quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Beleza do Cotidiano Com Olhos de Iniciante: Apanhador Só, da Apanhador Só

Um jeito interessante de pensar no auto-intitulado e recém-lançado disco da Apanhador Só é imaginar contrastes: em plena Rua Augusta, indies de calças xadrezes e óculos de borda grossa (sem lentes de grau, obviamente, só pra manter o hype) dançam frevos e sambinhas regados a guitarras e teclados. Ou ainda: o encontro de Stephen Malkmus e Rivers Cuomo com Paulinho da Viola e Luiz Gonzaga em pleno domingo à tarde de sol para uma jam session. Porém, essas duas descrições soam incompletas: a elas falta o lirismo peculiar de quem é “marinheiro de primeira viagem”, que se encontra em todas as faixas de Apanhador Só.

Antes que você pergunte: mas quem raios são esses caras? Uma breve apresentação básica: a Apanhador Só é composta de Alexandre Kumpinksi (voz e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra), Fernão Agra (baixo) e Martin Estevez (bateria), nasceu em Porto Alegre no meio da década e após gravar dois EPs chega ao primeiro álbum (disponibilizado para download no site da banda). O nome da banda é uma colagem: remete tanto ao livro O Apanhador no Campo de Centeio quanto à “Marinheiro Só”, um clássico de Caetano Veloso.

As últimas linhas pareceriam sem propósito maior – apenas uma curiosidade banal - se não fosse a informação que ali está implícita: o mote da Apanhador Só é literalmente misturar as guitarras do rock (representado indiretamente pelo livro de Salinger) com os ritmos e as harmonias da música brasileira. Trata-se de uma idéia que em si não é inovadora - desde os tropicalistas, passando pelos Picassos Falsos até desembocar no manguebeat de Chico Science - mas a cada vez que é feita gera novos resultados. É uma mistura que tem sido utilizada com bastante freqüência na última década. Boa parcela de "culpa" disso pertence aos Los Hermanos e seu primeiro e subestimado disco, onde Camelo e Amarante botaram os descolados pra dançar com o frevo de "Pierrot" e o ska-forró de "Sem Ter Você", só pra ficar em dois exemplos. Mas este Apanhador Só exibe um interessante frescor de bom humor e uma poesia de quem vê o mundo com olhos de iniciante, empolgando e alegrando quem se propor a escutá-lo.

Fica difícil resistir ao charme de "Origame's Over" e o seu cultivo à beleza das pequenas coisas ("Que é pra/cantar meninas/pintar esquinas/dobrar ori/game's over") ou ao balançado brejeiro de "Maria Augusta" e sua proposta de arrasta-pé. "Vila do Meio Dia" traz a esperança e o otimismo no meio a uma série de coisas ruins ("O meu quintal parou de dar maracujá, uva e limão/Mas com um beijo da Maria tudo vai se ajeitar") - com direito a um belo coro e um empolgante "lá-iá-lá-iá".

E até mesmo o que é triste no mundo se torna cativante pelas mãos da banda: seja a discussão de casal em "Pouco Importa", seja a tentativa de reconquista - ainda que improvável - e os pequenos detalhes ("Perfume atrás da orelha/Um vestido bem vestido/Um sorriso no rosto/Um punhado de amigos") de algo que já se partiu em "Bem Me Leve". Ou ainda relacionamentos que não se compreendem e se deterioram, em "Peixeiro" e "Nescafé" - a primeira brinca com a ironia, enquanto a segunda idealiza uma solução ("Em que sonho eu sonho meu sonho igual ao teu?").

Não se surpreenda, entretanto, se o disco lhe parecer indigesto de partida: a mudança contínua de andamentos e o barulho das guitarras à moda do Yo La Tengo podem assustar os incautos. Mas a cada escutada, novos elementos se descobrem e tornam o disco mais prazeroso para o ouvinte - lá pela quarta ou quinta vez você conseguirá ouvir nas músicas instrumentos lúdicos como "sacolas plásticas", "interruptores de luz", "balão de aniversário" e "roda de bicicleta". São essas pequenas sonoridades que acentuam ainda mais a importância do cotidiano como ponto de partida para um novo olhar sobre a realidade - algo que aproxima a banda dos poemas de Manuel Bandeira e Mário Quintana.

Se tudo isso que foi dito ainda não foi suficiente pra te convencer a dar uma chance de ser apanhado por esse disco, só resta dizer uma coisa: para o frio tenebroso e triste que se anuncia para os próximos meses, parece não haver lançamento recente melhor para te deixar com um sorriso bobo no rosto que Apanhador Só.

6 comentários:

  1. meuuuuu, vcs são muito legais, sério!!Adoro o blog.

    beijos e sempre em frente, não parem. Tds vcs têm muito talento.

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  2. Ahhhhh, você voltou :)

    Gostei do contraste do §1º, gostei do "mas quem raios são esses caras?" e gostei da comparação com Manuel Bandeira e Mário Quintana.

    E, AS USUAL, adorei o seu final. Você sempre consegue os meus sorrisos bobos ;)

    Com carinho

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  3. sou fã de apanhador a muitíssimo tempo

    bom ler um texto como o seu falando tão bem do álbum deles

    P.S. boas comparações ;)

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  4. Tá aí! Concordo com a Gi. Um texto que faz sorrir sobre um álbum que faz sorrir. :)

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  5. Bom.Nível dos primeiros.Preguiça de dizer mais...

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  6. Noa, parabéns :)
    essa resenha traz uma sensibilidade incrivel - colocar trechos de musicas e citar a origem da banda são taticas muito boas para que o leitor se sinta minimamente mais proximo da banda, ainda que ela seja desconhecida para ele.

    vou reservar um espaço na HD do meu pc para Apanhador Só - nada melhor do que boa música para esquentar o peito em meio à friaca paulistana ;)

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