica bandas pouquíssimo conhecidas, o que é, muitas vezes, exatamente a intenção)

    E, sobretudo, o post é tanto a resenha de uma exposição com artistas consagrados (o que deve ser de interesse de um público se diz interessado em arte) quanto um comentário crítico sobre a estética desses artistas.

    Não é muito diferente de uma resenha sobre o disco de uma banda indie, apenas que os modernistas brasileiros têm reconhecimento da crítica acadêmica e a banda indie não.

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